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A frenética busca de dinheiro carimbado

            Ao abrir a discussão da regulamentação da emenda 29, que trata das verbas para a Saúde, o governo já sabia, de antemão, que a bancada do "jaleco", tão ou mais articulada do que a conhecida bancada da agricultura, ia pressionar pelo aumento dos recursos carimbados para o setor.

            Uma simples dúvida, porém, surge em meio a esse debate. De 2000 para cá, o orçamento do Ministério da Saúde, indexado à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), mais do que dobrou. Era de R$ 20 bilhões em 2000, saltou para R$ 44,1 bilhões este ano e deverá ser de R$ 47,8 bilhões em 2008, conforme proposta do Orçamento da União (dados em valores de 2008, com base numa inflação de 4,5% neste e no próximo ano). A qualidade dos serviços, porém, não seguiu a mesma trajetória e as tragédias nos hospitais públicos prosseguem. A dúvida, portanto, é se o maior problema da saúde no Brasil ainda é de falta de dinheiro.

            As propostas de regulamentação da emenda 29 que tramitam no Congresso são mirabolantes. Ou sugerem a indexação do orçamento da Saúde a 10% da receita corrente bruta do governo federal, ou, numa variação dessa idéia, a 18% da receita corrente líquida. Mudanças que representariam acréscimo de até R$ 23 bilhões no orçamento anual do ministério, passando dos atuais R$ 47, 8 bilhões para R$ 71,4 bilhões já em 2008. O mais curioso é que há parlamentares da bancada da Saúde insinuando que o governo está acenando com a possibilidade de apoiar um desses projetos, caso votem a favor da prorrogação da CPMF.

            Aprovada em setembro de 2000, a emenda 29 definiu como seriam os gastos com saúde até 2004 e estipulou que, a cada cinco anos, a regra deveria ser reavaliada. Na época, os gastos com essa área eram discricionários, ou seja, não estavam legalmente predefinidos e carimbados, e o agravamento das contas da Previdência Social havia levado o governo a usar, para cobrir as despesas da seguridade, parte das fontes de financiamento originalmente destinadas à saúde.

            José Serra, na época ministro da Saúde, ao lutar pela aprovação da emenda 29, pretendeu evitar que a cada decisão de arrocho fiscal, o governo podasse recursos do ministério. Propôs, originalmente, que houvesse uma fórmula que garantisse a liberação dos recursos com base num valor per capita, conforme relato do economista José Roberto Afonso, que na ocasião assessorava Serra.

 

Verba duplica, mas qualidade da saúde ainda é baixa

 

            “Era um movimento defensivo, para não perder recursos, e não para ganhar mais recursos”, conta José Roberto. Um determinado valor per capita garantiria a existência dos recursos ao longo dos ciclos econômicos, fosse o período de recessão ou de crescimento. O gasto per capita, que era de R$ 201,56 em 1999, este ano é de R$ 248,12.

            Simultaneamente a esse movimento, havia um outro, de elevar gradativamente as aplicações obrigatórias em saúde por parte dos Estados e municípios, numa clara tendência de descentralização. Nas negociações com a equipe econômica de então, o acerto acabou sendo de indexação do orçamento da saúde à variação nominal do PIB, mecanismo que deveria durar até 2004, mas que prevalece até hoje. Do lado da descentralização, ocorreu o seguinte quadro: os recursos aportados pela União, que representavam 1,73% do PIB em 2000, correspondem, desde 2006 a 1,75% do PIB. Nos Estados, nesse mesmo período, os gastos saltaram de 0,54% para 0,80% do PIB, e, nos municípios, de 0,63% para 0,94%. do PIB, totalizando, assim, um gasto público equivalente a 3,49% do PIB.

            A regulamentação da emenda 29, em debate agora, vai em duas direções: discutir conceitualmente o que é gasto com saúde, e definir como será o financiamento dessa despesa. Como não está escrito em lugar algum o que pode ser contabilizado como despesa de saúde, governadores e prefeitos acabam tendo flexibilidade para cumprir sua parte agregando ao orçamento gastos com obras de saneamento básico, merenda escolar, entre outros. O Tribunal de Contas da União já deu alguns passos para essa definição, ao decidir, por exemplo, que o gasto de um hospital universitário, que atende à toda a população, é despesa com saúde. Já o orçamento do Hospital das Forças Armadas, que só atende aos militares e seus familiares, é gasto com defesa.

            Pela legislação, hoje cabe aos Estados aplicar um mínimo de 12% das receitas totais em saúde. Para os municípios, o percentual mínimo sobe para 15%. Dos 27 Estados, apenas 8 cumprem a regra. Dos 5.500 municípios, apenas 130 não a cumprem. Na conta final, estariam, governadores e prefeitos, devendo algo como R$ 5,7 bilhões para o orçamento geral da saúde.

            Até as paredes em Brasília sabem que o dinheiro destinado à saúde é mal aplicado, e que a existência de escândalos, como o caso recente da máfia dos "sanguessugas", que foi inclusive objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), tem a vida facilitada pela segurança de que a verba a cada ano é líquida e certa, faça chuva ou faça sol. Em troca do repasse dos recursos, não há cobrança de eficiência, boa gestão, produtividade, o que acaba levando a uma certa negligência com o dinheiro público.

            O ministro José Gomes Temporão, em entrevista ao Valor, reconheceu que existem sérios problemas de gerenciamento no sistema. Mas não forneceu qualquer indicação de que está tomando medidas concretas para enfrentar esses obstáculos. Ao contrário, o foco do ministro da Saúde, assim como o da Frente Parlamentar da Saúde, é obter mais dinheiro carimbado.

            Medir a eficiência da saúde pública não é algo trivial. Trata se, sem dúvida, de uma área complexa, da qual depende a vida das pessoas. Mas antes de se entregar mais alguns bilhões para o orçamento da Saúde, cabe às autoridades desvendar o enigma de por que o orçamento da Saúde mais do que duplicou de 2000 para cá e , aparentemente, isso em nada melhorou a qualidade do serviço.