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?O risco na saúde hoje não é financeiro, mas de assistência?

O mercado de planos e seguros de saúde inicia uma nova fase, praticamente dez anos após a implementação da Lei 9.656, de dezembro de 1998, que regula o setor. Na avaliação do diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fausto Pereira dos Santos, a legislação deu mais segurança ao consumidor e melhorou a operação e a saúde financeira das empresas. Agora é o momento de avançar. "O desafio principal é a operadora ser gestora de saúde. Ela precisa se preocupar com o perfil de sua carteira, que está envelhecendo, porque o risco hoje não é financeiro, mas de assistência, pela transição demográfica”, afirma, ressaltando que a ênfase deve ser dada à medicina preventiva, em vez da apenas curativa.
Além da fiscalizar e punir práticas irregulares, o foco da ANS será produzir uma regulação que aumente a concorrência no setor, principalmente em função da tendência de concentração ainda maior desse mercado e da verticalização das operadoras, com hospitais e laboratórios próprios. "A portabilidade da carência, que poderá estar implantada no início de 2009, será o primeiro passo”, garante Santos. Na entrevista a seguir, o presidente, em seu segundo mandato à frente da ANS, também fala sobre a possibilidade de implantação de novo modelo de reajuste dos estudos para uma nova atualização do rol de procedimentos. "O céu é o limite”, afirma.

A Lei 9.656, que regulamenta o setor de saúde suplementar, completa dez anos em dezembro. Na sua avaliação, quais foram os principais avanços nesse período e que pontos ainda são problemáticos com relação ao atendimento ao consumidor?
A principal conquista que a Lei trouxe foi a padronização do produto, uma cobertura sem exclusões. É claro que se combinou isso com uma melhor saúde financeira das empresas. Foram retiradas muitas do mercado que tinham baixas condições. Hoje as empresas têm reservas, então, a operação do setor melhorou. Ficaram ainda problemas no modelo de assistência que é praticada e heterogeneidade também, com empresas com performance bastante aceitável e outras com práticas muito arraigadas de negativa de cobertura, de dificultar o atendimento. Eu entendo que essas são minoria, mas exigem ações fiscalizatórias e repressivas por parte do órgão regulador. Mas estamos em um momento bastante superior ao que vivíamos no período pré-lei e com alguns desafios ainda a serem enfrentados.

Quais são esses desafios?
Eu divido em três grupos. O primeiro é melhorar a concorrência do setor e, para dar conta disso, será necessário desenvolver um conjunto de ações. A portabilidade é uma delas, pois possibilita ao beneficiário mudar de operadora sem cumprir nova carência, o que amplia o seu poder de escolha. Ainda nesse campo, a ANS quer trabalhar articulada com os sistemas de defesa da concorrência, para acompanhar processos como a abertura de capital, evitar cartelizações, monopólios. Outra preocupação é um acompanhamento e uma ação contra as empresas clandestinas, empresas similares, como aquelas de cartões de desconto. É garantir que as regras financeiras e autorização de funcionamento sejam feitas para todos; não podemos permitir uma operação desigual.

Mas a ANS avalia que esse processo de concentração pelo qual o mercado está passando ainda irá prosseguir?
A questão é inevitável em qualquer mercado no mundo que passou por um processo de regulação e maior profissionalismo. A gestão caminha para esse processo de concentração, que não é exclusivo da saúde suplementar. Ocorre nos bancos, na telefonia … É claro que essa dinâmica precisa ser acompanhada, monitorada e ter limites claros para não afetar a concorrência e não proporcionar procedimentos deletérios. Hoje temos julgado e autorizado várias fusões e transferências de carteiras de empresas, mas não chegamos a ponto que necessite de regras mais radicais.

 

A qualidade da operação, que tem sido enfatizada pela Agência, é o outro ponto desafiador?
Sim. O segundo conjunto de questões é aprimorar o processo de qualidade do setor. E aí o grande desafio é o processo de acreditação das operadoras. A ANS estabeleceu um conjunto de parâmetros que possam ser mensuráveis para que as prestadoras sejam acreditadas, à semelhança do que já acontece com hospitais hoje, e, com isso, o consumidor possa se vincular, pagando eventualmente mais, a uma operadora com determinado padrão de qualidade. Hoje, nós não temos essa medida e estamos trabalhando nesse sentido para que a pessoa possa claramente saber se ela é padrão A, padrão B etc.

