Auditoria aponta falta de controle em hospitais geridos por entidades; Serra estuda expandir sistema
Documentos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo alertam para falhas no modelo de administração adotado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) em 16 hospitais do Estado, que passaram a ser gerenciados por organizações sociais.
A equipe do prefeito eleito José Serra estuda expandir esse mesmo mecanismo de gestão para as unidades de saúde do município.
Modelo criado em 1998, as OSS (Organizações Sociais de Saúde) são entidades sem fins lucrativos, contratadas sem licitação e que realizam compras e contratações também sem concorrência.
Ao implantá-las, em meio a uma grande polêmica, o objetivo do Estado era modernizar os hospitais, agilizando o atendimento.
Hoje prestam serviço para o Estado entidades de tradição na área de saúde pública, como a Associação Congregação de Santa Catarina, Casa de Saúde de Santa Marcelina, a Fundação do ABC, a Santa Casa de São Paulo, Osec, Sanatorinhos e a Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. Exceção é o Seconci (Serviço Social da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo), que tem maior experiência na área privada.
Ao aprovar neste ano as contas de 2003 da gestão Alckmin, o TCE alertou, por exemplo, sobre o volume de endividamento das entidades e problemas nos controles.
Auditoria por amostragem na Seconci apontou falta de controle para remédios de alto custo e questionou o fato de não ter sido celebrado termo de permissão de uso para que a entidade pudesse utilizar a estrutura pública.
O tribunal alertou ainda para o fato do Seconci não adotar critérios claros para rateios de seus gastos administrativos, “fazendo com que os hospitais arquem com um percentual de despesas aparentemente excessivo, cerca de 82%, além da inclusão no rateio de despesas que consideramos questionáveis”. Viagens e hospedagens foram pagas com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde), diz o tribunal.
Segundo dados colhidos pelo TCE, em 2003, os empréstimos feitos pelas entidades cresceram 69,79% em relação a 2002, alcançando R$ 16,3 milhões. O documento diz que, como o Estado já atingiu o teto financeiro do Ministério da Saúde -limite de verbas repassadas pela União-, no futuro o serviço da dívida prejudicará funcionamento delas.
“Portanto as organizações de saúde deverão realizar, com maior eficiência, o planejamento de caixa”, afirma o documento.
Resposta
Em resposta ao tribunal, a Secretaria da Saúde informou, entre outros dados, que passaria a “exigir o cumprimento das metas estabelecidas nos contratos de gestão”. Reconheceu, ainda, a necessidade de implantar uma metodologia para apurar custos.
Ao analisar as contas de 2002 do governo, o conselheiro Antonio Roque Citadini reiterou a preocupação com a contratação das entidades sem licitação e “a necessidade de um competente acompanhamento dos processos de prestação de contas, uma vez que esta parceria implica na transferência de recursos públicos (…) e de pessoal por parte do Estado para entidades particulares que substituem o Estado no atendimento”.
Citadini questionou ainda o aumento de 90% dos gastos com internações entre 95 e 2002 no Estado e aventou se isso seria resultado da contratação das entidades.
As análises das contas de cada uma das organizações feitas pelo TCE, que não ocorrem exatamente após o exercício, mostram que os problemas se repetem. Necessidade de um sistema de custos para acompanhamento e de controle do patrimônio aparecem como ressalva para várias entidades.
Já na análise do exercício de 1999, ao aprovar as contas do Seconci, o TCE recomendava a adoção de registro individualizado das operações financeiras, melhor controle de estoques e do patrimônio. Em 2000 ressalvou que a entidade deveria exigir notas fiscais devidamente preenchidas, e, novamente, pediu o aprimoramento do controle de estoques.
Formato é ilegal, diz procurador
DA REPORTAGEM LOCAL
Autor de um famoso parecer que considerou, em 1998, inconstitucionais as organizações sociais do setor de saúde, o procurador dos Direitos do Cidadão, Wagner Gonçalves, diz que irá renovar pedido para que o procurador-geral da República entre com ações contra o modelo.
Uma das idéias da equipe do prefeito eleito de São Paulo, José Serra (PSDB), é expandir as organizações sociais na cidade.
“Acho que é inconstitucional, uma maneira de burlar o controle público, a Lei de Licitações, os limites para gastos com pessoal, a responsabilidade fiscal. É vilipendiar o SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirmou.
As entidades surgiram a partir do plano de reforma do Estado, elaborado na gestão Fernando Henrique Cardoso, que estabelece que os serviços de saúde, por não serem exclusivos do Estado, poderiam ser transferidos para o setor público não-estatal, como foram batizadas as organizações.
O plano foi base para a medida provisória número 1.591, hoje lei 9.637/98, que deu amparo para que Estados e municípios passassem a terceirizar serviços. (FL)
Sistema será aperfeiçoado, diz secretário
Luiz Roberto Barradas Barata, da Saúde, diz que modelo está dando certo, mas que tem pontos a evoluir
DA REPORTAGEM LOCAL
O secretário estadual da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, afirmou que o modelo de administração de hospitais pelas OSS (Organizações Sociais de Saúde) está em processo de aperfeiçoamento e que, por isso, há alguns problemas verificados. “É um modelo novo, está dando certo, é aprovado pela população e pelo TCE”, disse o secretário.
