contato@sindipar.com.br (41) 3254-1772 seg a sex - 8h - 12h e 14h as 18h

Médico desliga aparelhos de italiano que acendeu debate sobre eutanásia

 

            Um médico italiano aplicou uma injeção sedativa e desligou os aparelhos que mantinham vivo o poeta e escritor Piergiorgio Welby. Nos últimos meses, o paciente havia aparecido em programas de TV e escrito ao presidente da Itália para pedir a sua morte. Welby sofria de distrofia muscular e era mantido vivo desde 1997 por um respirador e alimentado por sondas. A morte, no fim da noite de anteontem, desencadeou um inflamado debate sobre eutanásia no país.

 

            O primeiro-ministro da Itália, Romano Prodi, considerou que foi aberto um debate que ‘terá de ser levado em frente’. Apesar disso, ele havia defendido a permanência da vida de Welby. O deputado do partido Forza Italia Enrico la Loggia , da coalizão conservadora, destacou que a morte do poeta foi um ato ‘ilegal’.

 

            O deputado da União dos Democratas-Cristãos (UDC) Luca Volonté pediu a prisão do médico, que, para ele, deveria ser acusado de homicídio. Na semana passada, o papa Bento XVI reafirmou a posição do Vaticano contrária à eutanásia.

 

            ‘O caso de Welby não é eutanásia. Trata-se apenas de se recusar a receber um tratamento’, disse o anestesista Mario Riccio, responsável pelo desligamento dos aparelhos. As testemunhas disseram que Welby agradeceu três vezes antes de morrer aos amigos e aos que o apoiaram em sua batalha jurídica.

 

            Welby completaria 61 anos na terça-feira e sofria de distrofia muscular havia 40 anos. Sua luta começou em setembro, quando enviou uma carta ao presidente da República, Giorgio Napolitano, em que reivindicava seu ‘direito à eutanásia’. Logo depois, enviou também um pedido oficial a um de seus médicos para pedir que o tratamento fosse suspenso e o respirador fosse desligado, apresentando seu caso ao Tribunal Civil de Roma.

 

            Entretanto, nem o tribunal nem o relatório divulgado nesta semana pelo Conselho Superior de Saúde, que estudou o caso, deram razão ao doente. A Justiça entendeu que o direito de retirar o respirador não estava ‘concretamente garantido’ pela lei italiana. Advogados questionaram a decisão dizendo que a Constituição sustenta que ninguém pode ser obrigado a aceitar tratamento de um médico.         Welby decidiu não esperar por uma resolução jurídica. E o anestesista Riccio, que trabalha em um hospital de Cremona, no norte da Itália, atendeu ao seu desejo. O médico disse ontem, em entrevista coletiva, que o doente confirmou sua ‘vontade de ser sedado e interromper’ a respiração artificial. ‘Os hospitais italianos suspendem terapias toda hora. E isso não conduz a uma investigação ou a problemas de consciência’, disse.

 

            O médico se declarou ‘muito tranqüilo’ e afirmou não temer conseqüências legais. A entrevista foi convocada pelo Partido Radical italiano, que recentemente se transformou em porta-voz da batalha de Welby.

 

Anestesia na veia

 

            A família do poeta declarou que o importante agora era que ele e sua luta não fossem esquecidos. Nos dias que passava no hospital, Welby se dedicava a escrever ensaios e poesias. Riccio aplicou em Welby uma anestesia endovenosa, para que não sofresse quando ficasse sem ar. Depois disso, desligou os aparelhos na presença da mulher do paciente, outros familiares e amigos. Ele morreu cerca de 20 minutos antes da meia-noite de anteontem. A irmã de Welby, Carla, disse que tudo havia se passado ‘como ele desejara’.

 

            Segundo o deputado do Partido Radical Marco Cappato, Welby teve seu desejo atendido ‘em pleno respeito’ à lei e à Constituição. O presidente da Câmara dos Deputados, o comunista Fausto Bertinotti, declarou ‘grande respeito’ a Welby, que ‘viveu sua dor em um espaço público, pensando assim poder enfrentar seu caso e contribuir para iniciar uma discussão’ na Itália.

 

Outros casos

 

            No ano passado, o mundo acompanhou a luta da americana Terri Schiavo, de 41 anos, que morreu em 31 de março, depois de ficar três semanas sem se alimentar. O marido havia conseguido uma autorização judicial para não mais prolongar a vida da mulher, mas seus pais não concordavam. Até o presidente George W. Bush se manifestou contrário à morte de Terri.

 

            Na Espanha, o tetraplégico Ramón Sampetro se suicidou em 1998 com cianureto depois de insistentes pedidos para que tivesse o direito à eutanásia. O francês Vicent Humbert, de 22 anos, teve a ajuda da mãe e do seu médico para morrer em 2003 após se tornar tetraplégico e surdo por causa de um acidente de carro.

