Um praça da Polícia Militar, o cabo reformado e deputado federal Júlio César Gomes dos Santos (PMDB-MG), o Cabo Júlio, é apontado pela Polícia Federal como comandante do esquema de compra irregular de ambulâncias em Minas Gerais. Relatório da PF, a que o Correio e o Estado de Minas tiveram acesso, acusa o deputado de receber propina da empresa Planam em troca de liberação de R$ 5 milhões, por meio de emendas orçamentárias, para compra de ambulâncias em 20 prefeituras de Minas Gerais, no período de 2001 a 2005.
Segundo os documentos, o nome do deputado aparece no caixa dois das empresas Delta e Leal Máquinas (Lealmaq), ligadas ao empresário Darci José Vedoin , um dos donos da Planam, preso pela Polícia Federal durante a Operação Sanguessuga. Rodrigo Mendes de Oliveira, funcionário da Delta (antiga Rondon Minas), que funciona em Governador Valadares, também foi preso durante a operação, assim como Aristóteles Gomes Leal Filho, proprietário da Lealmaq, com sede em Contagem. De acordo com o documento, Cabo Júlio receberia cerca de R$ 10 mil por cada ambulância vendida para as prefeituras pelas duas empresas.
Os preços variavam de R$ 66 mil a R$ 120 mil. Levantamento feito pelo Correio e pelo Estado de Minas em 12 cidades mineiras indica que, em sete delas, as emendas que garantiram a compra dos veículos foram apresentadas por Cabo Júlio. Na maioria dessas cidades, a Planam e a Lealmaq venceram as licitações dos veículos, muitas feitas por meio da modalidade carta-convite, em que os participantes são escolhidos pela própria prefeitura. Segundo as investigações, Cabo Júlio, que liderou a greve de policiais militares mineiros em 1997, atuaria nas duas pontas do esquema: apresentava as emendas que garantiam verbas para compra das ambulâncias e, em seguida, indicava a Planam ou a Lealmaq para as prefeituras.
Policiais
O possível elo entre o deputado e a Planam já havia sido denunciado no depoimento à PF de Maria da Penha Lino, ex-servidora do Ministério da Saúde acusada de fazer parte da quadrilha. Em troca da delação premiada, que proporciona redução da pena em troca da colaboração, a funcionária apontou o nome de Cabo Júlio como um dos deputados que seriam ligados ao esquema.
Segundo o relatório reservado da Polícia Federal, o deputado agia principalmente em municípios nos quais havia policiais disputando vagas nas câmaras municipais ou comandando o Executivo. A PF suspeita que os policiais eram encarregados de fazer a ponte entre o deputado e as prefeituras. Em Leopoldina, a prefeitura conseguiu , em 2004, quatro ambulâncias por intermédio do vereador Cabo Lúcio (PSC). Segundo ele, o município, com cerca de 50 mil habitantes, tem 20 ambulâncias. "Investimos muito em saúde", justificou. A emenda era do deputado Cabo Júlio.
O vereador não soube dizer o nome da empresa vencedora da licitação, informou apenas que ela ficava em Contagem. A cidade tem três convênios com o Fundo Nacional de Saúde para a compra de ambulâncias, no valor total de R$ 218.194,92,. Em Morro da Garça, na região central, o prefeito José Maria (PT), é policial militar reformado. A cidade, com cerca de 3 mil habitantes, firmou nove convênios com o Ministério da Saúde, três deles para a compra de ambulâncias, no valor total de R$ 185 mil. Todas as licitações foram vencidas pela Planam. O preço médio de uma ambulância indicada para município de pequeno porte é de R$ 40 mil.
Quadrilha atuava em 185 cidades
Minas Gerais, estado do país com o maior número de municípios, era um dos principais alvos de atuação da máfia das ambulâncias, comandada pela família Vedoin, dona da Planam. Somente em Minas Gerais, a Polícia Federal investiga a atuação da quadrilha em 185 dos 853 municípios mineiros. Entre as cidades com atuação da Planam, estão Delta, Coluna, Tombos, Leopoldina, Além Paraíba, Morro da Garça, Itamabacuri, Mar de Espanha, Cordisburgo. Simonésia, Funilândia e União de Minas. Também já foram identificadas sete empresas mineiras ligadas ao esquema da Planam. No entanto, a campeã de atuação no estado é a Lealmaq, do empresário Aristóteles Gomes Leal Filho.