Ao aprovar as contas do governo estadual do ano passado, o tribunal apontou como pontos críticos nos contratos com essas organizações o volume de endividamento das entidades e problemas nos controles.
De acordo com Barradas Barata, o alerta sobre o endividamento das entidades realizado pelo tribunal “foi até bom”. Segundo o secretário, as entidades possuem liberdade para buscar recursos na praça, mas ele afirmou que não considera haver justificativas para isso. Sua equipe analisa o tema.
Barradas Barata considera encerrada a polêmica sobre a necessidade de licitações para as contratações das entidades nas OSS.
Para justificar a afirmação, ele cita decisão do Tribunal de Justiça favorável ao Estado que, segundo ele, já foi acolhida pelo TCE. “O critério da licitação é o melhor preço e eu quero a que melhor gerencie”, disse.
De acordo com o secretário, os problemas encontrados na organização Seconci foram corrigidos. A entidade está discutindo a questão do rateio de despesas. O secretário disse que os aumentos dos custos de internações devem-se ao fato de as OSS estarem incorporando procedimentos.
A equipe do prefeito eleito de São Paulo, José Serra (PSDB), foi procurada para falar sobre as propostas de aplicação do modelo na rede municipal de saúde, mas ninguém se manifestou.
Pesquisador vê falta de controle em entidades
DA REPORTAGEM LOCAL
As organizações sociais não têm um controle adequado e seu sucesso -isto é, garantir o bom atendimento- depende da integração do modelo a uma rede organizada de postos de saúde, ambulatórios e hospitais, concluiu o ex-presidente da Associação Paulista de Saúde Pública, Nivaldo Carneiro Júnior, autor de uma tese de doutorado sobre as entidades apresentada em 2002.
Entre os anos de 2000 e 2001 ele analisou a eqüidade no acesso a unidades geridas pelas OSS e mecanismos de controle. O estudo aconteceu nos hospitais do Itaim Paulista (zona leste) e de Itapecerica da Serra (Grande São Paulo).
A unidade do Itaim, por exemplo, sofria com a desorganização da rede de postos, atendendo casos simples, que não deveriam ir aos hospitais. “Não havia uma rede articulada”. Diferentemente de Itapecerica, onde a prefeitura já conseguia acolher a pessoa devidamente nos postos e só encaminhá-la aos hospitais em caso grave.
O controle público, por outro lado, não funcionava direito. As reuniões da comissão de acompanhamento não eram freqüentes e, especificamente no caso de Itapecerica, os contratos foram feitos entre Estado e entidade sem a opinião da prefeitura. (FL)
Unidade só atende com encaminhamento
DA REPORTAGEM LOCAL
São 10h30 da manhã e a dona-de-casa Maria Araújo da Conceição, 58, aguarda em uma sala vazia, limpa e iluminada o atendimento da amiga Carmen Barbosa, 73, que sofria de diarréia havia duas semanas.
Bem diferente de outros hospitais públicos -inclusive os da rede gerenciada diretamente pelo Estado-, o de Vila Alpina, na zona leste da capital paulista, administrado pela OSS Seconci, não tem uma porta lotada. Isso porque não tem uma “porta aberta” -só faz exames e consultas de especialidades, por exemplo, quando um posto encaminha.
“É muito bom, o pessoal é muito educado, mas só atende mandado. Ela não pode fazer exame porque não tem encaminhamento”, explicava Maria Araújo. Segundo ela, a amiga tinha tomado soro em um posto de saúde e depois em um pronto-socorro, onde informaram que teria de aguardar vários dias para fazer um ultra-som. “Aí a gente veio pensando em fazer aqui. Ela só vai passar no médico e tomar soro de novo.”
O fato dos hospitais terem porta fechada para alguns atendimentos é um dos fatores que inviabilizam comparações das OSS com outras unidades públicas, administradas diretamente pelo Estado ou pela prefeitura.
Professora aposentada da Faculdade de Saúde Pública da USP, Evelin Sá considera ainda que um hospital de administração direta tem, por exemplo, mais burocracias para fazer uma compra, por isso não é possível a comparação.
O secretário estadual da Saúde, Luiz Barradas Barata, reconhece que não se pode comparar. A secretaria, no entanto, divulga dados de que nas OSS o custo médio de internações em 2003 foi 26% mais barato do que nas unidades de administração direta, e o número de atendidos, 23,5% maior. Segundo ele, a pasta investe também em equipamentos.
A reportagem encontrou macas no corredor do hospital de Vila Alpina. Barradas disse que a unidade está sobrecarregada por problemas da rede municipal. A prefeitura afirmou que não há problemas na rede. (FL)