No sistema de saúde do estado, que deve gerir os recursos federais do SUS (que garantem o funcionamento dos hospitais) no lugar da prefeitura, o quadro é igualmente desolador. A grave crise no Hospital Central do Iaserj, na Cruz Vermelha, onde a UTI está parada há seis meses, levou os funcionários a realizarem um protesto ontem. Faltam medicamentos, materiais como seringas e chapas de raios X e o lixo se acumula.
Num corredor por onde passava um recém-saído da mesa de cirurgia, uma equipe do GLOBO flagrou a cena emblemática: havia fezes de pombo no chão. Na enfermaria, nos quartos e banheiros, muito papel e restos orgânicos. E nos corredores, cujas paredes estão mofadas e com reboco aparente, havia sacos de lixo e sucata. Um gato caminhava na enfermaria. Segundo funcionários, outros dormem com pacientes na cama.
Nora de uma policial aposentado internado no setor de ortopedia, Célia Regina da Silva contou que é ela quem tem limpado o banheiro coletivo da ala. Uma outra enfermeira disse que o centro cirúrgico não passa por uma desinfecção adequada há um mês.
O diretor do hospital, Luiz Celso Neves, confirmou que há um problema no contrato com a empresa privada Vigo, responsável pela limpeza, mas não soube explicar qual é. Ele alegou que os setores de emergência foram poupados:
— O número de funcionários da limpeza está menor, não sei se por falta de pagamento, mas a emergência, o pronto-socorro e a unidade coronariana estão limpos. Temos chapas de raio-X e medicamentos para nossos pacientes. E nunca vi pombo aqui.
A UTI, fechada, segundo Neves, por “razões de foro íntimo” da empresa que a administrava, não tem data para reabrir. Enquanto isso, Maria Aparecida Francelino, mulher de Paulo Francelino, um policial civil aposentado, chorava ontem no corredor, pedindo ajuda. Paulo teve um AVC na segunda-feira e, segundo ela, não foi medicado.
O secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, afirmou por meio da sua assessoria que “qualquer negligência gerencial será apurada”. Além disso, “o Iaserj exige redefinição do seu papel”. Ele sugeriu que o hospital pode deixar de atender somente aos servidores. Procurada, a empresa de limpeza Vigo não retornou as ligações.
Em outros hospitais, o mesmo quadro desolador
Em outros hospitais estaduais, mais problemas. Deputados da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa (Alerj) que inspecionaram, no início deste mês, o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo; e o Instituto de Infectologia São Sebastião, no Caju, constataram diversas irregularidades. No Albert Schweitzer, o grupo encontrou três andares fechados com 150 leitos. Com o CTI sem condições de funcionamento, 19 pacientes eram atendidos em macas nos corredores. No pronto-socorro havia uma fila de mais de cem pacientes, a maioria da Zona Oeste.
No São Sebastião o atendimento também era precário por falta de infra-estrutura. A situação dos outros hospitais do estado é quase sempre a mesma. Filas nas emergências, demora no atendimento e falta de medicamentos são problemas comuns. Só as três principais emergências do estado — Pedro II (Santa Cruz), Getúlio Vargas (Penha) e Albert Schweitzer (Realengo) — tinham, no início do ano, 450 leitos sem uso, segundo estimativa do deputado estadual Paulo Pinheiro, da Comissão de Saúde da Alerj. Os hospitais de Saracuruna (Duque de Caxias), Araruama, São Gonçalo e Itaboraí também enfrentam falta de pessoal, de equipamentos ou de ambos.
O caso do Hospital de Araruama é dos mais curiosos. Inaugurado em 2002, depois de consumir R$ 8 milhões, ele prometia ser uma resposta à crise da saúde na Região dos Lagos. Contudo, no ano seguinte, o hospital já estava praticamente desativado e só realizava exames de ultra-sonografia e ecocardiograma. Na época, a prefeitura de Araruama entrou com uma ação popular contra o governo do estado, exigindo o pleno funcionamento do hospital. (Alessandro Soler – O Globo)