O atual prefeito de Tombos, na Zona da Mata, Ivan Carlos de Andrade (PT) confirmou a compra de uma ambulância da Planam no mandato do prefeito anterior. O convênio com o Ministério da Saúde foi garantido por uma emenda do deputado federal Cabo Júlio. Foram liberados R$ 88 mil para a compra da unidade móvel que, segundo o prefeito, não funciona. Andrade afirma que até já pediu ao Ministério da Saúde para vender o carro. Tombos tem cerca de 13 mil habitantes e segundo o prefeito, três ambulâncias.
A população de União de Minas, no Triângulo Mineiro, não chega a cinco mil habitantes, mas, os moradores podem contar atualmente com o serviço de seis ambulâncias. Segundo o prefeito João do Ambrosio (PP), nenhuma foi comprada com emendas do deputado federal Cabo Júlio, nem fazem parte do esquema dos sanguessugas. No entanto, em duas licitações para a compra de ambulâncias para a cidade, a empresa vencedora foi a Lealmaq. Simonésia, na Zona da Mata, também usou os serviços da Lealmaq em janeiro de 2002. A empresa também venceu a licitação para a compra de ambulâncias em Funilândia, na região Central do estado. O dinheiro foi garantido por emenda de Cabo Júlio. A Lealmaq e a Planam também venceram licitações em Além Paraíba e Leopoldina.
Deputado nega
O deputado Cabo Júlio negou qualquer envolvimento com a máfia que fraudava licitações para a compra de ambulâncias para prefeituras por meio de emendas parlamentares. O deputado acredita estar sendo investigado pela Polícia Federal por causa do elevado número de emendas apresentadas por ele nesta área. Segundo o relatório da Polícia Federal, o deputado teria liberado, somente em 2004, R$ 2,5 milhões em emendas de ambulâncias. O parlamentar confirma que 90% de todas as suas emendas são mesmo para ambulância. "Devo ser o rei das ambulâncias em Minas".
O parlamentar garante que não há superfaturamento em nenhuma das licitações vencidas pela Planam ou por empresas ligadas à máfia em municípios que receberam emendas de sua autoria. O que pode haver, de acordo com ele, é um cartel de empresas. Segundo ele, se for feito um levantamento em todos os municípios mineiros, a PF verá que sempre ganham as mesmas empresas. "A Planam certamente ganhava no Brasil inteiro". Cabo Júlio negou que tenha indicado a Planam para participar de licitações. Além de Cabo Júlio, outros seis deputados de Minas estão o sendo investigados, entre eles os parlamentares Isaías Silvestre (PSB), Lincoln Portela (PL) e João Magalhães (PMDB). O nome dos outros três estão sendo mantidos em sigilo.
O ex-deputado Ronivon Santiago (PP-AC), um dos acusados de envolvimento com a máfia dos sanguessugas, se entregou às 21h de sexta-feira na sede da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília. Ele havia sido preso no começo do mês, mas foi solto na última terça-feira após decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
No dia seguinte, entretanto, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, revogou a decisão do TRF e mandou que os acusados voltassem à prisão. Ronivon estava sendo procurado pela PF desde quarta-feira passada. Nos próximos dias, ele deve ser transferido para Cuiabá (MT) , onde estão os demais presos da Operação Sanguessuga.
Um delegado que não quis se identificar disse à Agência Globo que
Ronivon só se entregou depois que a polícia aumentou o cerco. Numa das visitas ao endereço declarado por Ronivon, a mulher do ex-deputado disse aos policiais que a prisão fora revogada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Os policiais explicaram que a decisão do TRF fora anulada pelo STF e que, se o ex-deputado não se apresentasse, passaria a ser considerado foragido. "Estamos tendo esse trabalho porque o tribunal (TRF) fez a besteira de soltar os sanguessugas", desabafou o delegado.
Os suspeitos de envolvimento com as fraudes das ambulâncias foram presos no dia 4 de maio por ordem da Justiça Federal do Mato Grosso. Das 44 pessoas que foram presas, pelo menos 10 ainda não havia sido localizadas até ontem.
