Há seis meses no cargo, o diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fausto Pereira dos Santos, trabalha a todo vapor para concluir o projeto de lei, a ser encaminhado ao Congresso ainda este ano, que substituirá a atual lei 9.656 que regula o setor. Entre as propostas está uma antiga reivindicação das entidades de defesa do consumidor: a criação de um mecanismo que permita ao usuário trocar de plano ou seguro-saúde sem ter de cumprir uma nova carência. O projeto de lei também deverá submeter os prestadores de serviços (médicos, hospitais, clínicas e laboratórios) às regras da ANS. O objetivo é dar poder à agência para intervir em situações de conflito, como a que ocorre hoje entre médicos e operadoras de saúde e que ameaça a continuidade do atendimento aos consumidores.
A regulação do setor é definida pela lei 9.656/98, pela medida provisória 2.177 e por mais uma infinidade de resoluções. Com tantas regras, a legislação não fica confusa?
FAUSTO PEREIRA DOS SANTOS: Sim. Quero reformular a lei 9.656 e fazer um estatuto do setor, que revogaria todo esse arsenal de resoluções. Hoje são 44. Estamos trabalhando a todo vapor na elaboração de um projeto de lei que deverá substituir a lei 9.656. Os empresários saberão em que mercado estão atuando e os consumidores poderão entender como funciona o setor.
O que o projeto de lei trará de novo em relação à lei 9.656?
FAUSTO: Vou propor que o braço da regulação se estenda aos prestadores (clínicas, laboratórios, médicos e hospitais). Essa relação conflituosa que ocorre hoje entre prestadores e operadoras precisa ser regulada também. No marco legal atual isso não existe. Nós não multamos hospitais, por exemplo. Não temos como intervir, pois pela lei atual só as operadoras estão sob a regulação.
E para o consumidor, o que muda com o projeto de lei?
FAUSTO: Um dos pontos que quero incluir é a garantia de mobilidade para o usuário, ou seja, a possibilidade de ele mudar de plano carregando as carências. Isso é que vai permitir a concorrência no mercado.
As empresas sempre resistiram a essa idéia. Como viabilizá-la?
FAUSTO: A mobilidade não pode acontecer pela imposição. Mas acreditamos que ela é viável e vamos nos esforçar para que aconteça. Ela poderia ser combinada com uma fidelização: a operadora poderia dar descontos para quem ficar mais de dez anos no plano. Acreditamos que a mobilidade não vai resultar em todo mundo trocando de plano, pois essa é uma relação difícil de ser dissolvida.
Regular a relação entre operadora e prestadores de serviço vai permitir que tipo de intervenção da ANS?
FAUSTO: Há algumas regiões, como Florianópolis, Belo Horizonte e Campinas, em São Paulo, onde há uma grande operadora que domina o mercado. Em outras, são os prestadores hospitalares que dominam. Não se pode acreditar em equilíbrio de mercado apenas regulando a relação entre consumidor e operadora, se esse outro vértice do triângulo está solto. Temos de ter controle para combater a operação monopolista da operadora e impedir o cartel do prestador.
Onde está o nó da relação entre prestador e operadora, que tem gerado tantos conflitos atualmente?
FAUSTO: Esse é um setor no qual os consensos são mínimos porque os interesses são muito antagônicos. Como o setor cresceu sem regras, na hora em que elas foram estabelecidas, alguém se sentiu prejudicado. A lei mexeu na lucratividade das empresas, e as operadoras decidiram tentar um ajuste, mexendo nos contratos com os prestadores.
Como resolver esse conflito?
FAUSTO: A agência reconhece que os prestadores tiveram perdas importantes no processo de regulação do setor. Mas não dá para recuperar essas perdas de uma vez só. O papel do governo é garantir um bom sistema público de saúde. Por isso, nem a ANS nem o governo defendem que se bote dinheiro público no setor privado. Esse é um setor auto-sustentável e o governo não vai dar subsídios. Portanto, quem paga a conta é o consumidor. Daí porque não dá para recuperar as perdas de uma só vez, pois isso representaria um aumento de gastos para o consumidor, que não tem como arcar com esse peso.
Mas o consumidor está sendo prejudicado de qualquer forma, porque os prestadores estão fazendo paralisações no atendimento aos usuários como forma de pressionar as operadoras para negociar.
FAUSTO: A mão regulatória alcança as empresas. Não vamos permitir que a operadora de plano de saúde deixe de entregar aquilo que vendeu ao consumidor. Nas regiões onde houver paralisação de médicos, as operadoras vão ter de achar alternativas para o atendimento aos usuários. Nós vamos autuar e multar a operadora que não cumprir isso e deixar de oferecer assistência aos seus usuários. Ou as empresas reembolsam as consultas pagas ou definem outros credenciados para atender aos clientes.
O que a agência tem feito para impedir as paralisações?
FAUSTO: Temos promovido reuniões na ANS e insistido na necessidade de negociação. As operadoras e os prestadores, como participantes desse sistema, precisam negociar. As propostas têm avançado.
Entidades de defesa do consumidor têm criticado o programa de adaptação e migração de planos antigos por considerar os índices de reajuste das mensalidades muito altos. A ANS tinha estabelecido um índice geral, de 15% a 25%, mas abriu precedente para que as empresas pedissem percentuais maiores. Por quê?
FAUSTO: O índice geral foi adotado por 93% das empresas. O problema está nas grandes seguradoras. Há realmente pedidos de percentuais altos. Mas se o consumidor não tiver condições de pagar o índice definido, não deve aceitar a adaptação. Nós não dizemos para que o usuário adapte seu contrato a qualquer custo, apenas defendemos que a adaptação em conjunto oferece melhores condições do que se for feita individualmente.
Não há um critério claro de como o índice anual de reajuste dos planos é estabelecido. Há alguma mudança prevista?
FAUSTO: A regra atual tenta buscar a força da negociação do contrato coletivos para o plano individual. Desde que a atual regra está em vigor, a inflação variou pelo IPCA em 54% e o reajuste da ANS, em 50%. Não existe regra boa para reajuste. Mas, em janeiro, a ANS contratou a Fundação Getúlio Vargas, que está construindo um índice próprio, que servirá como balizador. Já em 2005 esse índice estará sendo usado.
Como está a saúde financeira das operadoras?
FAUSTO: É um problema. Quando a lei chegou, o setor já existia há 30 anos. Há todo tipo de operadora atuando no mercado. Hoje são cerca de 2.200 empresas. Desse total, 52 têm 48% do mercado. O restante está pulverizado nas mãos das outras, muitas delas com dificuldade de sobreviver nesse mercado regulado. Existem 400 operadoras que não venderam nenhum plano novo após a lei 9.656, porque não conseguem oferecer a cobertura mínima. São operadoras vegetativas. Dependendo da capacidade de solvência da empresa, temos decretado direção fiscal e liquidação. O problema é que, ao liquidar a empresa, tenho de buscar alguém que atenda aos usuários. Estamos trabalhando isso também no projeto de lei que vamos apresentar. A idéia é criar salvaguardas para a alienação de carteiras, garantindo mais tranqüilidade na liquidação.
(Ana Cecília Santos – O Globo)