contato@sindipar.com.br (41) 3254-1772 seg a sex - 8h - 12h e 14h as 18h

Portas fechadas para o SUS

 

Hospitais e clínicas particulares de todo o Brasil vivem o pior momento de uma crise financeira que se arrasta há tempos e se agravou nos últimos quatro anos, conforme denunciam as entidades ligadas ao setor, lideradas em Minas Gerais pela Associação de Hospitais (AHMG). No Estado, a situação mais grave é a de Belo Horizonte, onde pelo menos duas instituições fecharam as portas recentemente e outras estão deixando de atender pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os principais motivos, segundo a AHMG, são a defasagem da tabela paga pelo SUS pelos procedimentos e o fim de convênios – descredenciamento – entre hospitais e a Prefeitura de BH.
O presidente da associação, Carlos Eduardo Ferreira, afirma que caiu de 70 para 29 o número de instituições que atendem pelo SUS na capital, e isso estaria levando a uma piora no atendimento aos pacientes mais pobres e à diminuição de vagas para consultas e internações na rede pública. «Os hospitais que têm boa estrutura estão deixando de atender pelo SUS e servindo aos convênios e particulares, enquanto os que não têm estrutura, como maternidades, pediatrias, e de reabilitação, que dependem de diárias pagas, estão fechando», afirma o presidente.
Segundo Ferreira, a PBH quer prescindir desses serviços de menor complexidade e tentar atender nos hospitais filantrópicos e no serviço público. «São instituições que vêm prestando serviços à comunidade há 30, 40 anos, e, sem aviso prévio, estão sendo descartadas». Por causa da baixa remuneração da tabela do SUS, conforme a queixa dos hospitais, as instituições estão acumulando dívidas trabalhistas, fiscais e tributárias e com fornecedores, que não sabem como pagar. «A tabela não é reajustada, mas aumentam os salários dos funcionários e os preços de medicamentos, equipamentos, água, luz, telefone», diz Ferreira.
Na capital mineira, o Cardiocentro e os hospitais Miguel Couto e São Paulo já fecharam as portas – o último interrompeu as atividades, em definitivo, na última sexta-feira. Outras unidades, como os hospitais Santa Lúcia e o São Domingos Sávio (atendimento infantil), já se descredenciaram junto ao SUS.
Somente com o INSS, a dívida dos hospitais brasileiros é de R$ 6 bilhões, de acordo com dados da AHMG. Já o déficit gerado pela diferença entre o custo real dos procedimentos médicos e a quantia paga pelo SUS chegaria a R$ 20 bilhões, segundo a entidade representante do setor. A dívida dos hospitais mineiros é de R$ 220 milhões, o equivalente a mais de um ano de faturamento. Os hospitais também alegam que perderam cerca de R$ 8 bilhões na transição da moeda brasileira de Unidade Real de Valor (URV) para Real, em 1994.
De acordo com dados da Federação Brasileira dos Hospitais (FBH), a rede hospitalar privada no país é responsável por 62% dos atendimentos do SUS, ou 3.495 estabelecimentos. Em Minas, 74% dos atendimentos pelo sistema são feitos pelos hospitais privados.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2005 mostrou que, mesmo representando a maioria dos atendimentos, os leitos credenciados do setor privado sofreram redução de 15,63% na Região Sudeste, de 1992 a 1999. Entre 2000 e 2003, a rede pública perdeu 100 mil leitos particulares. Nos últimos dois anos, ocorreram mais 50 mil descredenciamentos de leitos, e a estimativa da FBH é de uma perda de mais 60 mil leitos neste ano.

Mais 60 leitos são eliminados
O Hospital São Paulo é o exemplo mais recente de instituição vencida pela crise. Na sexta-feira passada, funcionários desocuparam os últimos cômodos da unidade, instalada na Rua dos Aimorés, 3004, no Barro Preto, em Belo Horizonte. Durante 37 anos, o hospital atendeu pacientes que precisavam de reabilitação – recuperar movimentos do corpo, reaprender a andar e falar e ter condições de retornar ao trabalho. Com a suspensão das atividades, bancadas pelo SUS, 60 leitos deixaram de existir.
O médico José Júlio Freire diz que, nos tempos áureos, o hospital chegou a internar até 170 pessoas – vítimas de derrame cerebral (AVC), traumatismo craniano e traumas ortopédicos, causados por acidentes de trânsito ou agressões. Mas viu as vagas definharem por imposição dos próprios gestores da saúde pública.
Além disso, os recursos enviados pelo SUS teriam condenado o hospital à morte. O repasse de R$ 39, por dia, por paciente, é muito inferior ao gasto, que inclui despesas com médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais – fora o custo com raio-X, manutenção de equipamentos, alimentação, hotelaria, setor administrativo e impostos.
«Foram dez anos sem reajuste neste valor», diz o médico. Os pacientes que ainda estavam no hospital tiveram alta ou foram transferidos.
A Secretaria Municipal de Saúde diz que o hospital não se adequou às exigências de qualidade e, por isso, fechou. Mas o médico rebate a acusação. «O São Paulo cumpriu todas as exigências do SUS, mas a falta de reajuste nos repasses inviabilizou outros investimentos que julgávamos necessários». Os 40 funcionários foram demitidos. Os pacientes tiveram alta ou foram encaminhados para outros hospitais, como a Santa Casa.

Dívida
Por causa de dívidas anteriores acumuladas, as instituições hospitalares alegam estar com dificuldade até mesmo de refinanciar as dívidas. Como solução, a Associação de Hospitais de Minas Gerais (AHMG) defende, além da imediata revisão da tabela do SUS, a abertura, por parte do Governo Federal, de linhas de financiamento ou até mesmo a criação de um programa de estímulo à reestruturação (Proer) do setor, como foi feito com bancos e companhias aéreas.
Um documento com uma série de outras propostas para recuperar o setor hospitalar privado no país foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelas principais entidades do setor. O Ministério da Saúde reconhece que «alguns» itens da tabela SUS estão defasados, mas diz que a revisão dos valores só poderá acontecer em 2007, após a votação do novo orçamento. O último reajuste foi em 2004, de cerca de 10%, mas não atingiu todos os procedimentos.
O mistério também informou que a criação de linhas de financiamento é considerada pouco viável, porque os hospitais privados atenderiam uma parte da população muito menor que a acolhida pelos hospitais públicos e filantrópicos. Já a secretária-adjunta da Saúde de BH, Maria do Carmo, diz que o fechamento de leitos e hospitais privados não acontece apenas pela tabela defasada, mas por falta de qualidade na prestação dos serviços. A Secretaria Municipal de Saúde não tem poder para reajustar os valores, mas cabe a ela gerenciar o sistema.