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Saúde do PR deixou de receber mais de R$ 1 bi em quatro anos

A propaganda oficial do Estado alardeia investimentos de R$ 1 bilhão em saúde. Na realidade, o Conselho Estadual de Saúde e o Ministério Público cobram não apenas quase R$ 676 milhões que deixaram de ser aplicados na “era Lerner” (de 2000 a 2002), como uma auditoria realizada pelo Ministério da Saúde sustenta que as dotações orçamentárias do Governo Requião também estão maquiadas por ações que não são reconhecidamente em saúde, como saneamento básico, meio ambiente e assistência diferenciada para o funcionalismo público.

Do orçamento de R$ 641 milhões da saúde para 2003, nada menos do que R$ 218 milhões – ou 34% do total – tiveram finalidades alheias à área. Isso sem contar que, originalmente, o orçamento de 2003 suprimiu nada menos do que R$ 334 milhões se aplicados corretamente os 10,75% da arrecadação, como fixa a Emenda Constitucional 29. Com isso, em quatro anos, mais de R$ 1 bilhão deixou de ser investido em saúde, excetuando-se ainda os exercícios de 2004 e 2005, igualmente com aplicações em desencontro com o que preceitua a norma constitucional (12% do total da arrecadação) e, ainda, com os mesmos vícios de direcionamento de recursos para itens não reconhecidos como saúde.

 

Gastos de 2003

No que se refere ao exercício de 2003, indica a auditoria do Ministério da Saúde que parte dos recursos para saúde foi usada para cobrir despesas com pavimentação, saneamento e construção de casas mortuárias, dentre outras tantas que se somam a gastos com pessoal inativo e assistência à saúde ao funcionalismo. “A população paranaense deve ser esclarecida que o governo estadual não investiu R$ 1 bilhão em saúde, mas deixou de aplicar exatamente esse montante em quatro exercícios, causando um estrago irreparável na infra-estrutura da saúde, decretando o fechamento ou restrição de serviços e aumentando o drama da população”, avalia o presidente da Fehospar, José Francisco Schiavon. De acordo com ele, tais resíduos financeiros devem contemplar a saúde, cedo ou tarde, o que ofereceria uma melhor perspectiva à rede prestadora de serviços, hoje envolta num quadro sombrio.

Na Assembléia Legislativa do Estado, o líder do PT Tadeu Veneri apresentou requerimento para convocar o secretário de Saúde, Cláudio Murilo Xavier, a prestar esclarecimentos sobre a denúncia de irregularidades na aplicação de recursos da pasta em 2003. Em nota de esclarecimento encaminhada aos jornais, a Secretaria Estadual de Saúde justificou que o orçamento de 2003 foi elaborado pelo governo Lerner, ao qual ainda imputou déficit de mais de R$ 700 milhões anteriormente. A fonte garante que todos os gastos estiveram de acordo com a lei e sustenta que o Tribunal de Contas aprovou as contas daquele exercício. A SESA ainda destaca que falta uma lei que explicite claramente o que pode ser interpretado como gastos em saúde, com o que diz apoiar a regulamentação da EC 29. Apesar de seus argumentos, o Conselho Estadual de Saúde e o Ministério Público desaprovaram a postura do atual governo em relação as contas da saúde de 2003.

 

Quadro de calamidade

Na análise de prestadores de serviços e de membros do Conselho Estadual de Saúde, colegiado que rejeitou as contas da saúde no primeiro ano do governo Requião, a atual administração ajudou a melhorar os índices da saúde, em especial reforçando a estrutura de atendimento em UTI, viabilizando equipamentos e incentivando a abertura de hospitais públicos há muito fechados ou que sequer tinham começado a funcionar. Contudo, o extrato da saúde do Paraná ainda é de “calamidade pública”, numa situação facilmente comparável à verificada no Rio de Janeiro. O principal problema está nos recursos insuficientes destinados pelo Ministério da Saúde, que descumpre a Constituição e há 11 anos praticamente não aplica correções efetivas em suas tabelas de procedimentos do SUS. Como resultado, defasagens que vão de 100 a 400% em alguns procedimentos. O último aumento concedido, nesta semana, foi para alguns setores e em percentuais considerados ínfimos.

Administrações municipais também não são menos culpadas, pois não aplicam o percentual mínimo previsto na EC 29 e ficam dependentes dos governos estadual e federal. Há muitas cidades que estão sem hospitais há anos, desassistindo suas populações e, ao mesmo tempo, promovendo um fenômeno de perda de identidade. Há municípios o­nde há duas décadas não nasce um único cidadão, por falta de hospital. Dados oficiosos atestam que o Paraná perdeu mais de 100 hospitais em pouco mais de uma década, com ele, vários milhares de leitos. Ao mesmo tempo, muitos outros hospitais viraram às costas para o sistema público, que paga pouco e faz muita propaganda, explorando a credulidade pública.

