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Saúde privada causa mais insatisfação que a pública

Aos 24 anos de idade, Aelson da Silva, o Kiko, já perdeu sete dentes. Caminha para se tornar um desdentado, mais um dos 24,5 milhões de brasileiros que não têm mais um dente sequer. Isso representa 14,4% da população do país, segundo pesquisa financiada pela Organização Mundial de Saúde e realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os dados, divulgados ontem, mostram que, entre as pessoas que têm 50 anos de idade ou mais, 37,8% são totalmente desdentadas. A pesquisa também constatou que 26% das pessoas consideram que seu principal problema é o estado de ânimo – tristeza, depressão, ansiedade e preocupação. Depois, com cerca de 18%, o mal-estar físico ou dores no corpo e dificuldades no sono.

A pesquisa revela que os brasileiros que têm plano de saúde privado estão mais insatisfeitos com o atendimento que recebem do que aqueles que são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dos entrevistados na pesquisa, 57,8% se declararam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o atendimento de saúde no país, seja ele público ou privado, apesar de 97,3% terem dito que conseguiram ser atendidos na última vez em que precisaram.

Dos clientes de planos de saúde privados, 72% se disseram insatisfeitos contra 53,3% de insatisfação entre os pacientes do SUS.

Realizada de janeiro a setembro do ano passado, a pesquisa mostra que, apesar de no Brasil a fluoretação da água de consumo público ter atingido quase a metade da população em meados dos anos 90, segundo relatório da Organização Panamericana de Saúde, a saúde dentária ainda é um problema nacional, que atinge principalmente os mais pobres. Nada menos que 55,9% das mulheres de baixa renda com 50 ou mais anos de idade já perderam todos os dentes naturais.

‘Ou a comida ou a dentadura’, diz

Em toda a sua vida, o pernambucano Kiko foi cinco vezes ao dentista do posto público, mas não gostou. Conta que teve de sair de casa antes das 4h para guardar lugar na fila e ser atendido. Há três anos não vai ao dentista: diz que não tem tempo a perder e precisa trabalhar para sustentar os quatro filhos.

Os pais de Kiko, que já morreram, não tinham dentes. Ele diz que, no posto, não ganhou dentadura. A que usa foi dada por um vereador em campanha eleitoral. Uma prótese nova, lembra, custa pelo menos R$ 80:

– Isso dá para alimentar minha família por duas semanas. Para comprar a dentadura teria que passar duas semanas sem comprar comida. Ou a comida ou a dentadura.

Para Célia Landmann Szwarcwald, coordenadora da pesquisa, o tão alto índice de pessoas tristes, preocupadas, deprimidas ou ansiosas não tem explicação individual, mas social:

– É o contexto social, que pode ser desemprego, ou pode ser por estar trabalhando muito e ganhando pouco, ou porque não tem dinheiro para comer, ou, por outro lado, na classe rica, uma pessoa que está trabalhando mas está ameaçada de ir embora.

Levantamento exclui doenças graves

Por questão de metodologia, a pesquisa não trata de doenças mais graves. Assim, dos entrevistados que se dizem com estado de saúde muito ruim ou ruim, a doença de maior incidência é a angina, com 27%, e a esquizofrenia, com 26%. Das pessoas que afirmaram ter recebido diagnósticos, novamente a depressão aparece na frente: 19,3% dos diagnósticos foram de depressão; em segundo lugar está a asma, com 12,1%.

Descaso com dentes começa na infância

Não necessariamente a falta de dentista explica o grande número de desdentados. Segundo o cirurgião-dentista Carlos Letacio, um dos três que atendem à população carente do complexo de Manguinhos no Centro de Saúde Escola Hermano Sinval Faria, da Fiocruz, há uma série de fatores de educação a serem levados em conta, quase todos com raiz na infância. O principal deles é a percepção errônea de que os dentes de leite, porque são transitórios, não precisam de cuidados.

– Aos 6 anos, os molares permanentes já estão lá, e os dentes de leite ainda não caíram. Assim, o descaso com os dentes de leite afeta os molares. Aos 8 ou 9 anos de idade, esse descaso já afetou os dentes permanentes – diz ele.

Em geral, as pessoas que têm acesso a clínicas públicas só o fazem quando sentem dor. E aplicam a mesma lógica aos filhos. O alarme dado pelos dentes pode ser dado tarde demais, quando pode haver, inclusive, infecção, observa Letacio. Um fato comportamental também colabora: a idade ao dentista, assim como a ida ao médico, é vista por muitos pais como um castigo imposto ao filhos:

– Eles dizem: “se você não parar de fazer bagunça, vou te levar ao dentista”.