Na tentativa de reduzir o impacto da crise nas Santas Casas de Misericórdia, o Ministério da Saúde vai liberar em dezembro um aporte emergencial no valor de R$80 milhões para as entidades de médio porte. Na Bahia, há cerca de 82 Santas Casas de Misericórdia, hospitais ou entidades filantrópicas, sendo que apenas 34 estão aptas a participar do programa de contratualização e, conseqüentemente, receberem uma fatia desse montante. Esta é uma das conquistas do Movimento Nacional SOS Santa Casa, iniciado no dia 18 de outubro, visando chamar a atenção do governo federal e da sociedade para a crise que o setor está vivendo. O setor já acumula uma dívida na ordem de R$2,5 bilhões com fornecedores e encargos. O assunto foi discutido ontem, durante evento realizado pela Federação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (Fesfba), no Hotel da Bahia.
Embora ainda não tenha sido definido o valor, o presidente da Confederação Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Brasil, Antônio Brito, informou que 50% do recurso será dividido por todas as entidades, 25% apenas para os hospitais que atendem até 30% dos pacientes oriundos de outras localidades e 25% para os que oferecem as cinco clínicas. No Brasil, ao todo, são 800 estabelecimentos de médio porte. Com o programa de contratualização, ao invés de receberem por produção, os hospitais passarão a ser remunerados por meta. "Essa parceria vai mudar a inter-relação entre o gestor e o estado", avalia Brito, que também é presidente da federação de santas casas, hospitais e entidades filantrópicas da Bahia.
Embora o recurso esteja previsto para ser liberado no início de dezembro, os interessados têm até o mês de abril de 2006 para efetivarem o contrato. Porém, até o dia 8 de dezembro devem encaminhar ao gestor, no caso a Secretaria Estadual de Saúde, a solicitação de adesão. No caso dos hospitais de grande porte, considerados como hospitais escolas, já trabalham com esta política de metas. Na Bahia, o Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), é um dos 12 estabelecimentos de saúde no Brasil que desde o ano passado teve o processo de contratualização efetivado. Já o Hospital Santa Izabel está ainda em processo de finalização. Na opinião do gestor do Hospital Santo Antônio, Paulo Bittencourt, a contratualização é uma nova forma de relação entre o prestador e o tomador do serviço e é interessante porque proporciona um fluxo de caixa constante.
"Noventa por cento do valor que recebemos é fixo. São três os componentes do financiamento: o fixo, que só existe uma reavaliação anual, e um outro que depende do cumprimento de metas qualitativas e quantitativas", explica Bittencourt, enfatizando que a instituição passou a receber mais recursos em função de um aporte financeiro mensal oriundo do Ministério de Saúde. O número de atendimento no hospital também cresceu em 7% a internação e em 15,4% em atendimentos ambulatoriais. Embora considere interessante a parceria, o gestor diz que, para se adequar às exigências, o hospital acabou mudando um pouco o seu perfil. Ao invés dos pacientes graves, a maior demanda agora é de agudizados.
Mensalmente, a instituição recebe um montante da ordem de R$3,730 milhões. Ainda assim, Bittencourt explica que, por conta da inflação, há necessidade de um reajuste estimado em 16%. "Nós já estamos trabalhando no vermelho há dois meses. Existe uma promessa da Secretaria de Saúde do Estado de incluir em janeiro de 2006 todas as perdas que tivemos no seu orçamento", conta. Se por um lado o processo contratual parece resolver em parte a questão da crise nas casas de misericórdia, vale destacar que para os hospitais de pequeno porte, por enquanto ainda não foi definida nenhuma política financeira emergencial. Ou seja, nestas instituições a crise ainda não tem previsão de acabar.
Defasagem de tabelas do SUS atrapalha
De um modo geral, o grande problema que afeta todo o setor é a defasagem das tabelas do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Antônio Brito, enquanto o valor real da consulta é de, no mínimo, R$18, o SUS paga apenas R$2,04. O antigo ministro da Saúde, Humberto Costa, havia deliberado um montante de R$402 milhões para o setor, porém, o atual ministro Saraiva Felipe revogou a portaria e liberou em setembro apenas R$226 milhões em reajuste para procedimentos de terapia renal substitutiva, UTI, radioterapia e parto. A liberação do recurso permitiu o reajuste do parto, de R$310 para R$356. "Desde 1999 que o governo federal não realiza mais reajuste total, só por procedimento. Se reajustar a tabela com um nível que cubra todos os custos e possibilite uma margem para reinvestimentos na própria entidade não existiria crise. Mas sem dinheiro, vivemos sempre gerenciando novas crises", enfatizou o presidente da (Fesfba).
Questionado sobre as vantagens e prejuízos da contratualização, ele diz que o segredo da parceria estará na boa formação dos contratos. "As instituições vão continuar recebendo o que já recebem agora, mais o que o gestor irá oferecer. No caso da Bahia, onde a saúde ainda não foi municipalizada, o gestor é o estado. Todos têm que trabalhar juntos. Há metas compactuadas do município ao governo federal", pontua. Existe uma comissão de acompanhamento tripartite que se reúne mensalmente para avaliar os contratos, impedindo que haja redução no atendimento e qualquer outra forma de prejuízo à população.
Amanhã, um grupo se reunirá em Brasília para avaliar os rumos do movimento inicado no dia 18 de outubro, e, ao mesmo tempo, pressionar junto à Frente Parlamentar para influenciar no orçamento de 2006 no sentido de viabilizar o reajuste da tabela. No movimento do dia 18, eles realizaram uma paralisação nacional de alerta, suspendendo o atendimento eletivo e obtiveram 68% de adesão no país. Na Bahia, das 44 unidades credenciadas à federação, 27 aderiram ao movimento. Desde então, o governo já se posicionou com o aporte dos R$80 milhões, a promessa de trabalhar o parcelamento das dívidas previdenciárias prevista para a próxima medida provisória e se mostrando aberto à discussão do reajuste da tabela. "Foi um movimento de sucesso porque conseguimos de forma organizada desmontrar a crise do setor sem prejudicar a população, deixando claro que estávamos em defesa do SUS e não do governo", disse Brito.
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