Situação crítica será apresentada pelos hospitais psiquiátricos na reunião do Conselho Estadual de Saúde, nesta quinta-feira. Se o governo não suplementar o valor das diárias, como já está fazendo a prefeitura de Curitiba, pode ser acelerada a desativação dos leitos que ainda restam ao SUS.
A situação em que se encontram as instituições de saúde habilitadas ao tratamento psiquiátrico dos paranaenses, tida como calamitosa e à beira de um colapso na assistência, será apresentada na tarde desta quinta-feira (26) ao Conselho Estadual de Saúde, no painel reservado à Comissão de Saúde Mental. A partir de relatório elaborado pelo Departamento de Psiquiatria da Federação dos Hospitais do Paraná (Fehospar), profissionais da área pretendem expor que “a asfixia financeira imposta pela política oficial torna impossível a continuidade da prestação dos serviços em consonância com os protocolos recomendados, com qualidade e dentro das condições mínimas de dignidade”, conforme termos de ofício já dirigido às autoridades, incluindo o governador Roberto Requião e o Ministério Público.
A mobilização envolve não somente os hospitais privados da rede conveniada, que respondem por 94% da assistência psiquiátrica integral, mas também a Sociedade Paranaense de Psiquiatria, o CRM e o próprio Conselho de Saúde, com apoio da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa. O apelo ao governo estadual para complementar as diárias da área de psiquiatria, de forma a assegurar a assistência, remonta a setembro do ano passado, mas nenhuma medida emergencial foi adotada até agora. Emenda orçamentária coletiva proposta pelo deputado Élio Rusch já foi aprovada pelo Legislativo, destinando R$ 3 milhões para suplementar o valor das diárias, o que seria suficiente para pelo menos um mês de atendimento. Por sua vez, o deputado Ney Leprevost, presidente da Comissão de Saúde, manifestou-se na Assembléia sobre a crise e disse que não está tão difícil resolver a questão.
A expectativa dos prestadores de serviços é de que o secretário estadual de Saúde, Cláudio Xavier, que vai participar da reunião ordinária mensal do Conselho de Saúde, possa intervir de modo a interromper o processo de desestruturação da atenção à saúde mental no Paraná. Os nove hospitais referenciados da especialidade que subsistem fora de Curitiba ainda destinam cerca de 1,6 mil leitos ao SUS, recebendo R$ 28,68 em média por uma diária, embora estudo realizado em 2005 pela Federação Brasileira de Hospitais já indicava a necessidade de R$ 78,29 para custear o serviço. Como forma de amenizar seus prejuízos e preservar a assistência, os prestadores de serviços reivindicam que o governo do Estado complemente o valor para que a diária chegue a R$ 50,00. Socorro neste sentido já vem sendo dado pela Prefeitura de Curitiba, com o que os estabelecimentos conveniados puderam interromper o processo de desativação de leitos e serviços.
Fechamento de hospitais
Maria Emília Parisoto de Mendonça, diretora de psiquiatria da Fehospar, destaca que a quebra do equilíbrio econômico-financeiro das empresas prestadoras de serviços já foi reconhecido pelo STJ, que determinou ao Ministério da Saúde a apresentação das tabelas de valores dos serviços devidamente reajustadas. Contudo, como diz, o prazo já venceu em fevereiro e a omissão dos gestores públicos continua. A representante do setor faz questão de ressaltar que todos os hospitais da especialidade não fecharam suas portas para o SUS porque estão comprometidos com a causa da saúde mental dos paranaenses e, também, porque chegaram a uma situação tão extrema que não têm recursos financeiros para honrar compromissos necessários para o encerramento das atividades, como indenizar os quase 1,5 mil empregados. Desde a edição do Plano Real, há 13 anos, o reajuste dos serviços foi de R$ 54%, quase um terço da inflação acumulada no período.
Na semana passada, acolhendo reivindicação dos próprios hospitais, o deputado Élio Rusch conseguiu a provação em plenário de seu pedido para que o governo do estado apresente os custos do atendimento prestado pelo Hospital Adauto Botelho, o único público que presta assistência psiquiátrica. De acordo com dados não oficiais, mesmo usufruindo de isenções tributárias, recebendo gratuitamente medicamentos de alto custo e tendo sua folha de pagamento custeada pelo Estado, a única unidade pública ainda teria um gasto oito vezes maior que o de uma diária em hospital conveniado. Os prestadores de serviços querem acesso a essa planilha para tentar reivindicar, mesmo que judicialmente, tratamento igualitário.
O Paraná chegou a contar com cerca de 6 mil leitos psiquiátricos destinados ao sistema público. Com a política de saúde mental do governo federal, de desospitalização, e com a remuneração insuficiente para o custeio dos serviços, começou o processo de fechamento de hospitais e desativação de leitos. Alguns dos maiores do Estado fecharam, como o Pinheiros (São José dos Pinhais), São Marcos (Cascavel), Franco da Rocha (Ponta Grossa) e Nossa Senhora da Glória (Curitiba), que, juntos, chegaram a ofertar 1.467 leitos. Outros tantos não só se ajustaram às determinações do Ministério da Saúde como iniciaram um processo de distanciamento do SUS. O Hospital Filadélfia, de Marechal Cândido Rondon, de padrão de qualidade destacado entre os melhores do País, em março último reduziu de 240 para 120 os leitos para o sistema público e acena com o descredenciamento total a partir de junho, caso não ocorra nenhum concessão de melhoria financeira para estancar os prejuízos.
Falta de leitos
Caso fossem observados os indicadores da Organização Mundial de Saúde, baseados na prevalência mundial das doenças mentais, o Paraná, com seus cerca de 10 milhões de habitantes, teria de dispor de 10 mil leitos psiquiátricos. Contudo, pela Portaria 1.101/02 do Ministério da Saúde, é proposta uma proporção de 0,45 leitos psiquiátricos por grupo de mil habitantes. Assim, seriam necessários 4,5 mil leitos, menos da metade do que é oferecido em todo o Estado, incluindo Curitiba, onde mantém convênio com o sistema os hospitais Bom Retiro, Nossa Senhora da Luz e Clínica Dr. Hélio Rotenberg, além de outros gerais não especializados.
Ainda de acordo com a diretora de psiquiatria da Federação dos Hospitais, Maria Emília Parisoto de Mendonça, que é diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá – hospital de referência nacional e estadual em ensino -, o governo federal cometeu um grande equívoco ao tentar resolver a assistência psiquiátrica no Brasil mediante decreto. Para ela, desestruturar a rede de serviços e acabar com o atendimento integral só fizeram aumentar o contingente de excluídos pelas ruas, sob riscos e oferecendo riscos aos que os cercam. Ela ressalta que o número de hospitais-dia, Caps e Naps no Estado ainda é muito tímido (fontes oficiais alegam 168 para os 399 municípios) e que, mesmo assim, é irresponsável qualquer política que negue o direito constitucional de atenção à saúde. Baseando-se em estudo do Departamento de Psiquiatria da FBH, cita que, nas principais capitais brasileiras, há mais de meio milhão de pessoas perambulando pelas ruas, a metade pelo menos com dependência química ou com transtornos mentais.