Agora é lei. O orçamento de 2004, estimado em R$ 30,6 bilhões, foi aprovado ontem pelos deputados, por 50 votos a nove, legitimando a inconstitucionalidade apontada pelos Ministérios Públicos federal e estadual na proposta enviada pela governadora Rosinha Matheus à Assembléia Legislativa. A Alerj aprovou a transferência de R$ 412 milhões do Fundo Estadual de Saúde para financiar projetos sociais. A medida contraria recomendações feitas por procuradores federais e promotores estaduais, que alertaram a governadora e os deputados sobre a necessidade de emendar o texto original do orçamento, para evitar a transferência. A promotora Glauce Cavalcanti, uma das autoras da recomendação do MP estadual, alerta que cabe agora aos partidos políticos e entidades civis argüirem a inconstitucionalidade da lei. A bancada do PT e o deputado estadual Otávio Leite (PSDB) vão entrar nas Justiças estadual e federal com ações diretas de inconstitucionalidade contra o orçamento da saúde. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a mesma recomendação do Ministério Público federal e modificou a proposta original de transferir recursos da Saúde para projetos sociais. Na execução orçamentária de 2004 a governadora voltará a aplicar o limite mínimo de 5% de repasse para o Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam). Antes da mudança, este ano, o percentual era de 20%.
– As armas do Ministério Público são finitas. O que podemos fazer é esperar a execução orçamentária, para, então, questioná-la judicialmente – disse a promotora.
O Ministério Público federal só vai se manifestar depois de oficialmente informado sobre a aprovação da lei.
Estado só gastou 42% das verbas para Saúde
Uma leitura dos números do estado revela que, na prática, a governadora já começa a reduzir os gastos na Saúde. Dados do Sistema de Acompanhamento Financeiro do estado (Siafen) mostram que o governo gastou, até 31 de outubro, apenas 42% do total previsto na dotação orçamentária deste ano para a Saúde: R$ 938 milhões dos R$ 2,2 bilhões.
Em relação a 2003, além da Saúde, perdem recursos o meio ambiente e as universidades. Ganharão mais recursos em 2004, ano eleitoral, a segurança pública, os projetos sociais e a pasta de Habitação. A discussão sobre as perdas na Saúde acirrou os ânimos no plenário e levou a votação até o fim da noite. O PT, único partido que votou em bloco contra o orçamento, apresentou seis destaques para tentar recompor as perdas na Saúde com a inclusão dos projetos sociais. Novamente foi derrotado. Em represália, a bancada governista ameaçou derrubar as emendas individuais dos petistas, mas voltou atrás com a intervenção do presidente da Casa, Jorge Picciani (PMDB).
Além do PT, votaram contra o orçamento os deputados André do PV e Otávio Leite.
– Este orçamento mostra que o Rio mais uma vez prova que caminha contra a maré e não tem uma política estrutural. Outros estados, governados pelo PT, PSDB ou PMDB, não mexeram na verba da Saúde – protestou o deputado Paulo Pinheiro, integrante da Comissão de Saúde da Alerj.
À proposta enviada por Rosinha à Alerj, foram acrescentadas 5.953 emendas dos deputados, a maioria dentro do limite de R$ 1 milhão garantido por Rosinha para cada parlamentar.
Não é só na Saúde que os limites constitucionais mínimos foram modificados. Na Ciência e Tecnologia, emenda constitucional aprovada anteontem pelos deputados fixa em R$ 100 milhões o limite mínimo de repasse para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Faperj). O valor vai aumentar de acordo com o crescimento da arrecadação tributária. A partir de 2007, o percentual de 2% voltará a vigorar, só que passará a incidir sobre a arrecadação líquida.
Uma modificação entre o texto acordado entre os cientistas e o aprovado anteontem causou indignação entre os cientistas: o conceito de arrecadação líquida é explicado, no texto aprovado, como “receitas de impostos, excetuando repasses constitucionais e legais”. A palavra “legais” dá margem, segundo a secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Maria Eulália Vargas, à utilização dos recursos para qualquer fim que o estado desejar.