Mesmo Curitiba, num cenário mais favorável por ser capital e deter um patamar de renda per capita mais elevado, além de contar com elevado grau de participação da assistência supletiva, vem constatando o desaparecimento de seus hospitais, muitos deles tradicionais, como Casa de Saúde São Francisco, Maternidades Paciornik, São Carlos, Hauer e Santa Felicidade, Hospitais São Judas Tadeu, Santana… Outros seguem o mesmo caminho, como o do Carmo, fechado pela Vigilância Sanitária devido a condições precárias.

Em algumas regiões a situações é crítica, como o município de Apucarana, sob investigação do Ministério Público por denúncias de política assistencial desastrosa. A cidade de 110 mil habitantes tem hoje dois hospitais, ambos mergulhados em dívidas e abertos pela teimosia e abnegação de diretores e médicos, já que a administração lhes deve vultosa importância por serviços prestados. Dinheiro que já saiu do MS. Para uma cidade que já teve sete hospitais, o caos pode ser observado no índice de mortalidade infantil, que é o principal referencial da qualidade do nível de saúde de uma comunidade. Em 2004, o índice de mortalidade chegou a 21,60 mortos para cada grupo de mil nascidos vivos. Um dos maiores do Sul do Brasil.

No Noroeste do Estado o cenário não é menos sombrio. Umuarama, outrora o eldorado paranaense, ainda tem uma boa e eficiente estrutura de serviços de saúde. Contudo, a cidade, que completou 50 anos em junho, chegou a ter oito hospitais. Agora tem três. O Hospital e Maternidade Umuarama recém-encerrou suas atividades, ao completar 47 anos de atividades. O projeto implementado pelos pioneiros não resistiu à crise. Em cumprimento às normas legais, em 2 de maio a direção do hospital oficiou o município de que em 60 dias estaria descredenciada do SUS, para o qual mantinha 33 leitos. Os funcionários foram demitidos.

A 12.ª Regional de Umuarama tem assistido ao esfacelamento da estrutura hospitalar em seus 21 municípios. Mais da metade deles já não tem hospital. Cruzeiro do Oeste, a cidade hoje administrada por Zeca Dirceu – filho do “ex-todo-poderoso” José Dirceu do Governo Lula – corre sério risco de perder os serviços do único dos cinco hospitais que restou na cidade. A direção da Clínica Nossa Senhora de Fátima, fundada há 35 anos, chegou a anunciar que vai suspender os atendimentos pelo sistema público, a perdurar a falta de co-participação da municipalidade. O prefeito fez um apelo para que o hospital não feche, reconhecendo o caos na saúde, mas os médicos-proprietários mostram-se pessimistas diante dos prejuízos crescentes que se acumulam há quase um ano.

A situação se agrava porque os municípios vizinhos também estão carentes de serviços. Cidades próximas estão, em sua maioria, com hospitais fechados. São os casos de Icaraíma, Iporã, Tuneiras do Oeste, Mariluz, Ivaté e Alto Paraíso, esta desde 1986, período a partir do qual não nasce uma única criança no município. Ivaté, é outro exemplo. Sua população é de 10 mil, mas estatisticamente só aparece com 6,9 mil, pois muitos dos residentes nasceram em municípios vizinhos por falta de hospital. Santa Cruz do Monte Castelo, também no Noroeste, acaba de perder seu único hospital, fechado por absoluta precariedade. A Região de Campo Mourão perdeu um terço de seus hospitais, o suficiente para que pelo menos sete municípios estejam desprovidos de um serviço especializado.

 

Estrutura debilitada

A estrutura hospitalar do Paraná tem hoje 542 hospitais, sendo 400 privados, 129 municipais, 12 estaduais e um federal (o HC, da UFPR). Do grupo, 359 são de pequeno porte e são os que estão fadados a desaparecer mais rapidamente. O Ministério da Saúde implementa no Paraná um programa de ajuda aos pequenos estabelecimentos, mas o mesmo está restrito aos que sejam públicos ou com filantrópicos, num universo estimado em 65 estabelecimentos. Com isso, muitos não têm a quem recorrer para manter sua função de relevância pública, especialmente neste momento, em que o novo ministro da Saúde, Saraiva Felipe, decidiu reeditar somente algumas das portarias do antecessor, concedendo reajustes, argumentando que as tabelas de procedimentos somente serão revistas mesmo em 2006.

