O uso da locução “serviços hospitalares” deu margem a inúmeras controvérsias entre Fisco e Contribuintes: aquele, num primeiro momento, tendeu a reduzir seu significado a “serviços prestados em hospitais”; ao passo que estes advogaram uma compreensão mais ampla, de modo a alcançar diversos procedimentos realizados dentro e fora de estabelecimentos hospitalares em sentido estrito, em especial os de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia. Essas discussões foram levadas tanto às instâncias de julgamento do Fisco (Conselho de Contribuintes) quanto aos Tribunais, que, regra geral, assumiram uma posição mais abrangente e favorável ao contribuinte no que diz respeito ao alcance de tais serviços.
A questão parecia solucionada pela Instrução Normativa 306/03 da Secretaria da Receita Federal, que, para efeitos de aplicação dos percentuais de lucro presumido considerava como serviços hospitalares, para efeitos de apuração do lucro presumido, “aqueles prestados por pessoas jurídicas, diretamente ligadas à assistência à saúde, que possuam estrutura física para a execução de uma das atividades ou a combinação de uma ou mais das atribuições de que trata a parte II, capítulo 2, da Portaria GM 1884, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde”. A própria IN trouxe uma relação dessas atividades, entre as quais a prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia, compreendendo: patologia clínica, imagenologia, métodos gráficos, anatomia patológica, medicina nuclear, endoscopia, reabilitação, hemoterapia, radioterapia, quimioterapia e diálise. Em complemento, editou-se, também naquele ano, o Ato Declaratório Interpretativo 18/03, que esclarecia não serem considerados serviços hospitalares, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, os prestados exclusivamente pelos sócios da empresa ou referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica, dos profissionais envolvidos. Com isso ficaram devidamente estabelecidos os parâmetros para a qualificação dos serviços hospitalares e seu correspondente tratamento tributário.
Sucede que, em dezembro de 2004, sobreveio a Instrução Normativa 480, que, entre outras providências, revogou a IN 306 e, com ela, os critérios de qualificação acima estabelecidos. Em seu lugar, dispôs, no art. 27, considerarem-se “serviços hospitalares somente aqueles prestados por estabelecimentos hospitalares”, assim entendidos “aqueles estabelecimentos com pelo menos 5 (cinco) leitos para internação de pacientes, que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos”.
Porém, ao contrário do que sucedia com a norma da IN 306, aplicável à apuração do lucro presumido pela própria empresa, a regra inscrita na IN 408 teve um alcance bem mais restrito. Deveras, em seu art. 32, ficou consignado que as disposições constantes dos art. 1º a 28 alcançam apenas a retenção na fonte de IRPJ/CSLL/PIS/COFINS nos pagamentos realizados por entes públicos, não alterando a aplicação dos percentuais de presunção para efeito de apuração da base de cálculo do imposto de renda a que estão sujeitas as pessoas jurídicas beneficiárias dos respectivos pagamentos. Ou seja: para fins de retenção na fonte, “prestação de serviços hospitalares” recebe uma qualificação que não é necessariamente a mesma prevista para a hipótese de apuração do tributo pelo próprio beneficiário. Isso soa estranho, mas no direito essas situações não são incomuns.
Finalmente, em mais uma reviravolta, o referido art. 27 ganhou nova redação, introduzida pela IN 539, de 25 de abril de 2005, passando a ser considerados serviços hospitalares “aqueles diretamente ligados à atenção e assistência à saúde, de que trata o subitem 2.1 da Parte II da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária nº 50, de 21 de fevereiro de 2002”, entre os quais: prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime ambulatorial e de hospital-dia; prestação de atendimento imediato de assistência à saúde; prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação; atividades fins da prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia; pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo ‘D’) ou em aeronave de suporte médico (Tipo ‘E’); de emergências médicas, realizadas por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘F’, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.
Também pela mesma INS 539 foi dada nova redação ao art. 32 da IN 408, deixando-se claro que a nova definição de “serviços hospitalares” passava a valer não só para a retenção na fonte, mas também para o próprio cálculo do lucro presumido.
Essa rápida sucessão de normas confunde e atordoa o contribuinte. Seja como for, espera-se que a última versão apresentada, bastante abrangente, seja a definitiva, permitindo que um número maior de prestadores de serviços hospitalares possa optar pelo lucro presumido de 8%.
Leonardo de Paola
Advogado e Sócio de Rivera & De Paola – Advogados