A argumentação do secretário de Ciência e Tecnologia, Fernando Peregrino, é de que nenhum governo cumpriu o limite mínimo de 2% do repasse, porque a base de cálculo (a receita bruta) era irreal:
– A lei estabelece um piso.
A diminuição gerou desconforto entre os cientistas:
– A argumentação do estado é conformista. A gente não muda a lei porque não consegue cumpri–la. Tem é que se adequar – argumentou Roberto Lent, professor titular da UFRJ, que escreveu ontem no GLOBO artigo criticando a medida.
Guerra aos limites constitucionais
A governadora Rosinha Matheus decretou guerra aos limites mínimos de investimentos como Saúde, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia. A argumentação do estado é sempre a mesma: as reduções são para adequar a lei à realidade. O orçamento de 2004 sacramenta a decisão de Rosinha:
MEIO AMBIENTE: A redução de 20% para 5% no limite mínimo de repasse da arrecadação dos royalties do petróleo para o Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) inaugurou a temporada de cortes. A medida gerou protestos de ambientalistas. A governadora descumpre uma medida liminar que impede a utilização dos recursos do Fecam para pagar uma dívida com a prefeitura do Rio.
SAÚDE: Mesmo depois da manifestação dos promotores estaduais e procuradores federais, a governadora manteve a decisão de utilizar os recursos da Saúde para financiar projetos sociais. Em 2003, ela conseguiu aprovar mensagem que garantiu a utilização, já este ano, de 25% do Fundo Estadual de Saúde em projetos sociais.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA: O governo do estado recuou na proposta original de reduzir o percentual mínimo de repasse de 2% para 1% da receita bruta, mas modificou a base de cálculo, que, a partir de 2007 passa a ser a receita líquida, o que, de acordo com os cientistas, reduz o investimento em 50%.
Saúde e meio ambiente na berlinda
Desprestigiados no orçamento da governadora Rosinha Matheus para 2004, a Saúde e o Meio Ambiente agonizam graças a falta de investimentos e desencontros políticos. Antes mesmo de consolidado os cortes na saúde, os hospitais do estado apresentam quadro atual crítico, com hospitais inacabados, falta de medicamentos, filas nas emergência, entre outros problemas. Segundo estimativa da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa, as três principais emergências do estado – Pedro II (Santa Cruz), Getúlio Vargas (Penha) e Albert Schweitzer (Realengo) – têm hoje 450 leitos fechados.
Os hospitais de Saracuruna, Araruama, São Gonçalo e Itaboraí também funcionam parcialmente e enfrentam problemas de falta de pessoal, de equipamentos ou ambos, como mostrou O GLOBO há três meses. Em São Gonçalo e Itaboraí, os centros cirúrgicos e as UTIs estão de portas fechadas, obrigando a transferência dos doentes em estado grave para os hospitais Antônio Pedro e Azevedo Lima, em Niterói, que já enfrentam a superlotação. Projetado para ter cem leitos e atender a casos complexos, o Hospital de Araruama, recentemente, só realizava exames de ultra-sonografia e ecocardiograma.
O meio ambiente também sofre com a falta de recursos. Levantamento feito pelo deputado Otávio Leite (PSDB) mostra que, de janeiro até outubro, o estado gastou apenas 1,5% do que deveria dos recursos do Fecam. Enquanto isso, diversos programas estiveram parados e foram retomados em ritmo lento, como o Programa Estadual de Controle de Lixo Urbano; a Despoluição da Praia de São Conrado, Costão do Vidigal e Leblon; a limpeza do Canal do Jardim de Alah; a remoção do lodo ativo na Lagoa Rodrigo de Freitas; além das obras de Esgotamento Sanitário da Barra da Tijuca e Jacarepaguá.
