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Rio Grande do Norte: Três hospitais deixam de atender SUS

            Hoje, além de marcar os 60 dias de paralisação de 16 especialidades médicas da saúde pública em Natal, é um marco também do agravamento da situação. Os hospitais Itorn, Médico Cirúrgico e Memorial deixaram de receber pacientes devido ao desabastecimento de material, provocado pelo atraso no pagamento por parte da Secretaria Estadual de Saúde. Somado a isso, os anestesiologistas anunciaram que estarão com as atividades paralisadas hoje em "solidariedade" aos médicos que protestam pedindo reajuste.

 

            Com o impasse nas negociações entre Prefeitura e categoria e a nova postura dos hospitais, a solução para crise da saúde pública em Natal se torna um grande enigma. A mais nova proposta feita pelos médicos foi o contrato de três meses com a cooperativa, no valor da tabela do Sistema Único de Saúde e mais o adicional em torno de R$ 220 mil. "Esses três meses seria o tempo para se encontrar uma posição definitiva", destacou o presidente da Associação Médica do Rio Grande do Norte, Geraldo Ferreira Filho.

 

            O sinal de alerta foi dado pelos diretores dos três hospitais que estavam realizando cirurgias ortopédicas pelo Sistema Único de Saúde. Segundo Ricardo Gomes, diretor do Hospital Memorial, a situação das unidades se torna delicada porque o Estado não repassa o pagamento desde setembro, o salário dos funcionários dos hospitais está atrasado desde dezembro e as unidades estão desabastecidas.

 

            Ele comentou que desde ontem o Memorial não recebe mais nenhum paciente. "O material que temos só será suficiente para operar as dez pessoas que estão internadas", comentou. Com esta unidade, o débito da Secretaria Estadual de Saúde soma R$ 350 mil.

 

            "O Itorn e o Médico Cirúrgico também fecharam as portas", informou o médico Álvaro Barros, integrante da diretoria da Associação Médica do Rio Grande do Norte.

 

            A coordenadora de Orçamento e Finanças da Secretaria Estadual de Saúde, Eleonora Castim, confirmou que o repasse para os hospitais está atrasado. Juntos os débitos com as três unidades somam cerca de R$ 950 mil. "Esse valor representa 60% do diferencial que os hospitais recebem além da tabela SUS. Os outros 40% e a tabela SUS são pagos pela Secretaria Municipal de Saúde, já que Natal tem gestão plena", explicou a coordenadora.

 

 

Anestesiologistas param em solidariedade

 

            A presidente da Cooperativa dos Anestesiologistas do Rio Grande do Norte, Rosa Amaral, evitou confirmar a paralisação completa dos anestesiologistas. Segundo ela, os profissionais já estão com as atividades comprometidas devido à própria paralisação das especialidades. Mas hoje à tarde deverá sair uma posição definitiva se os anestesiologistas também irão paralisar as atividades. "Estamos aguardando uma posição sobre a renovação do contrato da Cooperativa com o Estado", comentou Rosa Amaral.

 

            O presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia no Rio Grande do Norte, Sérgio Lima, confirmou que a paralisação de hoje ocorre em solidariedade "à luta", mas não descartou uma paralisação prolongada caso o contrato com a Secretaria Estadual de Saúde não seja renovado.

 

 

Conselhos querem mediar negociação

 

            O impasse entre a Prefeitura de Natal e os médicos de 16 especialidades terá uma intervenção. Representantes dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde estão liderando um movimento para defender o Sistema Único de Saúde. Ontem ocorreu reunião no prédio da Secretaria Estadual de Saúde para discutir os caminhos dessa atuação das entidades.

 

            Depois da discussão sobre a grave situação da saúde em Natal e a necessidade de resolver a problemática, preservando o SUS, foi formada uma comissão que será integrada por representantes da Secretaria Estadual e Municipal de Saúde, Conselho Estadual e Municipal de Saúde, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, entidade de usuário e portadores de patologias. Será deste grupo a responsabilidade de organizar um ato público em defesa do SUS. "Amanhã (hoje) a comissão já se reúne. Vamos organizar um ato público e um grande debate sobre o Sistema Único de Saúde", detalhou Francisco Júnior, membro do Conselho Estadual de Saúde.

 

            Ele defendeu uma intervenção mais direta dos Conselhos na crise. "O Judiciário também precisa se manifestar", ressaltou Francisco Júnior.

 

            Durante a reunião de ontem, foi aprovado um manifesto com o título "Em defesa do SUS e do direito à saúde: a vida em primeiro lugar". No documento, as entidades escrevem que "é importante lembrar que essa crise tem origens remotas nos privilégios dados ao setor privado e na insuficiência de investimentos na rede pública por parte dos governantes, nas últimas décadas".

 

            O manifesto diz ainda "consideramos inaceitável a postura dos serviços privados e dos profissionais, em sua maioria formados em instituições públicas, que têm se recusado a assegurar o atendimento à saúde da população, prática que vem se repetindo a cada renovação de contrato".

