Os 254 deputados que compõem a Frente Parlamentar da Saúde tiveram muito trabalho na Câmara em 2007. Grande parte deles brigou primeiro para conseguir a aprovação da prorrogação da CPMF, que se tivesse sido aprovada no Senado garantiria mais recursos para a saúde. Muitos também se esforçaram para aperfeiçoar a regulamentação da Emenda 29, que define limites mínimos para gastos com a saúde nas três esferas de governo. Na hora de preparar as emendas ao Orçamento da União de 2008, no entanto, uma parcela dos integrantes da Frente da Saúde não usou o dispositivo que tinha em mãos para tentar assegurar mais dinheiro para o setor.
Levantamento feito pelo Correio, por meio do portal do orçamento do Senado, mostra que 14 deputados que integram a Frente da Saúde não destinaram um único centavo, em emendas, para a área que defendem. Na elaboração do orçamento do próximo ano, cada deputado pôde apresentar, nas últimas semanas, até 25 emendas cujo valor total poderia chegar a R$ 8 milhões.
Nos últimos anos, os deputados e senadores foram obrigados a destinar parte de suas emendas à saúde para que o governo pudesse atingir o limite mínimo de gastos no setor. Quando elaboraram no ano passado o orçamento de 2007, por exemplo, os parlamentares precisaram direcionar 30% do valor das emendas à saúde. Para 2008, o projeto do Executivo já contemplou a exigência da Emenda 29. Desobrigada, parte dos parlamentares deixou de beneficiar a saúde.
Turismo
João Magalhães (PMDB-MG) dividiu os R$ 8 milhões em oito emendas. Três delas, que somam R$ 5,89 milhões, foram destinadas ao Ministério do Turismo. "No ano passado, eu perdi quase todas as minhas emendas, por não terem sido liberadas", diz o deputado. "O próximo ano será de eleições, por isso não haverá tempo de fazer obras. Assim, priorizei eventos, e o Turismo este ano executou 100% das emendas."
Outro integrante da Frente da Saúde que priorizou o Ministério do Turismo foi o líder da bancada do PPS, Fernando Coruja (SC). Médico, ele apresentou apenas duas emendas, cada uma de R$ 4 milhões. Foram para os ministérios das Cidades e do Turismo. O deputado diz que um outro parlamentar de sua região propôs uma emenda da bancada estadual para a área da saúde, e assim ele pôde cuidar da atração turística. "A emenda é para a construção de um centro de eventos", explica. A assessoria de Paulo Rocha (PT-PA) explicou que o parlamentar atua em diversas frentes e, neste ano, resolveu dar prioridade ao turismo para incentivar visitantes a conhecerem o Pará.
O Ministério do Turismo firmou uma imagem de pasta que consegue liberar, com certa facilidade, as propostas dos congressistas. Por isso, emendas apresentadas por parlamentares da base do governo e da oposição e por bancadas estaduais garantiram ao programa Turismo Social no Brasil, uma espécie de guarda-chuva de investimentos da pasta, o recorde em volume de recursos nas alterações propostas por deputados e senadores ao Orçamento da União de 2008. Foram R$ 6,6 bilhões. Para conseguir isso, o Turismo usou uma estratégia de atração de emendas que envolveu contatos com secretarias estaduais e entidades privadas do setor, reuniões com bancadas estaduais no Congresso e a elaboração de um manual para orientar parlamentares.
Infra-estrutura
Marcelo Nascimento, chefe de gabinete do deputado Nelson Trad (PMDB-MS), diz que as diferenças entre ministérios na liberação de emendas influencia as propostas. Trad apresentou 23 emendas, todas para as pastas das Cidades e da Integração. "O Ministério da Saúde é extremamente complicado para lidar com orçamento", afirma Nascimento. "Você apresenta a emenda e não consegue liberar os recursos." Trad, segundo o assessor, priorizou o Ministério da Integração, por ser comandado pelo também peemedebista Geddel Vieira Lima, e o das Cidades, por ter demonstrado em 2007 agilidade na liberação de emendas.
A assessoria de Aline Corrêa (PP-SP) informou que a Frente da Saúde serve para forçar o governo a reconhecer a carência do setor e não tem obrigação de apresentar emendas para a área. A assessoria de Elcione Barbalho (PMDB-PA) explicou que "a grande preocupação" da deputada é a questão da infra-estrutura, principalmente na área de Belém. A assessoria de Maurício Trindade (PR-BA) afirmou que o deputado não apresentou emendas para a saúde porque este ano já não havia mais a obrigatoriedade e por ter priorizado a infra-estrutura de municípios carentes. Procurados durante dois dias, os demais deputados da Frente da Saúde que não apresentaram emendas para o setor (veja quadro) não se manifestaram pessoalmente nem por meio de assessores.
