Há três meses a funcionária Lemar Rocha, 42 anos, está redescobrindo os cheiros e os sabores da vida. Fumante por mais de 20 anos, ela abandonou definitivamente o vício no dia 13 de agosto deste ano. Sensações que há duas décadas não tinha, como o perfume de uma flor e o gosto exato da comida, voltaram a fazer parte da rotina dela. Sem a fumaça de nicotina, passou a sentir o ar mais puro e ganhou qualidade de vida. Dos tempos em que consumia um maço e meio por dia, não sobrou um cigarro sequer. Lemar conseguiu parar de fumar depois de participar do Programa de Tratamento de Fumantes do Distrito Federal, promovido pela Secretaria de Saúde (SES) e bancado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No final de julho, ela começou a participar das reuniões de um dos 28 grupos de atendimento para quem quer parar de fumar. Em duas semanas ela estava convencida de que era melhor deixar o cigarro de lado. Meu filho Estevão, de 6 anos, estava com problemas respiratórios e alergias. Achei que, sem o fumo, eu e ele teríamos mais qualidade de vida, conta Lemar. Assim como Lemar, pelo menos 4,8 mil pessoas conseguiram, desde 1999, participar de um tratamento na rede pública de saúde para deixar de fumar. No entanto, outros 5 mil esperam pela oportunidade de ter orientações e acompanhamento para dar adeus ao cigarro. A Gerência de Prevenção do Câncer da Secretaria de Saúde aumentou de 11 para 28 o número de unidades capacitadas a prestar esse tipo de serviço à comunidade. O grupo de pacientes assistidos passou de 220 para 560 todos os meses. No final de outubro, foram capacitadas mais 52 profissionais, entre médicos, enfermeiros e psicólogos, para formar novos pólos de atendimento. O vigilante e estudante de educação física Henrique Paulo Campos, 33 anos, pensou que seria mais difícil abandonar o hábito que cultiva há 14 anos. Trocou o cigarro pela saúde. Henrique sempre gostou de correr em minimaratonas na cidade, mas o fumo estava levando o seu fôlego. Há quatro meses sem fumar, ele já percebeu a diferença. Estou me sentindo melhor, mais disposto, com mais disposição. Sem o cigarro, ganhei mais qualidade no meu dia-a-dia, avalia o vigilante. Ele ficou sabendo do tratamento por meio de uma amiga que começou a freqüentar a reunião e desistiu. Liguei no 0800, e em duas semanas me chamaram, relata. Há um mês e meio Henrique não usa mais medicamentos. A vontade de fumar, que de vez em quando aparece, é rapidamente descartada. Isso foi uma coisa maravilhosa que aconteceu na minha vida. Larguei o cigarro com tranqüilidade, sem me sentir mais nervoso ou coisas desse tipo, garante. Medicamentos caros Segundo o gerente de Prevenção do Câncer da SES, Celso Rodrigues, oito em cada 10 pessoas que entram no programa deixam o vício, depois que medicamentos como gomas de mascar e adesivos à base de nicotina, além de antidepressivos, começaram a fazer parte da terapia dos grupos. Mas a oferta desses medicamentos também deixou o tratamento caro. Por mês, os remédios custam entre R$ 700 e R$ 800 aos cofres públicos, por paciente. Fazemos questão de dizer aos interessados quanto se gasta com isso, e pedimos àqueles que desistem para devolver o que levaram e não usaram, explica Rodrigues. Antes dos medicamentos, somente quatro em cada 10 se livraram do tabaco com o programa. Só faz parte das estatísticas de ex-fumantes quem fica mais de um ano sem fumar. A fila de espera não diminui, porque cada vez mais pessoas se interessam em participar do programa. Aumentamos a oferta, mas a procura é maior ainda, diz Rodrigues. Na avaliação dele, a intensificação de campanhas antitabagismo e o reforço na fiscalização em ambientes públicos para combater o fumo inflaram a lista dos interessados em abandonar o fumo. Em média, a pessoa precisa esperar de um mês a um mês e meio para entrar em um grupo, a partir da data de inscrição, afirma o coordenador. Para o pneumologista Carlos Viegas, do Hospital Universitário de Brasília (HUB), nunca é tarde ou cedo demais para deixar o cigarro. Com exceção daqueles que já desenvolveram algum tipo de câncer, o paciente recupera a saúde naturalmente quando deixa o fumo, garante Viegas. Multas nos bares Sem a publicidade das primeiras ações, a Vigilância Sanitária continua o trabalho para combater o fumo em estabelecimentos públicos fechados. De março a agosto deste ano, período em que os agentes da vigilância intensificaram a fiscalização em shoppings, restaurantes, bares e repartições públicas, foram feitas pelo menos 700 inspeções. Cinqüenta donos de estabelecimentos e consumidores foram autuados. Agora estamos nos estruturando melhor para apressar o julgamento das multas, explica a coordenadora do grupo antitabaco da Vigilância Sanitária, Mônica Mulser Parada. Dos males, os piores O consumo de derivados do tabaco causa quase 50 males diferentes, entre eles: doenças cardiovasculares, como infarto e angina; respiratórias crônicas, como enfisema e bronquite; câncer; impotência sexual no homem; complicações na gravidez; aneurismas arteriais; úlcera do aparelho digestivo; infecções respiratórias; trombose vascular. O tabagismo é responsável por: 200 mil mortes por ano no Brasil (23 pessoas por hora); 25% das mortes causadas por doenças coronarianas – angina e infarto do miocárdio; 45% das mortes causadas por doença coronariana na faixa etária abaixo dos 60 ano; 45% das mortes por infarto agudo do miocárdio na faixa etária abaixo de 65 anos; 85% das mortes causadas por bronquite e enfisema; 90% dos casos de câncer no pulmão (entre os 10% restantes, 1/3 é de fumantes passivos); 30% das mortes decorrentes de outros tipos de câncer (de boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga e colo de útero); 25% das doenças vasculares (entre elas, derrame cerebral).