Apesar de sabermos que o tabagismo é um problema de saúde pública mundial, causando prejuízos financeiros e sociais, que obrigam governos a criarem leis e políticas públicas para amenizar seu impacto, e apesar de termos plena consciência dos seus malefícios em nossa saúde pessoal, por que é tão difícil parar de fumar?
Comecemos a entender esse paradoxo do ponto de vista neu-robiológico. A dopamina é o neurotransmissor da dependência. Ela é que dispara a sensação de prazer – seja a advinda da ingestão de um prato saboroso, seja a causada pelo uso de um cigarro. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que o vício era processado exclusivamente nas porções cerebrais associadas ao sistema de prazer e recompensa, ativado em especial pela dopamina. A grande novidade é a descoberta de que há outros circuitos envolvidos nesse mecanismo, e de que a dopamina também os integra. Graças ao aperfeiçoamento dos exames de neuroimagem, constatamos que os efeitos neurobiológicos das drogas ultrapassam os centros de prazer e recompensa do cérebro e se estendem ao córtex pré-frontal, região associada a analise dos riscos e benefícios, na qual se concentram as tomadas de decisão. Portanto, segundo os especialistas é preciso também alterar a química envolvida nos processos decisórios e mnemônicos. Sem isso, apenas parte do mecanismo do vício é combatida. Em outras palavras, é necessário "apagar" o impulso e a memória que levam ao consumo da droga. O poder das lembranças associadas às drogas é extremo. Essa memória vem à tona sempre que um usuário vê um objeto ou uma pessoa relacionado às suas experiências com o vício.
Outra questão crucial no entendimento desse quebra-cabeça relaciona-se à propensão genética ao vício. Assim como há pessoas mais predispostas a desenvolver depressão, hipertensão e câncer, existem aquelas mais suscetíveis à dependência química. Estima-se que os fatores genéticos respondam por algo entre 40% e 60% da vulnerabilidade ao vício. Existe um gene específico associado à síntese da enzima monoaminoxidase A, uma das substâncias responsáveis pelo equilíbrio de dopamina no cérebro. Quando há mutações nesse gene, a pessoa torna-se mais ou menos vulnerável ao vício. Há dois grupos de pessoas bastante vulneráveis ao vício – os adolescentes e os portadores de distúrbios psiquiátricos, como esquizofrenia, depressão e ansiedade. Durante a adolescência, o cérebro sofre mudanças dramáticas. Uma das áreas ainda em maturação é o córtex pré-frontal, associado à tomada de decisões e responsável pelo controle dos desejos e emoções. O fato dessa região do cérebro ainda estar em desenvolvimento nos adolescentes, os coloca sob risco maior de optar por decisões erradas, como experimentar drogas e continuar a abusar delas.
Explica-se, assim, por que a luta contra o vício costuma ser marcada por recaídas e fracassos. Alguém que decida parar de fumar, por exemplo, faz, em média, oito tentativas até largar de vez o cigarro. Na lista das substâncias que mais viciam, a nicotina está à frente da maconha e do ecstasy. A combinação com terapias psicológicas é essencial para ajudar o dependente a reprogramar o cérebro para a nova vida, longe do vício.
Reprogramar, repensar, refletir, recomeçar, todas palavras chaves e fundamentais na busca de mudanças reais. É fundamental desenvolver uma nova postura em relação às doenças e vícios que possuímos. Querer se livrar da doença não significa a mesma coisa que buscar a saúde. Desenvolver a saúde requer todo um movimento em direção a ela. É necessário desenvolver uma postura saudável, onde com serenidade, vamos buscar a causa da doença, e assim, com base nesta causa, poder transformá-la e, com isso conquistar a saúde. Por mais que novas e potentes drogas possam surgir, elas jamais nos darão a possibilidade de questionar nossas atitudes. Assim como estamos revendo a forma irresponsável e egoísta como até hoje tratamos o nosso planeta, tornando-o cada vez menos sustentável para nossa própria sobrevivência, parar de fumar tem que ser uma atitude rumo a nossa sustentabilidade pessoal.
Mauro Augusto Santos é médico cardiologista do Laboratório Pasteur/Dasa