Cortes minúsculos, recuperação rápida e menos sofrida. A técnica de videolaparoscopia, bastante aplicada em adultos, vem sendo cada vez mais utilizada nos hospitais para operar bebês e crianças. Minimamente invasiva, reduz o tempo de internação e faz com que o paciente perca menos sangue.
O médico insufla gás carbônico no abdome do paciente. O órgão incha, como se fosse uma bexiga, criando espaço para os materiais cirúrgicos se movimentarem. O método não era aplicado antes nos pequenos por causa de riscos como a pressão exercida pelo gás nos órgãos frágeis. Com mais controle, ele começa a se difundir.
A Maternidade São Luiz, em São Paulo, por exemplo, onde nascem 700 bebês por mês, acaba de introduzir a técnica como rotina. Ou seja, cirurgias por videolaparoscopias em crianças não precisam mais ser programadas no hospital.
"Nossa equipe vem treinando há dez anos. Primeiro, em porcos, depois acompanhando cirurgias feitas em outros centros", conta João Gilberto Macksoud Filho, cirurgião pediátrico do São Luiz. "Foram 250 operações até acrescentarmos ao dia-a-dia."
Os hospitais Sírio Libanês, Albert Einstein, Edmundo Vasconcelos, Instituto da Criança e Maternidade Santa Catarina, todos em São Paulo, estão entre os centros que usam a videolaparoscopia em crianças.
Mesmo não sendo novidade no Brasil, a técnica em crianças demorou para emplacar e ainda tem muito para crescer. "Só 8% dos 250 cirurgiões pediátricos de São Paulo usam hoje a videolaparoscopia como rotina em crianças", diz Pascoal Napolitano Neto, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica e cirurgião dos hospitais Santa Catarina e Edmundo Vasconcelos.
"A primeira vez que se viu no País uma cirurgia dessas foi em 1992, quando cirurgiões franceses mostraram a técnica durante um congresso de cirurgia pediátrica, no Rio", afirma o médico.
RISCOS
Um dos pontos mais delicados da cirurgia nessa faixa etária é o uso do gás carbônico. "Se a pressão não for bem controlada, o gás pode travar o diafragma e, com isso, impedir a ventilação dos pulmões", explica Macksoud.
O diafragma é o músculo mais importante da respiração – é ele que separa os pulmões do abdome. "O risco é maior em crianças. Além do espaço entre os órgãos ser muito pequeno, o próprio diafragma é menos resistente", complementa Macksoud. "Numa cirurgia em crianças, a pressão usada é de 7 a 8 milímetros de mercúrio. Em adultos, 12 a 15."
As chances de hipotermias causadas pelo gás – quando o corpo perde calor mais rapidamente do que consegue repor – também são maiores em pacientes pequenos. O gás sai gelado do compressor e um corpo pequeno sente mais a diferença. Uma das alternativas é manter o paciente com manta térmica.
Em qualquer videolaparoscopia, o médico faz de 3 a 5 pequenos furos para introduzir tubinhos. Em um deles, entra um sistema de fibra óptica (iluminação) e microcâmera. Os outros furos são para a entrada dos instrumentos (pinças e tesouras). Tudo é controlado pelo médico através do vídeo.
"O monitoramento indireto, por vídeo, exige do médico uma noção da anatomia muito maior", explica Nilton Kawahara, coordenador do setor de Videolaparoscopia da Cirurgia-Geral do Hospital das Clínicas. "A distância dos órgãos não é sentida com as mãos, mas calculada por meio de imagem."
Os instrumentos usados numa cirurgia pediátrica são muito mais delicados. "Hoje, as cânulas (pequenos tubos) usadas em criança têm 3 milímetros de diâmetro", diz Kawahara. "No adulto, elas têm cerca de 10 milímetros."
Em crianças, a videolaparoscopia é indicada com segurança para apendicite, retirada da vesícula, correção de fluxo gastroesofágico (quando a comida volta do estômago para o esôfago), testículo intra-abdominal (quando o testículo não desceu para a bolsa escrotal), cisto no ovário e algumas biópsias. "Não faz sentido usar em cirurgias de retirada de peças grandes", diz Uenis Tannuri, cirurgião pediátrico do Sírio Libanês.
CORRENDO APÓS OPERAÇÃO
Andressa Martins Araújo, de cinco anos, foi operada de apendicite há três meses. "Não tinha idéia de que uma criança poderia ser operada com esse tipo de cirurgia", diz Miriam, mãe da menina. "A recuperação da Andressa foi inacreditável. Ela foi liberada para correr, brincar em dez dias."
O corte é um dos fatores que prolongam o tempo de internação. "O organismo reage, produzindo células para reparar a incisão e isso requer um grande esforço", conta Jovelino Quintino Leão, cirurgião pediátrico do Hospital São Luiz.