“Quando assumimos o compromisso de presidir uma frente, temos de ter a convicção do que dizemos”
Deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS)
Estes são os deputados da Frente Parlamentar da Saúde que não apresentaram emendas ao Orçamento da União favorecendo essa área
Parlamentar Ministérios para os quais destinou emendas
Aline Corrêa (PP-SP) Cidades
Edmar Moreira (DEM-MG) Agricultura, Cidades e Turismo
Elcione Barbalho (PMDB-PA) Cidades e Esporte
Fernando Coruja (PPS-SC) Cidades e Turismo
Fernando Melo (PT-AC) Agricultura, Cultura, Defesa, Educação, Esporte,
Integração, Meio Ambiente e Justiça
Iran Barbosa (PT-SE) Agricultura, Cidades, Cultura, Desenvolvimento Agrário,
Educação, Esporte, Previdência e Trabalho
João Magalhães (PMDB-MG) Agricultura, Cidades, Esporte, Transportes e Turismo
José Airton Cirilo (PT-CE) Agricultura, Cidades, Esporte, Integração e Turismo
Jovair Arantes (PTB-GO) Previdência, Agricultura, Cidades, Esporte e Turismo
Maurício Triondade (PR-BA) Agricultura, Cidades e Turismo
Nelson Trad (PMDB-MS) Cidades e Integração
Paulo Rocha (PT-PA) Agricultura, Cidades, Defesa, Educação, Esporte e Turismo
Urzeni Rocha (PSDB-RR) Defesa, Educação e Turismo
Wellington Fagundes (PR-MT) Previdência, Esporte, Integração, Transportes e Turismo
O deputado Sarney Filho (PV-MA) é o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso, mas nenhuma das emendas individuais que apresentou ao Orçamento da União de 2008 destina recursos para o Ministério do Meio Ambiente, pasta que já comandou no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Da mesma forma, o deputado Maurício Trindade (PR-BA), que coordena a Frente Parlamentar em Defesa do Planejamento Familiar, não destinou um centavo de recursos para ações do Ministério da Saúde relacionadas ao tema.
A maior emenda de Sarney Filho, no valor de R$ 3,7 milhões, é para melhorias urbanas feitas pelo Ministério das Cidades. Há ainda emendas para programas das pastas de Agricultura, Cultura, Esporte, Turismo e Saúde. "Eu nem interfiro nessas emendas", conta Sarney Filho. "Os prefeitos que votaram em mim se reúnem e mandam os pleitos para o meu gabinete." Ele diz que apresentou e aprovou emendas relacionadas aos interesses da frente parlamentar na Comissão de Meio Ambiente da Câmara e na discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "As emendas que eu tinha como minha luta foram aprovadas pela comissão", afirma. "São emendas estruturantes."
Maurício Trindade dividiu os R$ 8 milhões em apenas três emendas: uma para o ministério do Turismo, outra para o das Cidades e outra para o da Agricultura. Ele diz que, até o ano passado, quando era obrigatória a destinação de parte das emendas individuais para o Ministério da Saúde, fazia isso. Este ano, com o fim da obrigatoriedade, desistiu. "Já há dinheiro nessa área", diz o deputado. Ele conta ter optado por emendas que têm destinação específica para determinada melhoria. "Eu vou dizer o que tem pra fazer e em qual praça", afirma.
Desde o começo deste ano, foram registradas 44 frentes parlamentares na Câmara. Parte delas trata de temas de difícil auxílio via Orçamento da União – como a Frente Municipalista e a dos Direitos do Contribuinte. Os coordenadores de quase todas as demais destinaram recursos para os temas tratados, ainda que muitas vezes em valores pequenos.
A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) coordena a Frente Parlamentar do Esporte e destinou à área 13 de suas 25 emendas. São R$ 4,7 bilhões para infra-estrutura de esporte em 12 cidades distintas e para uso geral no estado do Rio Grande do Sul. "Quando assumimos um compromisso como o de presidir uma frente, temos de ter convicção do que dizemos, e o esporte é uma ferramenta eficaz e de baixo custo no combate à exclusão social", afirma. A deputada é contra um parlamentar defender determinada área em discursos e depois não dar prioridade a esse setor. "É preciso manter coerência."