No ano passado, o Ministério da Saúde enviou R$ 1 bilhão aos Estados para ajudar na compra de pouco mais de cem tipos de remédios de alto custo, que obrigatoriamente devem ser distribuídos pela rede pública de saúde. De acordo com os governos estaduais, porém, o dinheiro é insuficiente e a lista de drogas é pequena demais para as necessidades da população.
Um levantamento feito nesta semana pelo Estado mostra que 15 das 27 unidades da Federação se viram obrigadas a ampliar por conta própria a relação de medicamentos de alto custo (veja quadro ao lado). Esses remédios adicionais são comprados integralmente com verba estadual, sem ajuda do Ministério da Saúde.
"Nós não podemos deixar os pacientes sem os medicamentos", explica Luiz Fernando Ribas, diretor do Centro de Medicamentos do Paraná. "Estamos falando de um paciente com hepatite C e cirrose ou de um paciente que fez transplante de rim. Ficar sem o medicamento significa a morte."
O Estado mostrou na edição de ontem que o Ministério da Saúde não atualiza a lista de alto custo há quatro anos – apesar das pressões dos pacientes, dos tribunais, dos laboratórios farmacêuticos e, principalmente, dos governos estaduais.
"A medicina é uma área que duplica seus conhecimentos a cada quatro anos. Praticamente todo dia há uma novidade", diz José Vílmore Silva Lopes Júnior, gerente do Departamento de Assistência Farmacêutica do Piauí. "A lista do ministério ficou pequena. É urgente que se faça uma atualização", acrescenta a secretária da Saúde de Roraima, Eugênia Glaucy.
Os remédios de alto custo, também chamados de excepcionais, são aqueles indicados para o tratamento de problemas de saúde mais complicados, como as hepatites B e C, a esclerose múltipla, a esquizofrenia e a falência renal, e para evitar a rejeição de órgãos transplantados. São distribuídos pelos Estados.
Entidades médicas afirmam que a lista de medicamentos excepcionais não inclui itens fundamentais para o tratamento de problemas freqüentes de saúde, como o acidente vascular cerebral e o glaucoma.
LISTA GAÚCHA
O Rio Grande do Sul tem uma lista de "medicamentos especiais". São os remédios de alto custo que não fazem parte da lista obrigatória do Ministério da Saúde. Enquanto a relação federal tem 102 itens (ou 226, se forem consideradas as diferentes concentrações e apresentações de um mesmo produto), a gaúcha contém 57 e contempla problemas como mal de Chagas, herpes, câncer de próstata e transtorno de hiperatividade com déficit de atenção. A população do Rio Grande do Sul, portanto, recebe 159 tipos de droga.
"Oferecemos esses medicamentos porque a demanda é grande", explica o secretário estadual da Saúde, João Gabbardo dos Reis, que comprova o argumento com números: a lista federal beneficia 40 mil gaúchos; a relação estadual, 80 mil. Nos últimos quatro anos, a Secretaria da Saúde atualizou a lista duas vezes.
Os secretários da Saúde se reuniram com o ministro da Saúde, Agenor Álvares, em julho. Saíram com a promessa de que a lista receberá novos itens até o fim deste mês. Seria a primeira atualização feita pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tentará se reeleger nas eleições de outubro.
O Ministério da Saúde explica que designou grupos para acompanhar e discutir as pesquisas científicas que buscam novos tratamentos. São esses grupos que decidirão que drogas passarão a ser cofinanciadas pelo governo federal.
O preço alto pode impedir a inclusão de remédios. "Todo o processo de absorção de novas tecnologias e medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) deve obedecer à relação entre demanda, eficácia e custos", argumenta o ministério.
FINANCIAMENTO
Além do tamanho da lista, os Estados se queixam dos valores repassados por Brasília. Em média, o governo federal cobre 80% do custo dos medicamentos excepcionais. Mas isso varia bastante. Roraima diz que sua parte no financiamento, em vez de 20%, chega a 85%.
O Ministério da Saúde responde que se responsabiliza apenas pelo preço de tabela dos remédios e que o valor adicional, qualquer que seja, é complementado pelos Estados.
"Os valores estão defasados. Estamos negociando com o ministério o ajuste dessa proporção. Os Estados pagam muito mais que 20%", diz o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso Silva.
Ele é o secretário da Saúde do Ceará, onde 44% do valor das drogas de alto custo é pago pelo governo estadual. Do orçamento de R$ 1 bilhão que a secretaria teve no ano passado, R$ 90 milhões foram gastos com medicamentos excepcionais.
Na rede pública de saúde há ainda os chamados medicamentos básicos. São aqueles encontrados nos postos de saúde, como analgésicos, antiinflamatórios, antitérmicos e antiparasitários. São fornecidos pelas prefeituras, com verbas municipais, estaduais e federais.
Lista desatualizada gera ações na Justiça
A defasagem da lista de medicamentos de alto custo que o Ministério da Saúde ajuda a financiar cria ainda outro problema para os Estados: o número crescente de ações judiciais.
Como a Constituição garante que a saúde é direito de toda a população e dever do poder público, doentes recorrem aos tribunais quando não encontram no sistema público de saúde os remédios de que necessitam.
"A demanda judicial vem sempre para cima do Estado, não do ministério", diz Jurandi Frutuoso Silva, secretário da Saúde do Ceará e presidente Conselho Nacional dos Secretários de Saúde.
Segundo um levantamento feito pelo Estado, os governos foram obrigados pela Justiça no ano passado a gastar pelo menos R$ 292 milhões com remédios.
Os secretários da Saúde são obrigados a cumprir a decisão dos tribunais imediatamente, sob pena até de serem presos.
Os Estados poderiam pagar menos pelos mesmos itens se fizessem parte da rede pública – seriam comprados em grandes quantidades e por licitação.
As ações judiciais são um dos motivos que levaram 15 governos a criar listas próprias de drogas de alto custo, que não dependem de recursos do Ministério da Saúde.
Os secretários trabalham na elaboração de um projeto de lei que impediria os doentes de pedir – por meio da Justiça – remédios que ainda não receberam autorização de comércio no Brasil.
"O doente tem o direito de receber o medicamento. Mas não podemos fornecer drogas que não fazem parte dos protocolos clínicos", afirma o secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, João Gabbardo dos Reis. "Esses gastos viraram um saco sem fundo. Aparecem e atrapalham todo o nosso planejamento."