GENEBRA – O governo vai distribuir gratuitamente remédios contra diabete e hipertensão pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com todos os custos financiados pela União. Anteriormente, gastos nessa área eram divididos com Estados e municípios. A informação é do ministro da Saúde, Humberto Costa, que hoje inicia sua participação na Assembléia Mundial da Saúde, em Genebra.
Ele anunciou também que o governo subsidiará a venda de medicamentos para as duas doenças nas farmácias particulares.
Em entrevista ao Estado, Costa preferiu não dar informações de quanto essa iniciativa vai custar aos cofres públicos, mas adiantou que os subsídios aos remédios fazem parte das medidas que o governo deve adotar para internalizar a nova estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a dieta e contra a obesidade, um dos pontos principais a serem discutidos durante o evento na Suíça.
Estado – O que vai mudar no País, após as discussões na Assembléia Mundial da Saúde?
Humberto Costa – O governo vai montar uma comissão interministerial cujo objetivo é implementar a resolução a ser tomada pela OMS (sobre dieta e contra a obesidade). No Ministério da Saúde, vamos adotar uma política integral de atenção ao obeso e de prevenção. Isso inclui o estímulo às atividades físicas e orientação de dieta. Vamos ainda garantir a todos os diabéticos e a hipertensos o acesso aos 14 medicamentos essenciais, que serão disponibilizados de forma gratuita no SUS (Sistema Único de Saúde).
Isso já ocorria, mas por intermédio de Estados, governo federal e municípios. Agora, vamos assumir todo o projeto.
Estado – E no setor privado? Como ficam as farmácias particulares?
Costa – Quanto às pessoas que consomem os medicamentos pelo setor privado, uma das estratégias é subsidiar remédios que são produzidos no País. Vamos pegar os medicamentos que são usados em 85% dos casos das doenças, inclusive a insulina, e ofertar nas farmácias privadas a preços subsidiados. Os medicamentos seriam subsidiados em 50% do valor do menor preço praticado para cada um dos remédios. Nossa idéia e já adotar isso em setembro.
Estado – Houve uma disputa dentro do governo em relação à estratégia a ser adotada aqui na Suíça, porque se prevê a redução do consumo de açúcar, produto que é um dos destaques da pauta de exportação do País. O governo, então, optou por seguir a OMS?
Costa – A posição do Brasil será a de fortalecer a idéia de que doenças não transmissíveis têm ocupado um espaço cada vez maior nos índices de morbidade e de custos sociais e econômicos para o sistema de saúde. Diabete, hipertensão arterial e câncer têm cada vez mais pesado nos custos dos governos, pois demandam internações prolongadas e, a cada dia, são incorporados novos medicamentos que têm preços altos. Essas doenças são a primeira causa de internação hospitalar, responsáveis por procedimentos caros. No caso da insufiência renal, que obriga à hemodiálise, nos custa hoje R$ 1,1 bilhão em um orçamento de R$ 31 bilhões. Se somarmos a cirurgia cardíaca, transplante de rim e tantas outras coisas, os custos são muito altos.
Estado – A posição final do governo reflete uma vitória do Ministério da Saúde frente a outros ministérios?
Costa – O País ganhou. Entendo perfeitamente o debate que se travou. O Brasil ficou em uma situação delicada, pois ao mesmo tempo apoiou a resolução e esteve à frente do G-77, que é o bloco de países em desenvolvimento, onde os produtos agrícolas, como o açúcar, têm um peso grande nas economias. O que conseguimos superar foi a menção, em uma versão anterior da resolução da OMS, que abriria possibilidades de aplicação de subsídios para determinados produtos considerados saudáveis, mas que estabeleceria uma competição desigual entre os países. Construímos uma opção no texto revisado que reconhecia a necessidade da dieta orientada e, ao mesmo tempo, não abria espaço para o protecionismo.
Estado – E quais serão as atividades dos outros ministérios na implementação da estratégia de dieta?
Costa – Vamos debater como produzir e induzir mais o consumo de frutas e alimentos leguminosos. Vamos também trabalhar com a idéia de alterar os hábitos alimentares que existem hoje e definir o que seria um consumo adequado de açúcar. Com o Ministério da Educação, vamos debater a composição da merenda escolar. Já para as exportações brasileiras de açúcar, não creio que a estratégia da OMS tenha um impacto negativo. Não queremos afetar a capacidade do Brasil de competir no mercado internacional.
No setor, iniciativas públicas ficaram somente no papel
Anúncio de programa semelhante ao sugerido em 2002 surge depois de protesto médico
LÍGIA FORMENTI
BRASÍLIA – A promessa do ministro Humberto Costa de reforçar a distribuição de medicamentos para hipertensão e diabete ocorre menos de um mês depois de a Sociedade Brasileira de Cardiologia protestar contra a crise na área. Para representantes da entidade, além de a quantidade de remédios oferecida à população ser insuficiente ocorre de forma inconstante, o que prejudica o tratamento. Um problema e tanto de saúde pública, principalmente quando se leva em conta que as duas doenças são o principal fator de risco para distúrbios cardiovasculares – a principal causa de morte dos brasileiros.
Até hoje, várias iniciativas governamentais já foram anunciadas para garantir um tratamento adequado para os diabéticos e os hipertensos. Um programa lançado no governo anterior – o Plano de Reorganização de Atenção aos Portadores de Hipertensão Arterial e Diabete – arrancou elogios da Organização Pan-Americana de Saúde. Mas poucos resultados práticos foram obtidos até agora.
Naquela época, também foi lançada a idéia – agora novamente anunciada por Humberto Costa – de o governo federal tomar para si a responsabilidade a compra de medicamentos. Em 2002, o então ministro da Saúde, Barjas Negri, anunciou a intenção do governo federal de centralizar a operação para hipertensão arterial. A expectativa era de que, até o início de 2003, 9 milhões de pessoas tivessem acesso à compra dos medicamentos.
Pouca coisa mudou de lá para cá. Como mostra o alerta da Sociedade Brasileira de Cardiologia, uma legião de pacientes ainda encontra dificuldades para adquirir na rede pública de saúde medicamentos para controlar hipertensão ou diabete.