Foi providencial, de certa forma, que a Emenda n.º 3 tenha sido vetada pelo presidente da República, os pontos polêmicos podendo ser exaustivamente debatidos, já que não foram sepultados, e uma nova proposta, se for o caso, apresentada. Parece ser a intenção do Congresso Nacional.
O Brasil precisa, sem dúvida, sair do longo apagão produtivo que o mantém, há anos, comendo o pó dos países emergentes, desenvolvendo as suas imensas potencialidades, valendo todos os esforços, mas sem recorrer a pacotes, planos e fórmulas salvadoras que, no final, podem resultar em mais conflitos do que temos hoje.
Embora sintética, a emenda exaltou os ânimos de entidades de empresários, dos trabalhadores, além dos parlamentares e do próprio governo, forçado a tomar uma posição. Contra, no caso. É que estão em jogo, de forma explícita ou implícita, conceitos fundamentais, contemplados em nossa ordenação legal, de pessoa jurídica, relação de trabalho, vínculo empregatício, autoridade fiscal e direitos trabalhistas, como se pode conferir na íntegra: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial”.
Além dos segmentos referidos, a emenda colocou em pé-de-guerra os auditores que atuam na fiscalização das empresas, levantando a suspeita de vir a inibir a verificação da situação das chamadas pessoas jurídicas de um único sócio, condicionada a decisão judicial. Ocorre que a maioria dessas empresas é da área de serviços, que sai dessa discussão estigmatizada como eivada de irregularidades. A verdade é que este setor, além de tolhido na sua expectativa de crescer, tem sofrido injustificáveis perseguições, nos últimos anos, lembrando, entre as mais agressivas, a tentativa de aprovação da MP 232, que aumentava os impostos.
É importante destacar que essa emenda fazia parte do grande projeto de lei, não menos polêmico, que acaba de unificar as secretarias das receitas Federal e da Previdência, criando a monstruosa Super-Receita, na esteira da tendência preocupante em que o Estado assume caráter eminentemente fiscal, aperfeiçoando os seus sistemas de arrecadação, aumentando sorrateiramente a carga tributária, sem a contrapartida do controle dos seus gastos e o compromisso de oferecer bons serviços à sociedade.
Não que irregularidades nas empresas devam ser toleradas, mas os abusos das instâncias fiscais precisam ser atenuados. Um exemplo são as multas pesadíssimas que o fisco federal aplica a contabilistas, por erros mínimos, cometidos via de regra por causa do grande número de normas e obrigações com as quais os profissionais lidam diariamente. Que a Super-Receita venha para ajudar o país a avançar institucionalmente, economicamente, socialmente, e não para atrapalhar ainda mais.
Se retomada, a questão não pode, portanto, deixar de levar em conta essas considerações e conceitos. Tenha em mente o Congresso, enfim, que são sempre bem-vindas alterações constitucionais que fortaleçam nossas caras conquistas democráticas, reduzam os impostos e simplifiquem o sistema de tributação, regras e exigências fiscais. Essas sim podem minimizar as ilegalidades e incentivar negócios a sair da clandestinidade, gerando empregos e contribuindo com o crescimento do Produto Interno Bruto do país.
A propósito, já não temos leis, planos e medidas demais? Não seria o momento de ver o que serve e o que não serve, a começar pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)?
Maurício Fernando Cunha Smijtink é Contador, empresário da contabilidade e presidente do CRCPR; e-mail: mauricio@crcpr.org.br