Como deve ser a orientação de restrição de água e sal para pacientes com insuficiência cardíaca? Suplementos nutricionais, aminoácidos e isotônicos devem ser proibidos em atividades esportivas? Posso liberar um paciente cardíaco para participar de uma maratona? Essas são algumas das dúvidas que serão apresentadas no 27º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), de 25 a 27 de maio em Campos do Jordão. De quem são as perguntas? Dos próprios cardiologistas.
O nível de simplicidade pode impressionar pacientes que, embora não saibam as respostas, imaginam que seus médicos deveriam conhecê-las de cor e salteado. Mas não choca o presidente do congresso, Fábio Sândoli de Brito. "Há oito anos participo dessas mesas de discussão. As perguntas sempre foram parecidas", diz ele.
Graças ao contato direto com a inexperiência clínica de alguns colegas, Sândoli decidiu criar uma sessão de perguntas e respostas pré-programadas nos congressos da Socesp. A de maio será a primeira. Em poucos meses, o médico recebeu cerca de cem perguntas, enviadas principalmente por cardiologistas do interior do Estado, de Minas, Goiás e Mato Grosso. Algumas são complexas. Boa parte, porém, diz respeito a questões básicas, como as já citadas (veja exemplos abaixo).
O cardiologista Carlos Serrano, do Hospital Albert Einstein, do Instituto do Coração (Incor) e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, teve acesso às dez perguntas mais simples dos colegas e fez sua avaliação. "As questões são muito simples e mostram que há um desnível em relação aos profissionais dos grandes centros", diz. "Certamente, eles não têm fácil acesso às informações. O congresso vai cumprir essa função com a sessão didática."
As respostas estão sendo elaboradas por uma equipe. Cada uma deverá durar, no máximo, três minutos. "Estou seguro de que essa sessão será bem mais disputada do que os debates científicos", avalia Sândoli.
A simplicidade das questões levanta discussão sobre a formação médica, principalmente a dos especialistas. "Falta educação continuada de qualidade para os médicos que estão fora dos institutos de pesquisa", avalia Sândoli. José Luiz do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), complementa: "A cardiologia brasileira é reconhecida internacionalmente. O que está faltando é uma estratégia que coloque o médico de ponta em contato com doentes e profissionais de regiões mais distantes".
RECICLAGEM FORÇADA
O cardiologista Fábio Jatene, do Incor, pondera: "A desinformação é cada vez mais comum em todas as áreas médicas e no mundo todo". "A cada quatro anos, metade do conhecimento médico se torna descartável por conta da velocidade das informações. Em países como Inglaterra e Holanda, há muito tempo o especialista tem que revalidar o certificado de especialista a cada cinco anos."
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina instituiu no ano passado a revalidação dos títulos para os médicos das 52 especialidades no País. Eles têm cinco anos para atingir cem pontos em atividades de educação continuada, como jornadas científicas, publicação de artigos e participação em congressos. Quem não pontuar será submetido a uma prova elaborada pela sociedade médica de sua especialidade. Os reprovados perderão o certificado de especialista.
‘Libero ou não paciente cardíaco para uma maratona?’
Veja cinco exemplos das perguntas mais básicas que foram enviadas para o congresso paulista de cardiologia, com suas respectivas respostas:
Como deve ser a avaliação física de paciente com inflamação do músculo cardíaco causada por vírus que quer entrar na academia?
O médico deve suspender atividades físicas. Em alguns casos, a miocardite é curada sem deixar seqüelas. Mas, na maioria das vezes, o coração fica com disfunções.
Suplementos nutricionais, aminoácidos e isotônicos devem ser vetados em atividades esportivas?
Suplementos e aminoácidos só devem ser consumidos com prescrição médica ou de nutricionista. Altas doses de aminoácidos sobrecarregam os rins, responsáveis por eliminar justamente o excesso dessas substâncias. Os anabolizantes (hormônios esteróides) podem até facilitar a perda de gordura e aumentar a massa muscular, mas às custas de prejuízos à saúde e até risco de morte. O médico deve ficar atento aos suplementos com efedrina, substância que pode aumentar a pressão e causar alterações no ritmo cardíaco. Os isotônicos devem ser consumidos só em caso de perda de peso – depois da atividade física – superior a 1,5 kg.
Como deve ser a orientação de restrição de água e sal para pacientes com insuficiência cardíaca?
Em pessoas normais, o limite de sal deve ser de 6 gramas por dia e de dois litros de água. Para quem sofre de insuficiência cardíaca, a quantidade deve ser menor e individualizada. Insuficiência cardíaca é a incapacidade do coração exercer sua função principal, que é bombear sangue para todo o organismo. Quando ingerimos sal e água em excesso, o acúmulo de líquido no corpo é maior e isso faz com que o coração tenha de trabalhar mais. A retenção de líquidos no organismo provoca inchaço nas pernas, crescimento do fígado e acúmulo de água nos pulmões.
Um paciente sedentário com doenças cardíacas, mas em tratamento adequado, decidiu participar de uma maratona. Libero ou não?
Provas de resistência requerem alto grau de condicionamento do coração, circulação, pulmão, ossos, articulações e músculos. Não basta estar medicado. Candidatos à prática desse tipo de prova devem fazer uma bateria de testes clínicos e cardiológicos. Mesmo com a avaliação especializada, o paciente tem de passar por um período de preparação física com testes médicos a cada 60 dias, começando no mínimo seis meses antes da maratona.
Um médico de 45 anos com hipertensão controlada quer fazer montanhismo de alto nível. Como orientá-lo?
Esportes em lugares com mais de 3 mil metros de altura não podem ser praticados por quem tem pressão alta. A hipertensão é o aumento da pressão que o sangue provoca nas paredes das artérias ao circular pelo corpo. O esforço físico necessário em altitudes altas requer maior condicionamento físico, cardíaco, circulatório e respiratório. Acima de 3 mil metros, o coração também sofre por causa da dificuldade que o organismo tem em respirar, já que o oxigênio é o seu principal alimento.
Fontes: Fábio Sândoli de Brito, presidente do 27.º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), e Marcus Bolívar Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas GeraisDúvida Médica