Nos próximos dias, o Brasil terá uma importante conquista no que diz respeito à preparação para uma pandemia de gripe. O Instituto Butantã, de São Paulo, com recursos do Ministério da Saúde, entregará as primeiras doses de uma vacina nacional contra gripe.
Inicialmente serão 20 mil doses da vacina contra o H5N1. Esse vírus não é, até o momento, transmitido entre humanos, mas, com essas doses, testaremos a capacidade de produção e, ao mesmo tempo, teremos um estoque estratégico.
O Brasil tem atuado em várias frentes. Além da vacina, compramos 9 milhões de tratamentos do antiviral Tamiflu, um importante instrumento até termos a vacina definitiva, e ampliamos a vigilância epidemiológica, que nos ajuda a identificar os subtipos do vírus que circulam no País.
A gripe aviária já causa prejuízos por aqui. A cadeia produtiva do frango registra queda nas exportações, e pesquisas apontam redução do consumo interno.
Trata-se de um medo infundado. O principal motivo é que o vírus H5N1 não circula no País. Surgida na Ásia, essa cepa ataca aves e, eventualmente, mamíferos, entre eles os humanos. Mesmo em países onde há a doença, o consumo de frango é seguro. Bastam 60 graus para eliminar qualquer contaminação. Ao se cozinhar, assar ou fritar, se alcançam temperaturas bem mais altas. Portanto, não há motivos para deixar de comer frango.
Até agora foram registrados em países asiáticos e africanos cerca de 177 casos de H5N1 em humanos com aproximadamente 98 mortes confirmadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por um lado, isso prova que a gripe aviária é grave e, por outro, que é rara a infecção de pessoas.
Nas últimas semanas, o vírus chegou à Europa em aves migratórias. Até o momento, nenhum cidadão europeu contraiu o vírus. Com os investimentos que os países daquele continente fazem em saúde, é provável que nenhum europeu contraia a doença porque os focos em aves serão contidos rapidamente. Também é possível que a doença não se espalhe a partir do Velho Continente.
Mas, então, por que o assunto tem tanta importância e toma tanto tempo das autoridades? Porque, embora o vírus não tenha chegado ao Brasil, não estamos livres de que isso ocorra. Aliás, nenhum país está imune ao H5N1 ou a uma eventual pandemia de gripe. Por isto, a OMS alertou para que todos os países elaborem planos de preparação para uma grave emergência causada por um vírus da gripe.
A literatura mostra que pandemias de gripe são fenômenos cíclicos que se repetem duas ou três vezes a cada século. No século 20, foram três. A primeira foi a Gripe Espanhola, em 1917/18, que se estima ter matado cerca de 40 milhões de pessoas. Nos anos 50, tivemos a gripe asiática e, nos 60, a de Hong Kong.
Por vezes, vêem-se tentativas de se comparar o que pode ocorrer agora com o passado. A história mostra que comparações não são recomendáveis, se é que são possíveis.
A Gripe Espanhola encontrou a Europa sendo dizimada por uma guerra mundial. Os antibióticos não existiam, e muita gente morreu por pneumonias bacterianas. A guerra fez com que contingentes enormes, que viviam em péssimas condições sanitárias, transitassem pelos países na busca por abrigo, levando o vírus na bagagem. As outras duas pandemias encontraram um mundo mais avançado e tiveram um impacto muito menor.
Qualquer projeção, baseada nas situações passadas, não tem base científica. O que temos que fazer é analisar os riscos reais que se apresentam hoje. De acordo com a OMS, a América Latina é a região de mais baixo risco.
Surgido na Ásia, o H5N1 foi se propagando pelas fronteiras. Ou seja, proximidade geográfica é um fator de risco. O Brasil e seus vizinhos estão separados da Ásia e da África por dois oceanos.
Outro fator de risco são as aves migratórias. Mais uma vez, pelo menos até agora, o risco é menor para a nossa região. As aves que migram para o Brasil vêm do norte dos Estados Unidos e do Canadá, países onde não há circulação do vírus. Eventualmente são encontradas no País aves isoladas, vindas da costa da África e da Ilha da Madeira, mas as expedições que o Ministério da Saúde realiza, com os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, estão atentas para isso e até o momento nada encontraram.
Mesmo assim, devemos estar atentos: baixo risco é diferente de ausência de risco. Para qualquer ave infectada que venha a ser identificada futuramente, o Ministério da Agricultura aplicará, imediatamente, as medidas de proteção do nosso rebanho.
Tenho reiterado, em corroboração à OMS, que nenhum país está imune. Por isso, o mundo está em alerta para a possibilidade desse vírus começar a se transmitir de pessoa para pessoa, ou o surgimento de outro patógeno com as mesmas características de adoecimento e letalidade.
Assessorados pela OMS, os governos providenciam seus planos, que deverão ser constantemente revisados e atualizados. No Brasil, apresentamos, em novembro, a primeira versão elaborada com a participação de especialistas de universidades e sociedades médicas. Uma das principais recomendações que o Brasil defende em foros internacionais é a transparência total no que diz respeito à informação à sociedade.