No final do ano passado, o governador Roberto Requião sancionou a Lei n.º 14.922, que permite a presença de acompanhantes a pacientes internados tanto em enfermarias como nas Unidades de Terapia Intensiva dos hospitais paranaenses, sejam eles públicos ou privados. A mesma norma, que não mereceu nenhum destaque nos informativos da Assembléia Legislativa e do Governo do Estado, determinou o prazo de 90 dias para que os estabelecimentos hospitalares cumprissem a determinação.
Nos últimos dias, em ações respaldadas pelo Ministério Público, hospitais de vários pontos do Estado têm sido cobrados ao cumprimento da lei, que determina a presença de acompanhantes em tempo integral, exceto três horas para período de higienização e realização de exames, além de enfatizar a disponibilização de “cadeiras e colchonetes” para cumprir a sua finalidade. A repercussão tem sido imediata à iniciativa do MP, diante do entendimento prevalecente nos meios médicos e hospitalares da impropriedade da exigência, que envolve aspectos técnicos, médicos, éticos, administrativos e também legais.
Tentativas para suspender efeitos
A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (FEHOSPAR), tão logo foi notificada do primeiro caso de exigência da presença de acompanhantes em UTIs, fez contato com o Conselho Regional de Medicina do Paraná e com a Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná. Embora antecipando a surpresa com a sanção da Lei, cuja elaboração não envolveu qualquer consulta técnica das entidades médicas, o CRM e a Sociedade manifestaram preocupação com os riscos inerentes aos pacientes e aos próprios acompanhantes.
Nessa terça-feira, dia 16, o Conselho de Medicina e a Sociedade devem realizar a primeira reunião para debater o tema, o que pode gerar a elaboração de parecer técnico e até mesmo a homologação de documento sobre a posição de contrariedade das entidades em relação à medida. Representantes da FEHOSPAR pretendem, num primeiro momento, fazer gestões políticas para sensibilizar o governador e também o secretário Estadual de Saúde, Cláudio Murilo Xavier, da necessidade de revisão da norma. José Francisco Schiavon, presidente da FEHOSPAR, pretende solicitar ainda esta semana uma audiência com o secretário Cláudio Xavier, num encontro que pode também os representantes das entidades médicas.
Ao mesmo tempo, o Departamento Jurídico da Federação já está elaborando estudos para impetrar medida judicial visando proteger os hospitais de eventuais danos, inclusive ações cíveis e criminais e denúncias de transgressões às normas sanitárias vigentes, como a de controle de infecção hospitalar, cujo Dia Nacional é lembrado nesta segunda-feira (15/05). O objetivo é obter a suspensão dos efeitos da lei estadual, até a conclusão de efetivo estudo técnico sobre a viabilidade da medida, sempre em atenção ao melhor para o paciente internado e sua recuperação.
Preocupação com o paciente
O Prof. Álvaro Réa Neto, ex-presidente e membro da diretoria da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, confirmou desconhecer a aprovação de tal lei e, de imediato, colocou-se à disposição para “discutirmos conjuntamente no melhor dos interesses de um atendimento médico e humano adequado a todos os pacientes críticos”. A mesma posição foi manifestada pelo presidente do CRM-PR, Hélcio Bertolozzi Soares, que entre outras preocupações chamou a atenção para as transgressões éticas e a autonomia do médico em prol do paciente. Citando o artigo 8 do Código de Ética Médica, ressalta que “o médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho”.
Em julho do ano passado, o Conselho Federal de Medicina emitiu parecer sobre a presença de acompanhante em UTI, com origem num caso envolvendo paciente em estado terminal. O conselheiro-relator Aloísio Tibiriçá Miranda manifestou que “as indicações gerais para internação em UTI estão na incapacidade provisória de órgãos ou sistemas vitais que necessitam de suporte ou vigilância permanente. Os quadros clínicos podem evoluir dentro da instabilidade previsível e a necessidade de atuação da equipe de saúde se dá a todo momento, justificando as restrições à presença. Esbarra-se, também, na falta de previsão física de acomodação adequada, nos vários regulamentos das UTIs.”
