A sustentabilidade do sistema de Saúde é um tema que atormenta os gestores da área e exige medidas alternativas para equilibrar um modelo carente de inovação. Em meio a isso, costumo dizer que o desperdício é o nome do jogo, e tal premissa põe em xeque um dos itens mais desejados do pacote de benefícios oferecido pelo mundo corporativo: a assistência médica. Os gastos com saúde representam a segunda maior despesa das organizações, atrás apenas da folha de pagamento, segundo levantamento realizado pela Mercer Resource. Tornou-se desta forma um fardo financeiro para as empresas – a ponto de um estudo revelar que, até 2008, uma empresa que integra as maiores da "Fortune 500" gastará em benefícios de saúde o mesmo que vai gerar em lucros.
A medicina privada no Brasil vem diminuindo não só proporcionalmente ao total, mas também em números absolutos. Hoje em dia, o sistema privado, dito suplementar, reúne 35 milhões de usuários; há cinco anos, eram 41 milhões. Trata-se de um recuo assustador, merecedor de reflexões e imersões. O usuário não mais contrata o benefício de saúde como antigamente e, quando o faz, exige da fonte pagadora um gerenciamento mais rígido e efetivo com menores custos. A fonte pagadora, anteriormente um elo que assumia riscos frente às sinistralidades, vem desempenhando cada vez mais o papel de um administrador de recursos que, por meio de indicadores (medicina baseada em evidências científicas, gestão de qualidade, co-participação do usuário), contrata os serviços de provedores que são acompanhados e medidos em sua performance.
Fica claro que, se saúde não tem preço, tem custos e desperdícios. Nesse cenário, a inflação médica chega a ser três vezes maior que a da economia como um todo. Perversamente, fica a pergunta: como financiar o segmento, diante de valores cada vez mais onerosos? Há, aqui, uma lógica paradoxal: a incorporação tecnológica encarece os tratamentos. Nesse setor, as novas tecnologias são indicadas sem que as antigas sejam aposentadas. Assim, as empresas estudam brechas para minimizar a influência dos gastos com planos de saúde em seus balanços financeiros. Nessa jornada, as organizações vão precisar de funcionários cada vez mais comprometidos e conscientes dos cuidados com a saúde, pois colaborador saudável reduz custos. O objetivo é pragmático: uma força de trabalho sadia evita despesas no futuro.
Esses esforços corporativos passam pela ênfase na prevenção, na educação, na segmentação de risco e no acompanhamento de pacientes crônicos, por exemplo. Essas medidas, no entanto, contribuem para a busca de soluções, mas por si não resolvem. Na outra ponta, a melhor alternativa para esse fosso seria a combinação entre os sistemas público e privado. Como prover uma medicina de Primeiro Mundo com um orçamento para a Saúde que é 1/50 e um gasto com medicamentos 35 vezes maior que o dos Estados Unidos? Em um país como o Brasil, a complexa equação do atendimento total à saúde não será resolvida sem uma sinergia, cada vez mais visceral, entre os serviços públicos e privados. Vale aqui a ressalva de que para algumas complexidades existe necessidade de uma inserção maior, que sinergize o próprio SUS com o sistema privado em face justamente da necessidade de escala para a sustentabilidade. No transplante hepático isto já ocorre, diante da incapacidade de financiamento privado e questões relativas a expertise e competência.
A bem de suas peculiaridades, precisamos avançar num debate capaz de transformar a estrutura do sistema nacional de saúde. Para uma boa prática assistencial, o valor agregado aos serviços passa a ser valorizado e questionado pelo gestor e, principalmente, pelo consumidor final, a quem cabe a tarefa de financiá-lo. Cabe aqui a ressalva de que este consumidor, num cenário de inclusão digital e de transparência, reúne condições de comparação de atos médicos em âmbito globalizado. E aos gestores, respostas efetivas para essas demandas provocadas por um planeta conectado e globalizado.
CLÁUDIO LOTTENBERG é presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.