Em recente encontro realizado em Curitiba, os hospitais filantrópicos e santas casas manifestaram em documento oficial que a situação do setor de saúde é gravíssima e que se apresenta iminente o desaparecimento até mesmo dessas instituições, cuja história se confunde com a do próprio País. Em âmbito estadual, ainda, a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar) diz que o grau de endividamento do setor é altíssimo. Cerca de 8% do montante da dívida total dos hospitais do país, que é de R$ 30 bilhões, referem-se ao Paraná. De bancos a fornecedores e, principalmente, impostos e tributos.

Na área de psiquiatria, a pretensa reforma implementada pelo governo está fazendo desaparecer todos os hospitais, sem que tenha havido a necessária estruturação de assistência aos portadores de distúrbios mentais. Grandes hospitais já foram fechados na região metropolitana (Hospital Pinheiros), Ponta Grossa (Franco da Rocha) e Cascavel (Hospital São Marcos). Muitos seguem o mesmo caminho. Assim, torna-se oportuna a investigação determinada pela Justiça para apurar a destinação dada ao dinheiro da CPMF, criada sob pretexto de financiar saúde. O orçamento do setor é o mesmo dos últimos anos, estando perto da metade do que estaria previsto por lei para os dias atuais – R$ 70 bilhões.

 

Investimentos do governo

Num momento em que os avanços tecnológicos e redução de custos fazem decrescer o número de hospitais, questiona-se a postura do governo estadual em investir na construção ou reforma de hospitais obsoletos, cuja manutenção mostra-se inviável. A Santa Casa de Campo Mourão levou uma década para ser construída e funcionar, mesmo tempo que levou o de Santo Antônio da Platina. Em agosto foi anunciado com destaque a abertura do Hospital de Barbosa Ferraz, cidade de 18 mil habitantes do Noroeste. A boa nova levou 19 anos para ser dada. A ruim é que o hospital vai funcionar com dois médicos, dois enfermeiros e uma estrutura precária.

O projeto anunciado pelo governo estadual envolve 13 hospitais. A previsão é de reforma da Santa Casa de Paranaguá, Regional de Paranavaí, Universitário de Londrina, Regional da Lapa e Hospital da PM de Curitiba. Entre os que serão construídos, o de Guaraqueçaba, Infantil Regional do Paraná (em Campo Largo), Regional de Francisco Beltrão, da Criança e Regional de Ponta Grossa e ainda o de Araucária, numa iniciativa da administração do município.

O presidente da Fehospar, José Francisco Schiavon, contesta a postura de investimentos na infra-estrutura de hospitais, que vem sendo propagada pelo governo estadual. Entende que o foco de prioridade deve ser outro, pois já existe uma estrutura pronta e que vem sendo preterida. “Precisamos é de um planejamento minucioso e um investimento efetivo na manutenção e funcionamento dos centros médicos. O que adianta termos prédios e infra-estrutura ampliada sem os equipamentos, medicamentos e materiais para manter o funcionamento dos hospitais? Chega de elefantes-brancos. A escalada de fechamento de hospitais decorre da falta de investimentos para manter o funcionamento deles”, insiste o dirigente, defensor da maior participação do segmento privado no sistema, por se apresentar mais ágil e eficiente. O representante dos estabelecimentos de saúde reforça ainda que a fonte que irá custear um hospital é o maior problema. “O gasto de um ano de hospital funcionando corresponde ao valor gasto para sua construção”, diz.

 

O grande problema

A falta de aplicação de recursos no custeio é o grande problema do sistema público de saúde. O SUS não reajusta de forma adequada há 13 anos os procedimentos. O último ministro, ao sair, assinou 43 medidas para a saúde. Seu sucessor no Ministério da Saúde brecou tudo. Reeditou algumas, mas não as que tratavam de reajustes ou elevação dos tetos para todos os setores. O impacto seria de $R 402 milhões a partir de julho em todo o país, sendo 184 milhões para área hospitalar e 218 milhões para ambulatorial. O Paraná teria um aumento de R$ 4,3 milhões em seu teto financeiro, o que poderia melhorar a situação da assistência. Agora, o reajuste concedido oferece impacto da metade do que estava previsto. As defasagens somam mais de 100% na maioria dos procedimentos e o grau de endividamento dos hospitais chega a patamares absurdos. Seriam mais de R$ 20 bilhões no país, sendo cerca de 5% do montante devido pelos estabelecimentos particulares com ou sem fins lucrativos do Paraná.