 

Qual o terceiro grupo dos desafios?
É talvez o maior de todos, devido à sua complexidade: a discussão da necessidade de as empresas mudarem sua operação em saúde. Enquanto elas não tiverem clareza de que o seu processo de trabalho, de organização, precisa ser no melhor resultado, não vamos avançar. E as mudanças passam por ações de promoção e prevenção, com utilização de protocolos, desenhos de atendimento para grupos de patologias específicas, trabalhar o homecare. Essas questões vão impactar no resultado final para o cliente, e, eu tenho certeza, do ponto de vista econômico, para as empresas, no médio prazo. Claro que não é uma transição fácil, pois é preciso se profissionalizar e contratar pessoal. É um processo de formação e mudança de cultura nas empresas para trazer a questão da prevenção para o centro do debate. Se isso não for feito, a sustentabilidade, no médio prazo, pode ficar comprometida, mas eu confesso que estou otimista com a movimentação que está existindo no mercado hoje.

Os reajustes dos planos individuais são alvo de polêmicas ano a ano, e a ANS já tem uma nova proposta para esse cálculo em estudo. Em que consiste?
A idéia é trabalhar, ao definir critérios de reajuste, com um nível maior de individualização das empresas. O que acontece hoje é que, quando a ANS define uma média, acaba hiper-reajustando uns e hiporeajustando outros. Então queremos, a partir de um número médio do setor, acrescer ou decrescer, levando em conta a performance, como ocorre hoje na energia. A intenção é, a partir de um número médio, definido por critérios técnicos, ver se a empresa é eficiente, se está tendo bons resultados, satisfação do beneficiário e uma série de questões para dar um upgrade ou downgrade. Então eu individualizo o reajuste a partir da performance.

 

No caso do setor de energia, as empresas podem ser contadas nos dedos. Esse modelo de reajuste seria viável também para a saúde suplementar, que tem mais de mil operadoras em todo o país?
Na verdade, a facilidade que a energia tem é conseguir avaliar qual foi a variação de custos das empresas, da Cemig, por exemplo, e, a partir disso, abaixar ou subir a tarifa. Nós não pretendemos fazer isso, não queremos avaliar a variação de custos de cada uma, abrir planilhas. Eu quero é partir de um número médio da variação de custos do setor ou mesmo do índice médio dos planos coletivos, como é feito hoje, e incorporar critérios de avaliação de performance. Pode ser até pelo próprio programa de qualificação que a ANS tem hoje.

No reajuste de 2009, já será possível aplicar essa nova fórmula?
A expectativa é que sim, mas ainda teremos que trabalhar bastante. Não há data confirmada. O que eu acho que é importante para o consumidor não é o fato de ser um índice único, mas, sim, esse índice ser claro. É preciso, portanto, que ele não tenha dúvidas, ao receber o boleto, de onde surgiu aquele número. O fundamental é garantir a transparência e a perenidade das regras.

Em relação aos convênios coletivos, maioria do mercado, a ANS deve manter a política de não interferir nos reajustes, apesar de problemas existentes com "falsos coletivos”, que reúnem poucas vidas e, na prática, não dão efetivamente poder de barganha aos clientes?
O que a ANS vem trabalhando e regulamenta ainda neste ano é, basicamente, quem é que pode organizar um plano, para acabar justamente com os "falsos coletivos”, e como que vai se dar a administração desses planos, ou seja, quem negocia reajuste etc. Queremos regulamentar esses coletivos por adesão, onde está o foco do problema. Vamos verificar se a pessoa jurídica que organizou não tinha condições para isso e dar um prazo de transição para quem tem esse tipo de plano, que não se enquadra nas regras, acabar com o convênio. Agora, não está no escopo do nosso projeto regular preço; isso não está no nosso horizonte.

E quanto aos planos antigos, existe expectativa de se voltar a estimular a migração para os novos ou isso ficará a cargo do mercado?
A idéia é que a gente possa regulamentar o artigo 35 da Lei, que fala que a adaptação é livre a todo tempo. Certamente, nós não faremos de novo um programa coletivo, como foi o Piac, em 2004. Queremos regulamentar a forma como as empresas poderiam tomar suas iniciativas, a partir da sua realidade, ou seja, estabelecer parâmetros. Estamos trabalhando nisso, mas também não tenho uma previsão de data. É interesse de todos que esse mundo velho seja o menor possível. Nós vamos é dizer o que pode e o que não pode.

Enquanto esse mundo velho não desaparece, reajustes diferenciados para as operadoras que assinaram termo de compromisso também continuaram existindo ou há um prazo para que eles sigam o reajuste médio?
O número atingiu pouco mais de 700 mil beneficiários este ano e, quando se iniciou esse reajuste diferenciado, em 2005, o total era 1,2 milhão. Então já caiu mais de um terço, e a tendência é que fique mais residual. Agora a perspectiva é que, enquanto houver plano antigo e o termo de compromisso estiver em vigor, a ANS vai continuar fazendo a autorização de reajuste separada.