Mês passado, o vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, afirmou que o reduzido volume de gastos do Fecam não vai prejudicar a área ambiental. Segundo Conde, o estado vai empenhar (reservar para gastar) os R$ 137 milhões que ainda não foram gastos em novos projetos.
Uma cadeira vazia e um relógio na estréia da TV Câmara
Luiz Ernesto Magalhães
As imagens da cadeira do presidente Sami Jorge (PDT) vazia e de um relógio, que mostrava a passagem do tempo, exibidas durante alguns minutos no canal 12 da Net simbolizaram, ontem, o que foi a primeira sessão da Câmara de Vereadores do Rio transmitida ao vivo. A parafernália para mostrar a sessão que custou US$ 970 mil (e não US$ 900 mil, como divulgado na terça-feira) estreou num dia de muitos discursos e pouco debate de projetos. E já é motivo de confusão: os vereadores Lucinha (PSDB) e João Cabral (PRTB) entram hoje com uma representação no Ministério Público. Eles querem que o MP investigue se houve irregularidades na compra dos equipamentos, sem licitação, pela Mesa Diretora.
– Em junho de 2002, apresentei um projeto de resolução propondo que qualquer decisão sobre a TV Câmara fosse submetida a consulta prévia no plenário. As compras foram feitas sem que soubéssemos como se deu a escolha dos equipamentos.Não haveria maneira mais barata de tocar o projeto ? – perguntou Lucinha.
O vereador Ivan Moreira (PFL), primeiro-secretário, rebateu as críticas:
– A dispensa de licitação foi autorizada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Além disso, o projeto da vereadora não foi votado. Portanto, cabia à Mesa Diretora decidir isso – disse Ivan.
A TV Câmara entrou no ar às 14h mostrando um plenário quase às moscas. Com cinco minutos de atraso, Sami abriu a sessão e suspendeu os trabalhos quatro minutos depois, até às 15h40m, por falta de inscritos para falar. Os operadores do canal quase foram à loucura: sem ter muito o que exibir, chegaram a focalizar os jornalistas que cobriam a sessão.
Quando finalmente os trabalhos começaram, 21 vereadores se inscreveram para discursar – contra uma média diária de 12 na fase pré-TV. Ninguém respeitou o Regimento Interno, que limita os discursos a no máximo três minutos. Também poucos foram os colegas que prestaram atenção: houve momentos em que só cinco dos 42 vereadores estavam em plenário.
– A Mesa deveria instalar relógios perto dos microfones para controlarmos o tempo – sugeriu Leila do Flamengo (PFL), antes de começar a falar sobre as belezas do Rio naquele que foi discurso mais curto do dia: três minutos e 50 segundos.
Até as 18h05m, os vereadores só analisaram uma matéria: mantiveram o veto do prefeito Cesar Maia a um projeto de José Moraes (PFL), que previa a concessão de auxílio a idosos que praticam esportes. Em seguida, foi aberta uma sessão extraordinária que durou cerca de dez minutos. A prioridade era votar, ainda em primeira discussão, o projeto do Plano de Estruturação Urbana (PEU) de Taquara, Freguesia e Tanque (em Jacarepaguá), em tramitação desde 1999. O tema mobilizou 40 moradores. Eles levaram faixas para as galerias pedindo que a mensagem fosse aprovada.
Ninguém se inscreveu para discutir detalhes do projeto, que cria novas regras urbanísticas para a região e libera, por exemplo, a construção de casas e apartamentos de apenas 30 metros quadrados em alguns ruas e avenidas desses bairros. O PEU da Taquara ainda receberá emendas antes de voltar a plenário para a votação final. Mas o resultado deixou os moradores contentes: as câmeras registraram os primeiros aplausos da Casa transmitidos ao vivo.
Mas havia pressa: a sessão tinha que terminar rápido porque às 18h30m os vereadores já tinham outro compromisso na Sala Inglesa, agendado há mais de dois meses, como lembrou o líder do PT, Adilson Pires: uma sessão solene para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Que também seria transmitida ao vivo pelo canal 12.