 

 

MP diz que morte pode ter sido negligência médica

 

            As mortes dos pacientes Maria do Socorro Silva e Manoel Jerônimo de Lima que teriam falecido enquanto esperavam por equipamentos para cirurgia será investigado pela Promotoria de Defesa da Saúde. Esses dois casos foram incluídos no procedimento que já tramita no Ministério Público.

 

            No caso da morte de Maria do Socorro Silva, de Pau dos Ferros, que faleceu no Hospital Walfredo Gurgel a espera de uma embolização, o promotor de Defesa da Saúde vê indícios de negligência.

 

"Temos alguns elementos que indicam que não foi uma fatalidade. Houve negligência e vamos apurar o caso", destacou o promotor de Defesa da Saúde, Fausto França.

 

            Sobre o caso dessa paciente, o Ministério Público recebeu explicações da Secretaria Municipal de Saúde, que forneceu cópia de uma nota fiscal comprovando a compra de quatro kits de embolização para o Hospital Universitário Onofre Lopes. Fausto França adiantou que também já solicitou à SMS esclarecimentos sobre o paciente Manoel Jerônimo de Lima, que teria falecido pela falta de um marcapasso definitivo.

 

            E já está com o Ministério Público outra denúncia que aponta para uma negativa dos médicos em realizarem cirurgias urgentes. A comerciária Jane de Souza Marinho Carvalho, de Mossoró, procurou a Promotoria para denunciar a situação de Maria do Socorro Lima Carvalho, sua sogra.

 

            Segundo a comerciária, Maria do Socorro foi internada no Hospital Walfredo Gurgel no dia 29 de dezembro, onde foi diagnosticado aneurisma cerebral. Ela disse ao promotor de Defesa da Saúde que, mesmo com a habilitação do Hospital Universitário Onofre Lopes para a intervenção da embolização, os médicos que atenderam sua sogra informaram que a cirurgia só poderia ser realizada após encerrada a paralisação dos médicos.

 

            Jane de Souza chegou a detalhar que a limitação da cirurgia ser feita apenas após encerrado o movimento da categoria foi dado pelo diretor do pronto-socorro Clóvis Sarinho, Luciano Araújo.

 

            O depoimento da comerciária mossoroense também está incluído no procedimento aberto no Ministério Público.

 

 

Juíza só analisa pedido do MP depois

 

            Enquanto a Promotoria de Defesa da Saúde investiga a morte de pacientes que teriam sido levados a óbito por falta de equipamento para cirurgia, a juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública, Andrea Antas, prepara-se para apreciar outro pedido do Ministério Público.

 

            Na ação, o MP pede a abertura de inquérito policial contra os médicos Neto Correia, do ITORN, e Itamar Oliveira, do Natal Hospital Center, que teriam se recusado a atender pacientes, e ainda solicita o aumento de 30% para 60% sobre a demanda da obrigatoriedade de atendimento dos hospitais da rede privada conveniada ao SUS.

 

            A juíza explicou que, no momento, está correndo prazo para médicos, hospitais e Prefeitura se manifestarem sobre o pedido do Ministério Público. "Na próxima semana estarei analisando esse processo", completou a juíza.

 

            Na ação do Ministério Público, assinada pela promotora Iara Pinheiro, é solicitada a abertura de inquérito policial contra os médicos Itamar Oliveira e Neto Correia.

 

            Além desta ação, tramita ainda na 5ª Vara da Fazenda Pública um outro processo impetrado por um grupo de cinco vereadors e que tem como réus a Prefeitura e os hospitais da rede privada conveniada ao SUS.

 

 

Médicos marcam dia de luta com protesto

 

            Com as atividades paralisadas há 60 dias reivindicando aumento da remuneração, os médicos de 16 especialidades fazem hoje uma grande mobilização. O "dia de luta" começa com o hasteamento de três bandeiras: do Brasil, da Associação Médica do Rio Grande do Norte e uma bandeira preta. "Essa bandeira preta representa o luto da categoria", explicou o presidente da AMRN, Geraldo Ferreira Filho.

 

            Logo após essa solenidade, os médicos serão divididos em comissões para visitar os hospitais e distribuir coletes verdes, com a impressão "Saúde, você tem esse direito", para os profissionais que estiverem trabalhando. "Os coletes representam a esperança", destacou Geraldo Ferreira.

 

            Para a mobilização de hoje estão sendo esperados representantes da Associação Médica Brasileira, do Conselho Federal de Medicina, e da Defesa Profissional das Sociedades de Cardiologia, Hemodinamista e Ortopedia.

 

            O ponto alto será à tarde quando a AMRN promoverá uma grande discussão sobre a problemática da saúde em Natal e a situação do Sistema Único de Saúde no contexto nacional.

 

            Para o presidente da AMRN o movimento dos médicos está em um novo contexto com o "reconhecimento do Ministério Público dos problemas gerenciais da saúde em Natal". "São muitos os problemas.

