Antes que o surto passe, os lamentos se amenizem e outras crises como as tragédias deflagradas pelas chuvas contaminem o debate público, é preciso sublinhar: A saúde pública fluminense só se livrará da UTI se forem resolvidos os problemas crônicos de gestão dos hospitais existentes hoje no Estado sejam eles administrados pela União, governo estadual ou prefeituras. A boa notícia é que, felizmente, chegaram à mesma conclusão tanto o governador Sérgio Cabral quanto o secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes.
Nas visitas realizadas na semana passada às unidades Albert Schweitzer e Getúlio Vargas, Cabral pôde constatar o tamanho das seqüelas deixadas pela má gestão no Rio. Como médico de reconhecida competência e dono de uma brilhante folha de serviços prestados à saúde pública, Côrtes também sabe que o setor precisa libertar-se de uma politização nefasta que tem prevalecido na área. Graças a esse fenômeno, a gestão da saúde confundiu-se com a construção de hospitais e postos de saúde.
Como em quase todas as áreas da administração pública, acostumou-se à idéia de que só mais obras trarão o sossego esperado à população. Um equívoco. A natureza do engano é prosaica. Contabilizam-se os custos para a construção das unidades, mas se ignora o peso da manutenção das obras adquiridas.
O Brasil vem assistindo a uma sistemática redução da quantidade de leitos hospitalares. Segundo pesquisa recente do IBGE, o país tem hoje cerca de 443 mil leitos 2,4 unidades para cada mil habitantes. Trata-se do menor patamar das últimas três décadas. Retrocesso? Não. Ao contrário do que parece, os números revelam evolução positiva, decorrente da eficiência da gestão da saúde pública, da tendência de redução do tempo de internação de pacientes, da eficácia da medicina e expansão da atenção básica à saúde. Em outras palavras, traduz a racionalização do uso da rede de saúde.
Alguns avanços asseguraram a boa notícia: a ampliação da assistência médico-sanitária, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Saúde da Família, implementado no país em meados dos anos 90 com as mesmas feições desenhadas na década anterior pelo então governador do Ceará, Tasso Jereissati. A redução dos custos de manutenção do sistema, a valorização das práticas de prevenção e a tentativa de tirar dos hospitais os atendimentos de baixa complexidade integram as razões para explicar os avanços.
Mas o que foi bom no plano nacional não se repetiu no Rio. Por aqui, conseguiu-se o pior dos mundos. Como se sabe, falta muito na saúde fluminense: qualidade e rapidez no atendimento, material de uso hospitalar, medicamentos. Somadas, tais ausências sintetizam o desespero em geral destinado aos mais pobres. Acima de todas as carências, porém, falta competência na gestão. Mais leitos, insista-se, não fecharão as veias abertas da saúde estadual.
A barbárie da saúde será eliminada quando começar a se organizar a administração hospitalar. Também é urgente uma maior coordenação entre as gestões municipais, estaduais e federal. (O SUS trouxe enormes benefícios, mas pecou pela descentralização em excesso). O Rio pede ainda uma central capaz de coordenar todos os leitos disponíveis no Estado. Os requisitos de internação também precisam mudar para desafogar a rede. A reorganização na gestão em todos os níveis resultará na diminuição da sobrecarga sobre hospitais e postos de saúde da capital.
Eis algumas das saídas postas à mesa do governador. Não vão lancetar de imediato os tumores, mas permitirão vislumbrar maiores esperanças para uma crise crônica.