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Emenda parlamentar é um acinte

 

            O globo: Qual o significado da primeira eleição para presidente do CNS, cargo que sempre foi ocupado pelo ministro da Saúde? Francisco batista júnior: Há anos debatemos essa questão. O Conselho Nacional de Saúde tem, entre suas atribuições, fiscalizar as ações e os recursos aplicados na saúde. No momento em que o presidente é o próprio ministro, cria-se certa dificuldade.

 

            Como ele vai fiscalizar a si próprio? A relação é muito próxima. O conselho precisa ter liberdade para adotar medidas que possam desagradar ao gestor. Teremos mais força e independência para tomarmos nossas decisões. Faltava autonomia do CNS em relação ao Ministério da Saúde.

 

             Que mudanças podem ocorrer a partir de agora? Batista júnior: Fui eleito em 8 de novembro e estou percebendo uma demanda muito grande por parte da sociedade civil e dos movimentos sociais. Com a distância que havia entre o ministro e essas entidades, havia uma demanda reprimida. Os movimentos sociais, agora, ficam mais à vontade. Diminui a distância entre eles e o CNS. A pressão vai continuar e, naturalmente, as pendências vão aparecer.

 

             Quais os principais desafios na área da saúde no país? Batista júnior: Há três grandes demandas a curto prazo. O primeiro é organizar uma mobilização para regulamentar a Emenda 29, que assegura recursos mínimos para a saúde. Será preciso uma mobilização muito forte, junto a governadores, secretários de Saúde e deputados, para que o Congresso vote imediatamente. O segundo ponto é fortalecer os conselhos municipais e estaduais de Saúde, que se enfraqueceram, principalmente entre 1999 a 2002. O terceiro aspecto é lutar pela implantação do pacto pela vida, um pacto pelo SUS (Sistema Único de Saúde), lutar para melhorá-lo.

 

             O senhor acha possível que se vote essa emenda com tantas pressões contrárias de alguns setores? Batista júnior: Há uns três meses conversamos com o Aldo Rebelo (presidente da Câmara dos Deputados).

 

            Ele havia assumido incluir o assunto na pauta. Sei que não é fácil votar esse tema. Estamos tentando um encontro com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Vamos à luta.

 

             Como seria esse pacto pelo SUS? Batista júnior: O recurso da saúde é mal aplicado. Temos um modelo hoje que privilegia a doença. É ruim um sistema que privilegia pagamento de procedimentos médicos. O gestor se preocupa em apresentar uma fatura com esses serviços. Defendemos que existam metas. Por exemplo: a partir de um levantamento, detecta-se que um município tem problema de tuberculose.

 

            Então, a meta do município será acabar com a tuberculose. E o gestor será fiscalizado pelo Ministério Público, pelo conselho municipal e pelo Ministério da Saúde. É preciso mudar essa lógica para melhorar o quadro epidemiológico. Temos que priorizar a prevenção e a promoção da saúde.

 

             O país está vendo o escândalo dos sanguessugas e dinheiro público para a saúde desviado pela corrupção. Como o senhor analisa esse episódio? Batista júnior: Antes, é preciso deixar claro que o CNS, por um equívoco da legislação, não tem qualquer ingerência sobre emendas parlamentares destinadas à saúde. O conselho sequer é consultado. O valor de R$ 3 bilhões de emendas individuais para a saúde é um acinte. O CNS aprovou o orçamento da saúde, mas foi tudo violentamente deturpado, sem que fôssemos ouvidos. Não deveria existir emenda parlamentar para a saúde.

 

            Mas, já que a regra é essa, deveria haver mais rigor. Se um deputado destina emenda para uma cidade, o conselho municipal precisa acompanhar todo o processo. É o mínimo que deve ser feito.

 

             O senhor considera muito alto esse valor de emenda? Batista júnior: Esse percentual, de 30% de emendas parlamentares, é elevadíssimo. É uma coisa esdrúxula.

 

            Basearam-se em quê? É uma distorção gravíssima. Falta transparência, falta fiscalização das emendas, que não são destinadas às reais necessidades de saúde da população.

 

            Se tivesse sintonizada com a realidade da situação epidemiológica de cada município… Nós nos preocupamos com cada centavo para a saúde.

 

            É preciso de controle social severo sobre esse dinheiro.

 

             Na montagem do segundo governo Lula, o cargo de ministro da Saúde entrou na barganha política com aliados.

 

            Qual a sua avaliação? Batista júnior: Afirmo de forma clara e contundente que em nenhum governo, seja de que partido for, se deveria utilizar os ministérios fortes na adoção de políticas públicas, como o da Saúde e o da Educação, como moeda política e instrumento de barganha.

 

            É um equívoco profundo. É o primeiro passo para a coisa não funcionar corretamente. A regra geral é essa: quando a política pública vira instrumento político, a chance de dar errado é muito grande.

 

             O conselho pode participar da escolha do novo ministro? Batista júnior: Não. O conselho não tem papel nem atribuição para participar de decisões da esfera política.

 

            Essa é tarefa do presidente Lula e de sua equipe. Nosso papel é bem claro.

 

            É não interferir na política.

 

             Com a sua eleição, o CNS decidiu abrir espaço para outros movimentos sociais, como o de negros, o de gays, de lésbicas, ambientalistas e de outros setores. O que motivou essa ampliação? Batista júnior: Aumentou de 40 para 48 membros os integrantes do conselho. Esses segmentos, muito importantes na sociedade, agora têm assento no conselho. Acho que é exatamente isso que a sociedade espera de nós, um órgão abrangente e representativo.

 

            A população negra, por exemplo, tem determinadas características próprias que as torna mais vulneráveis e, por isso, é urgente sua participação no CNS. O mesmo raciocínio vale para as lésbicas, os transgêneros, os indígenas. Quanto mais representativo, mais legítimo será.

 

           

 

"O CNS aprovou o orçamento, mas foi tudo violentamente deturpado. Não deveria existir emenda parlamentar para saúde"

 

           

 

"Temos de lutar por um pacto pela vida, um pacto pelo Sistema Único de Saúde. É preciso lutar para melhorá-lo"

 

 

            "Em nenhum governo deve-se utilizar ministérios fortes na adoção de políticas públicas como instrumento de barganha"

 

 

            "Falta transparência, falta fiscalização das emendas, que não são usadas para resolver as necessidades de saúde da população"