 

 

 

 

 

Em alguns países, a prática é permitida

 

 

 

            A morte do italiano Piergiorgio Welby reabre o debate sobre eutanásia e suicídio assistido em vários países. Alguns, no entanto, já têm leis sobre o tema.

 

            ITÁLIA

 

            A eutanásia é proibida. Colaborar com o suicídio de um paciente terminal pode render até 15 anos de prisão. O médico que desligou o respirador de Welby alega que agiu dentro da lei, apenas tendo ‘suspendido uma terapia’.

 

            BRASIL

 

            É ilegal no País. A prática não pode ser confundida com a ortotanásia, que é quando os médicos interrompem tratamentos que prolongam a vida dos doentes em estado terminal ou sem chance de cura. A prática recebeu em novembro a aprovação do Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio de uma resolução publicada no Diário Oficial da União.

 

            HOLANDA E BÉLGICA

 

            O primeiro legalizou a prática em 2001. O segundo, em 2002. Os pacientes que podem recorrer à eutanásia devem ser terminais e ter dores insuportáveis apesar do uso de remédios. Dois médicos têm de atestar que não há chance de cura. Uma comissão analisa o pedido e emite a autorização.

 

            SUÍÇA

 

            Permite a assistência passiva de um médico para pacientes terminais. Seu desejo de morte deve ter sido claramente expresso.

 

            GRÃ-BRETANHA

 

            Aprovou uma lei em 2004 permitindo que se registre em documento o tipo de tratamento que se deseja receber em caso de doenças graves ou de incapacidade de tomar decisão. Em maio, a Câmara dos Lordes vetou a lei que permitiria aos médicos prescrever drogas letais a pacientes terminais.

 

            FRANÇA

 

            Permite que pacientes terminais ou sem esperança de cura possam não querer receber tratamento. Médicos podem administrar analgésicos, mesmo que seus efeitos colaterais possam encurtar a vida do paciente.

 

            ESPANHA

 

            É ilegal na Espanha. Qualquer pessoa que ajude um paciente a morrer pode ser punida com pelo menos seis meses de prisão.

 

            ESTADOS UNIDOS

 

            Permite que o paciente solicite a suspensão de um tratamento, mesmo que isso aumente o risco de morte. Eleitores do Oregon aprovaram, em referendo, a primeira lei que permite o suicídio assistido por médico, em 1994. A questão está na Justiça. AP

 

 

 

             ‘O que me resta não é mais uma vida’, escreveu Welby

 

            Em carta ao presidente e em livro recém-lançado, o paciente revelava sua vontade de morrer

 

 

 

            ‘Eu amo a vida. Vida é a mulher que te ama, o vento no seu cabelo, o sol no seu rosto, uma caminhada noturna com um amigo. Vida é também a mulher que te abandona, um dia chuvoso, um amigo que te engana. Não sou melancólico nem maníaco-depressivo. Acho a idéia de morrer horrível. Mas o que me resta não é mais uma vida.’ As palavras de Piergiorgio Welby foram escritas em setembro ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, antes da negação pela Justiça do pedido de desligamento de seu respirador.

 

            Digitando com uma mão e uma pequena haste, Welby escreveu a carta e o livro Deixem-me Morrer, que acaba de ser lançado. Ele acabou levantando o debate da eutanásia na Itália e se tornou um porta-voz da morte assistida. Quase todos os dias seu nome é mencionado nos jornais italianos e virou tema político.

 

            À Igreja Católica e aos que se opunham a seu pedido, Welby dizia que não estava cometendo suicídio, mas recusando um tratamento. ‘É uma tortura insuportável’, escreveu há duas semanas. Recusar tratamento médico é permitido pela lei italiana, mas o país tem outra, segundo a qual é crime ajudar a morrer, mesmo com consentimento.

 

Contradições

 

            A própria Igreja tem ensinamentos conflitantes sobre o que fazer em casos como esse. A defesa da vida é tema central da doutrina. Na semana passada, o Vaticano reafirmou sua oposição à eutanásia. Mas, ao mesmo tempo, a Igreja se opõe a tratamentos que prolonguem a vida artificialmente.

 

            ‘A questão é saber quando estamos diante de um prolongamento artificial da vida’, disse o cardeal Javier Lozano Barragán em uma entrevista na semana passada. Presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, ele já havia dito que a Igreja considera ‘inaceitável o uso de tratamentos desproporcionais e inúteis para manter os doentes terminais vivos’.

 

            ‘O que há de natural em ter um buraco na barriga com uma bomba que te alimenta?’, escreveu Welby ao presidente. A carta foi entregue com um vídeo que o mostra deitado na cama com o respirador e um laptop falando com voz metalizada.

 

            ‘Se a coisa fosse feita privadamente, haveria como acomodar o desejo de descontinuar a vida’, afirmou o médico Myles N. Sheehan, padre jesuíta especialista em ética sobre eutanásia. Mas, com sua luta, Welby queria eliminar essa ambigüidade.