 

Começa com o auto-engano da Secretaria Municipal de Saúde durante toda crise. A rede privada faz dois mil atendimentos mensalmente. Como a Secretaria pode pensar em achar que vai montar uma rede, durante a crise, para substituir o atendimento dos hospitais privados?", questionou o médico Geraldo Ferreira.

 

            Para Álvaro Barros, também da AMRN, é um erro pensar em equipar o Hospital Walfredo Gurgel para cirurgias eletivas. " No momento que se faz uma cirurgia eletiva se deixa de fazer uma cirurgia de emergência", completou.

 

 

Movimento é pioneiro no Brasil

 

            A paralisação dos médicos de 16 especialidades em Natal já alcança repercussão nacional. O vice-presidente da Associação Médica Brasileira para o Norte-Nordeste, Florêncio Cardoso, destacou a mobilização da categoria em Natal como pioneira para o Brasil.

 

            "O problema do SUS ocorre em todo o país. O Governo Federal reconhece, mas nada faz", destacou. Ele citou como exemplo as campanhas de saúde realizadas pelo Ministério da Saúde, como a de varizes, próstata e catarata. Nesses eventos isolados o MS paga um adicional para o médico trabalhar.

 

            Para Florêncio Cardoso é preciso resolver o problema da crise na saúde pública de Natal: "Mas os médicos não podem ser sacrificados. Não é possível continuar com essa remuneração vil", completou.

 

            Ele chamou a atenção que o perfil do Rio Grande do Norte é diferente porque a rede pública possui apenas um hospital referência, que é o Hospital Walfredo Gurgel. O vice-presidente da AMB citou o exemplo do Estado do Ceará. "O Estado e a Prefeitura tem, pelo menos, meia dúzia de hospitais cada um. Há médicos concursados e, ainda assim, eles contratam profissionais por cooperativa e pagando uma tabela diferenciada", explicou Florêncio Cardoso.

 

 

Ministério não garante reajuste da tabela do SUS

 

            A reunião de representantes do Rio Grande do Norte com o ministro da Saúde, no início da noite de ontem em Brasília, deixou otimista a secretária de Saúde de Natal, Maria Aparecida França, mas não representou avanços quanto à negociação com os médicos, cuja paralisação completa hoje 60 dias. O ministro, afirmou a secretária, aprovou todas medidas tomadas pelo Estado e Prefeitura no decorrer da crise, assegurou o apoio do Governo Federal, porém não garantiu reajustes na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

            "Ele explicou que o aumento no valor dos procedimentos do SUS, para o Brasil inteiro, depende de recursos a serem incluídos no Orçamento da União, mas deixou claro que não serão reajustados todos, apenas os mais defasados", afirmou a secretária. Ela comemorou, no entanto, a confirmação por parte de Saraiva Felipe da vinda de dois técnicos do Instituto Nacional de Traumáto-Ortopedia (Into), que deveriam chegar a Natal na madrugada de hoje juntamente com dois técnicos do próprio Ministério da Saúde.

 

            Além disso, o ministro admitiu rever o teto para os repasses do SUS ao Rio Grande do Norte, reconhecendo a defasagem do valor atual (cerca de R$ 14 milhões mensais), e também acelerar a liberação dos recursos do QualiSus para a melhoria da rede pública de Saúde no Estado, algo em torno de R$ 7 milhões. Saraiva Felipe confirmou ainda que a Central Nacional de Regulação, que possibilitaria a marcação de procedimentos de alta-complexidade em outros estados, ficará à disposição das secretarias estadual e municipal.

 

            Aparecida França declarou que o ministro rejeitou a alternativa de vir a assumir o controle do sistema único na capital potiguar, opção levantada pelo próprio prefeito Carlos Eduardo Alves.

 

"Ele (ministro) afirmou que o SUS vem sendo bem gerido e não haveria motivos para essa transferência", citou a secretária. Além dela, participaram da reunião a governadora Wilma de Faria, o prefeito Carlos Eduardo Alves e o secretário estadual de Saúde, Ruy Pereira.

 

Médicos patrocinam ações contra SMS

 

            Enquanto Aparecida França, comemora o apoio do Ministério da Saúde, os líderes do movimento médico partiram para uma nova estratégia. A Assessoria Jurídica da Associação Médica do Rio Grande do Norte entrará com ação indenizatória contra o Município de Natal. Os advogados da categoria estarão representando quatro pacientes que aguardam por cirurgias.

 

            Francisco Teixeira da Silva, 55 anos, morador de Cidade Praia, comentou que há três meses está com problema no tendão. Já teve recomendação para cirurgia, mas com a paralisação do sistema ainda não conseguiu. Ele confirmou que repassará toda documentação para os advogados da AMRN. Além dele, outras três pessoas ingressarão com ação de indenização, sendo patrocinadas pela AMRN, que paga os advogados.

 

            "Somos a favor da sociedade. Estes pacientes estão esperando por cirurgias e precisam ser indenizados", destacou o presidente da AMRN, Geraldo Ferreira Filho.