Depois de quase seis horas de batalha regimental com a oposição, a base do governo no Congresso decidiu adiar para a próxima semana a votação do projeto que cria a nova versão da CPMF, batizada de CSS (Contribuição Social para a Saúde). O texto nem chegou a ser apresentado ontem.
Os oposicionistas consideraram o adiamento uma vitória de sua estratégia de obstrução. No entanto, o governo conseguiu evitar a aprovação do projeto já votado pelo Senado que eleva em pouco mais de R$ 20 bilhões anuais os recursos a serem destinados obrigatoriamente à saúde, ao regulamentar a emenda constitucional 29.
"Neste momento, é melhor ficar sem a emenda 29 do que ficar com um novo imposto", resumiu o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto.
O projeto do Senado criou um constrangimento político para o Palácio do Planalto. Diante da proposta de aumento de gastos sem fonte adicional de receita, as alternativas mais óbvias eram trabalhar pela derrubada do texto na Câmara ou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -ambas difíceis em ano eleitoral.
Com a idéia de criar a CSS com alíquota de 0,1%, o governo mudou o foco da discussão, e a oposição, que antes atuava para apressar a votação do projeto do Senado, passou a obstruir as votações.
Até a próxima semana, o governo terá que fechar um texto de consenso na sua base, o que não chegou a ser feito ontem. "Ainda não há consciência plena de todos os detalhes da proposta. O debate avançou, mas até a semana que vem pode avançar mais", afirmou o líder do PT, Maurício Rands (PE).
A bancada aliada ao Planalto quer manter a regra atual do financiamento do setor -gastos corrigidos anualmente conforme a inflação e o crescimento, conforme estipulado na emenda constitucional 29, de 2000- e acrescentar apenas, a partir de 2009, os R$ 10 bilhões esperados com a CSS.
Nas negociações para convencer os aliados, os governistas concordaram em reduzir as alíquotas da contribuição previdenciária para os salários até R$ 3.038,99, teto das aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) -na CPMF, o benefício só valia para os trabalhadores que ganhavam até três salários mínimos. Como acontecia no tempo da contribuição extinta, os aposentados terão um adicional em seus benefícios para compensar a tributação dos débitos em conta corrente.
Durante o debate, a oposição se manifestou contra o novo tributo, levando cofrinhos e faixas com dizeres como "CSS não". Fernando Ferro (PT-PE) e Zé Gerardo (PMDB-CE) chegaram a iniciar um princípio de confusão com Waldir Neves (PSDB-MS) graças a "dizeres ofensivos contra os partidos".
Apesar de dizer que o Executivo não participaria da criação de um novo imposto, o ministro José Gomes Temporão (Saúde) se envolveu ativamente na discussão, assim como governadores.
"Foi uma vitória parcial da oposição. Mas o fato é que a base não votou porque não tem voto, nem texto, nem certeza jurídica", disse o líder do PSDB, José Aníbal (SP).
Jorge Rachid, secretário da Receita Federal, negou na Câmara que tenha discutido a nova CPMF com a base. Para ele, a boa arrecadação nos primeiros meses pode não se manter: "Não dá para contar com isso. O Orçamento ficou comprometido com o fim da CPMF e, apesar do esforço, jamais vai cobrir os R$ 40 bilhões".
Se a arrecadação tributária mantiver ao longo de
De janeiro a abril, a receita da União teve crescimento de 18% em relação ao mesmo período de 2007. Nesse ritmo, os cofres do Tesouro receberão R$ 730 bilhões até dezembro, quase R$ 50 bilhões a mais do que se previa na elaboração do projeto de Orçamento – quando ainda se contava com a CPMF.
Mesmo que parte desse dinheiro tenha de ser obrigatoriamente compartilhada com Estados e municípios, a folga seria suficiente para absorver o gasto extra sem necessidade de criar novos tributos. A extinção da contribuição sobre movimentação financeira deveria significar a primeira redução de carga tributária desde o Plano Real – a carga brasileira, na casa dos 35% da renda nacional, é a maior entre os países emergentes.
No entanto, o desempenho da arrecadação tem superado até as projeções tradicionalmente otimistas feitas pelos parlamentares da Comissão de Orçamento do Congresso e tende a bater novo recorde.
Os aumentos de alíquotas do IOF e da CSLL promovidos em janeiro explicam apenas uma parcela minoritária do fenômeno. Tributos mais importantes e que não foram elevados, como o Imposto de Renda e a Cofins, elevaram suas receitas em mais de 20% -graças, à falta de explicação melhor, ao impacto do bom momento da economia sobre salários, lucros e vendas.
O governo argumenta que não pode considerar duradoura toda essa exuberância. Mais à frente, a atividade econômica pode se acomodar ou até se retrair, e não seria prudente assumir despesas permanentes com base em receitas que podem ser transitórias. O mesmo governo, porém, decidiu neste mês elevar em mais de R$ 15 bilhões os gastos com a folha de salários do funcionalismo público, contando, justamente, com os ganhos de arrecadação. Também anunciou a criação de um fundo destinado a comprar dólares com as "sobras" em seu caixa.