Ainda em seu voto, reconheceu que vem crescendo o número de unidades chamadas de semi-intensivas, onde provavelmente se apresentam condições mais adequadas para acompanhamento dos pacientes por familiares, de acordo com o critério médico, e onde os casos terminais, de forma geral, encontrariam melhor indicação para internação. Mas decreta: “Assim, como consagrado inclusive nas legislações citadas, considero que o critério médico, técnico e ético sempre se impõe, ressalvado o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, seja na UTI ou na unidade semi-intensiva.”
No Mato Grosso do Sul, no final de 2004, foi sancionada lei estadual semelhante, mas excetuando-se casos de internações em UTI, CTI e isolamentos psiquiátricos. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o acompanhamento por pai ou responsável em qualquer circunstância, o mesmo sendo concedido a partir do Estatuto do Idoso. Em dezembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n.º 11.108, que prevê o direito de acompanhante para mulheres em trabalho de parto. José Schiavon diz entender a preocupação com a questão da humanização, mas entende como carente de uma discussão aprofundada o projeto de lei n.º 156/2005, de autoria do deputado Artagão de Mattos Leão Júnior, que foi decretada pela Assembléia Legislativa do Estado e sancionada pelo governador.
“Nosso entendimento é de que os hospitais, concebidos sob outra ótica de atenção e zelo ao paciente, além de otimização de custos e espaço, não prevêem tal concessão diante dos riscos previsíveis aos próprios usuários dos serviços ou mesmo aqueles qualificados como acompanhantes”, diz o presidente da FEHOSPAR, ressaltando que hoje já existe o problema da falta de UTI e a possível exigência de reestruturação no ambiente hospitalar para abrigar acompanhante tende a reduzir ainda mais o número de leitos disponíveis. O dirigente confirma que também está sendo feito um trabalho de esclarecimento aos membros do Ministério Público e analisado um documento de termo de responsabilidade a ser assinado pelo paciente ou seu responsável e, ainda, pelo acompanhante em UTI.
“Estas unidades de terapia possuem características singulares e são regidas por normas internacionais e de cunho estritamente científico, seguindo protocolos dinâmicos e rígidos desde que direcionam especiais tratamentos a casos de patologias graves e infecções de riscos não só aos doentes mas, também, a todos os que com eles têm contato. As medidas protetivas e de controle de infecções são, naqueles setores hospitalares, minuciosas e estrategicamente desenvolvidas no sentido de evitarem a disseminação de patógenos a outros doentes e aos profissionais que os atendem diuturnamente”. A manifestação foi feita no ano passado pelo pediatra Luiz Ernesto Pujol, conselheiro do CRM, quando a proposta ainda não tinha sido sancionada e quando se acreditava na análise técnica da questão.
A Lei sancionada pelo governador
LEI Nº 14.922
De 23/11/2005
(Publicação no Diário Oficial N.º 7108, de 24/11/2005)
Súmula: Permite a presença de acompanhantes nas dependências das enfermarias e das unidades de terapia intensiva (UTI) dos hospitais, conforme especifica.
A Assembléia Legislativa do Estado do Paraná
decretou e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º. É permitida a presença de acompanhantes aos enfermos nas dependências das enfermarias e das unidades de terapia intensiva (UTI) dos hospitais, casas de saúde e maternidades públicas e privadas, resguardando o tempo de 3 (três) horas por dia onde são realizados os procedimentos de higienização tanto do local como dos pacientes, além dos exames de maiores complexidades.
Parágrafo único. Para a consecução da norma necessário se faz a presença de cadeiras e colchonetes que permitam a presença do acompanhante em tempo integral, observado o disposto na parte final do dispositivo.
Art. 2º. As instituições referidas no artigo 1º, deverão adequar-se à presente lei no prazo de 90 (noventa) dias.
Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO EM CURITIBA, em 23 de novembro de 2005.
Roberto Requião, Governador do Estado
Claudio Murilo Xavier, Secretário de Estado da Saúde
Caíto Quintana, Chefe da Casa Civil