Cruzamento de dados da Controladoria Geral da União e do sistema que monitora gastos do governo revela que mais três parlamentares e um ex-deputado apresentaram emendas para compra de ambulâncias
A Corregedoria da Câmara teria chegado a autores de emendas que financiaram compras irregulares de ambulâncias se tivesse analisado a documentação enviada pela Controladoria Geral da União (CGU), com auditorias em 60 municípios. O cruzamento desses dados com os registros do Siafi (sistema que revela os gastos do governo) mostra que pelo menos nove deputados e duas bancadas estaduais patrocinaram as prefeituras envolvidas com as fraudes. O grupo de empresas liderado pela Planam venceu as licitações em 90% dos convênios auditados pela CGU.
No primeiro cruzamento de informações feito pelo Correio já apareciam os nomes dos deputados Paulo Baltazar (PSB-RJ), Lino Rossi (PP-MT), Fernando Gonçalves (PTB-RJ), João Caldas (PL-AL) e Laura Carneiro (PFL-RJ). Agora, surgem os nomes dos deputados Wanderval Santos (PL-SP), Reginaldo Germano (PP-BA) e Paulo Magalhães (PFL-BA) e do ex-deputado Roland Lavigne (PL-BA). Outra novidade é a identificação de emendas de bancadas – de Rondônia e do Mato Grosso – como financiadoras dos negócios irregulares. São as chamadas "rachadinhas", emendas coletivas que são transformadas em individuais. O dinheiro da emenda é rachado entre os integrantes da bancada.
Em três municípios investigados, o autor das emendas que geraram os recursos foi o deputado Lino Rossi (PP-MT). Na compra de ônibus pela prefeitura de Nova Mutum (MT), a Planam atrasou a entrega do veículo e recebeu pagamento antecipado de equipamentos não entregues. O ônibus adquirido pela prefeitura de Pontes e Lacerda (MT) estava parado havia mais de quatro meses no pátio da Secretaria de Saúde quando foi feita a auditoria. Em Alta Floresta (MT), um ônibus para gabinete dentário foi montado com pedaços de outros ônibus.
O deputado Wanderval Santos (PL-SP) apresentou uma emenda para o município de Apiaí (SP)em 2003. Adquirido em 2004, o veículo ainda não havia sido usado no período da auditoria, porque a empresa fornecedora, a Klass, não comprovou a sua aquisição. Não apresentou a nota fiscal do fabricante. O Detran não pode transferir a propriedade do veículo para a prefeitura.
Dois municípios baianos beneficiados com emendas do deputado Paulo Magalhães (PFL-BA) apresentaram irregularidades nas auditorias. Em Ituaçu, não houve competição para a compra da unidade móvel. As empresas convidadas, Vedomed e Unisau, têm o mesmo endereço, segundo dados da Receita Federal. As empresas funcionam no mesmo prédio, em salas vizinhas, e possuem o mesmo telefone comercial. Em Wanderley, a unidade móvel comprada da Comercial Rodrigues, empresa de fachada, encontrava-se estacionada no pátio da prefeitura, sem prestar atendimento à população.
O prefeito da época, Antônio Porto, afirma que não cometeu irregularidades: "Eu fiz o meu negócio corretamente. Se houve, foi por parte da emenda do deputado e da empresa". Porto conta que esteve em Cuiabá, para conhecer a Planam, que ganhou a licitação. Afirma que as empresas que participaram da licitação "certamente foram indicadas por Salvador. A Planam eu acho que foi através do deputado Paulo Magalhães". A assessoria de Magalhães afirma que o deputado não tem ligações políticas com Porto e não acompanhou a licitação. Teria apresentado a emenda para outro prefeito, Nelson Magalhães.
A CGU encontrou irregularidades na compra de uma unidade móvel pela prefeitura de Amélia Rodrigues (BA), com recursos de uma emenda de Reginaldo Germano (PP-BA). Não ficou comprovada a publicidade dos atos administrativos do processo, ou até mesmo a sua veracidade. Em Boninal (BA), a Klass venceu a licitação. Uma segunda concorrente, a Esteves e Anjos, negou ter participado do certame. A terceira concorrente, a Leal Máquinas, fez o mesmo. E acrescentou que, caso tivesse participado, teria sido por meio de um dos seus "representantes comerciais" na Bahia, a Planam e a Klass. A emenda era de Lavigne. Rossi, Wanderval e Germano foram procurados, mas não quiseram se manifestar.