A Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou ontem que pelo menos três pacientes submetidas a um tipo de preenchimento facial, procedimento estético não-cirúrgico, também podem ser vítimas das micobactérias de crescimento rápido, que já causaram lesões de difícil cicatrização em 76 pessoas só neste ano. Micobactéria é um tipo de bactéria comumente encontrada no solo e na água, que causa lesões no organismo. Os dois tipos investigados – M. abcessus e M. massiliense – estão chamando a atenção pelo grande número de casos, inédito no mundo.
As novas notificações, todas de pacientes do sexo feminino, foram registradas no mês passado, em Minas Gerais, e surpreenderam especialistas porque, até então, somente pessoas operadas por diferentes técnicas cirúrgicas, principalmente as videocirurgias, vinham sendo contaminadas. O preenchimento facial, no entanto, é executado no consultório, e o médico apenas aplica injeções de produtos para recuperar o contorno e o volume facial – não há cortes ou introdução de cânulas no corpo do paciente. Todos os casos ocorreram após o uso de um produto a base de ácido poli-L-láctico, o Sculptra, da Sanofi-Aventis.
Apesar de não haver evidência de envolvimento direto do produto nas contaminações, será feita uma apuração sobre o caso. Também serão analisados os procedimentos médicos e a água usada na diluição do produto.A Sanofi destacou ontem que o produto tem rigoroso controle de qualidade.
A infectologista Raquel Guimarães, que atendeu uma paciente de Minas em Maceió, notificou a Anvisa na última sexta-feira depois de receber três exames da mulher afetada positivos para bactérias do grupo Mycobacterium chenolae. "Desconfiamos que poderiam ser as micobactérias porque eram lesões de difícil cicatrização e nodulares. Para nós, foi uma surpresa", disse Raquel. Segundo a infectologista, a paciente se mostrou muito abalada. "Imagine, era uma pessoa saudável que agora está sofrendo transtornos de todos os tipos, dos psicológicos às cobranças de explicações pela família", continuou a médica.
Segundo a Anvisa, além da nova investigação sobre os preenchimentos faciais, outros 153 casos suspeitos estão sendo apurados . Os 76 já confirmados ocorreram em Goiás, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. No entanto, no ano passado, outros 851 casos foram registrados, principalmente no Espírito Santo e Rio de Janeiro, associados à falta de limpeza de materiais cirúrgicos, como revelou o Estado em outubro de 2007. Em junho deste ano, a agência reconheceu a volta do problema e o então diretor da Anvisa Claudio Maierovitch destacou que se tratava de uma epidemia.
Ainda segundo a agência, a maioria dos casos estudados não ocorreu em procedimentos estéticos, mas com videocirurgias. Na última sexta-feira, a Anvisa divulgou nota prometendo investigação também sobre o glutaraldeído, produto utilizado na desinfecção dos instrumentos cirúrgicos e que também pode estar contaminado pelas bactérias.
Para a pneumologista Margareth Dalcolmo, que assessora o Ministério da Saúde, o glutaraldeído deveria ser imediatamente suspenso até a análise ficar pronta. Procurada, a Anvisa não respondeu sobre isso. A especialista e outros pesquisadores também cobram o estabelecimento de uma rede oficial de pesquisa sobre as bactérias e a notificação compulsória de casos. Ainda segundo Margareth, a agência deveria divulgar os hospitais e clínicas que registraram casos de infecção. "Os pacientes têm o direito de saber."
Trocar equipamentos evita o problema, diz SBPC
O presidente da regional Rio da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC-RJ), Sergio Levy, determinou que os instrumentos usados há mais de cinco anos devem ser trocados para prevenir infecção por micobactéria. "A Anvisa fez essa recomendação em reunião. Eles também estão elaborando um protocolo mais completo", disse.
No Rio, já há dois casos de contaminação confirmados, um em cirurgia de videolaparoscopia e outro em cirurgia de emagrecimento, afirmou ele. Também há casos em Minas Gerais.
No Espírito Santo, uma contaminação durante cirurgia plástica foi confirmada em 15 de julho e outras três estão sendo investigadas. O surto fez com que a Secretaria de Estado da Saúde suspendesse, na semana passada, todas as cirurgias de lipoaspiração.
O Laboratório Central identificou a contaminação por Mycobacterium abscessus do tipo 1, diferente da que causou um surto em 2007, a Mycobacterium massiliense do tipo 2, com 248 notificações.
Segundo Levy, a superbactéria é resistente aos procedimentos de esterilização realizado pelos hospitais, e se localiza principalmente nas cânulas (instrumentos para videocirurgias), que devem ser trocadas periodicamente. Para a SBCP-RJ o ideal é que a troca seja feita a cada dois ou três anos. "Inicialmente pensou-se em fazer cânulas descartáveis, mas haveria problema na fiscalização", disse ele.
O presidente da regional do Espírito Santo, José Renato Harb, considerou a suspensão das cirurgias um exagero e queixou-se do preconceito em relação à cirurgia plástica. De acordo com ele, há 92 cirurgiões plásticos no Estado, responsáveis por 7.500 procedimentos ao ano. Destes, 40% são lipoaspirações ou lipoesculturas. Ele afirmou que um outro surto, em 2007, fez com que a secretaria revisse os métodos de atuação em caso de contaminação por micobactéria.