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Ética para a saúde

Embora a atual Constituição Brasileira seja denominada de ”Constituição cidadã”, nem tudo em nosso país funciona tão bem a ponto de se preservar a cidadania de todos. Alguns setores carecem ainda de alguns ajustes. O segmento saúde, por exemplo, permanece acumulando perdas em várias frentes e sempre prejudicando a dignidade do ser humano. É hora de mobilizarmos e elaborarmos um código que tenha como fundamento principal a eticidade, principalmente no que diz respeito à relação médico-paciente.

A Lei de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) incumbiu-se de preencher fantástica e indesejável lacuna que existia nas relações de consumo, onde sempre o produtor representava o poder econômico, em detrimento do Consumidor-hipossuficiente, sendo certo que essa assertiva é comprovada e aplaudida por todos. Mas, no que diz respeito à relação médico-paciente, as questões se tornaram caóticas e exageradas. Esqueceu-se de que no campo dos fornecedores de serviços profissionais liberais ambas as partes envolvidas devem ser alvo de proteção e defesa das garantias fundamentais previstas na dignidade da pessoa humana, conforme estabelece o inciso III, Art. 1º da Constituição Federal. Diante desse quadro, surge a oportunidade para a elaboração de um Código Nacional da Saúde, onde o vínculo entre médicos e pacientes seja respaldado pelo Novo Código Civil, sobretudo nos casos de possíveis erros médicos, tudo à luz da eticidade. Há anos alertamos para essa necessidade, tendo em vista a inadequação de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor para tais relações. É preciso regulamentação, mas não sob os preceitos das relações de consumo.

Os rigores protecionistas e defensivos passaram a ser usados em desfavor da pessoa humana do esculápio. Dessa forma, inversões do ônus da prova, concessões de Gratuidade da Justiça e pedidos de valores exorbitantes para danos morais trouxeram uma década rica em demandas judiciais ajuizadas contra os médicos em todo o país. Existem estatísticas denunciando que em 80% das ações contra médicos, o médico vence, sendo cruel a realidade que em 100% dos casos ele é processado. É a repetição do modelo norte-americano, gerando a ”indústria do dano”.

Na Europa, a responsabilidade objetiva (aquela que independe de culpa) é utilizada para o Produtor, mas com relação ao Fornecedor de serviços só é aplicada quando o dano representar 30% ou mais de perda da capacidade laborativa. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor trouxe a responsabilidade objetiva para todos os produtores e fornecedores de serviços, gerando uma demanda incomensurável de ações judiciais descomprometidas com a eticidade e a boa fé.

O Código Nacional de Saúde surge com a oportunidade de resgatar a imensa lacuna de leis civis ocorridas entre 1917 e 2002, propiciando a fuga dessa legislação defensiva e protecionista em seara consumerista para um ordenamento baseado na ética, em total respeito às respectivas dignidade das pessoas humanas que compõem a relação médico-paciente.

A sociedade brasileira precisa ficar atenta em não seguir o modelo americano, que dizimou médicos obstetras em vários estados, em função do absurdo ocorrido entre jovens que não conseguiam ingressar nas universidades e responsabilizavam esses médicos por supostos problemas no parto.

No último dia 18 de setembro, reuniram-se, no Rio, os principais especialistas da responsabilidade civil médica, além das principais entidades médicas do país, que entregaram a Carta do Rio de Janeiro para a Frente Parlamentar de Saúde, propondo a criação do Código Nacional de Saúde.

Nossos médicos, cerca de 250 mil em todo o país, merecem respeito e precisam de paz para o digno exercício da profissão, respeitando o mais absoluto interesse da saúde do paciente.

*Presidente da Comissão de Biodireito do Instituto de Advogados Brasileiros (IAB)