O rol de procedimentos, que foi atualizado este ano, gerou muitas reclamações das operadoras. A ANS continuará modificando essa lista? Há um limite?
O céu é o limite, porque o rol deve acompanhar a evolução tecnológica que, na saúde, tem se desenvolvido rapidamente, com benefícios para a sociedade. É positivo, e é dever de todos, operadoras e prestadores, absorver essas mudanças. Não é possível imaginar alguém que paga impostos e ainda plano de saúde e não tenha acesso ao avanço tecnológico. Vamos agora concluir um convênio com a AMB (Associação de Médicos do Brasil) para rever e construir, conjuntamente, as diretrizes para ter mais elementos para colocar mais procedimentos dentro da boa prática e evitando abusos e distorções que possam haver.

As operadoras de saúde continuam insistindo na flexibilização de produtos, especialmente para as empresas menores. Há possibilidade de a Agência voltar a autorizar planos com coberturas menores?
No meu entendimento, a segmentação de produtos não é boa para o setor. O que tenho visto e discutido é que, no nível de questões que vão para o Judiciário com relação à cobertura, isso traria um mundo muito próximo ao pré-98. O setor atravessou tempos duros de regulação e hoje dá sinais de crescimento e possibilidade de expansão, sem necessidade dessa alteração. Pode parecer um benefício, no curto prazo, talvez com o aumento de beneficiários, mas não vejo como vantagem para o futuro.

Qual a saída para os pequenos então?
A questão de políticas específicas para os pequenos envolve dois aspectos. Primeiro é a odontologia, que acho que é justificado porque há uma especificidade, e a ANS está atrasada nisso. É um mercado que tem formatos de atenção e risco diferentes, e nos comprometemos a buscar isso no processo regulatório. Nos demais casos, as regras já não são as mesmas. Há tratamento diferenciado, por exemplo, quanto às exigências financeiras, registro de produtos. Apenas a parte não vinculada às garantias é a mesma. As pequenas operadoras também têm duas características que precisam perseguir para sobreviver: o fato de poderem se adaptar melhor às mudanças, se reorganizar mais rapidamente, justamente por serem menores; e a possibilidade de trabalhar com nichos de mercado. Hoje o país passa por um processo muito grande de descentralização de sua economia das grandes cidades, e Minas é exemplo disso. Brigar nos grandes centros é mais difícil, porém, investir nesses novos pólos industriais é um bom caminho.

 

A verticalização vem sendo citada como uma forte tendência entre as operadoras de medicina de grupo. A ANS vê problemas nesse modelo, especialmente no atendimento ao usuário?
A verticalização é uma opção do mercado, uma forma de operação. O que nós avaliamos são os resultados. Se esse processo trouxer melhores resultados, o que inclui a satisfação do beneficiário, presteza no atendimento, redução no tempo de espera, menor mortalidade, menor infecção hospitalar, enfim, uma série de indicadores assistenciais, melhor. Nesse campo, a ANS avalia e, se trouxer piora, as empresas vão ser instadas a procurar mudanças e correção de rumo. A verticalização, a priori, não é uma questão que a Agência veja como problema.

 

Não pode haver um monopólio?
Pode, no futuro, resultar em algum tipo de utilização dessa rede como fator de atuação monopolista. Uma operadora vai a um lugar e compra dois, três hospitais, aí existe uma preocupação. Mas hoje, as operadoras fazem menos de 8% da prestação de serviços de maneira vertical no Brasil. E elas verticalizam justamente para obter melhor performance e para tentar discutir preço de uma outra posição, de menos subserviência, menos desigualdade, especialmente nas cidades de menor porte, onde, muitas vezes, a operadora fica dependente de um único hospital, que põe o preço que quer. A saída é pagar ou verticalizar. Nas grandes cidades, acaba funcionando um pouco como mecanismo para regular preço. Por enquanto, a verticalização não é problema para o setor.

O consumidor tem uma grande expectativa com relação à portabilidade da carência, como o senhor citou no início da nossa conversa. Ela sai mesmo no início do ano?
Com certeza, até porque não está havendo tanta polêmica. Eu esperava muito mais. A portabilidade irá trazer um aumento da concorrência e, no médio prazo, efeitos na qualidade. Acho que as empresas vão desenvolver políticas de fidelização de clientes, e pode ser que, no longo prazo, possa haver impactos até no preço.