R$ 3,5 bilhões, ou 12% do Orçamento do Ministério da Saúde para 2004, foram destinados para outros programas do governo que não tinham relação direta com a área, como o Fome Zero.
A proposta orçamentária, encaminhada ao Congresso em agosto pelo Ministério do Planejamento, desagrada militantes e o próprio Ministério da Saúde. Segundo a Folha apurou, a pasta iniciou articulação nos últimos dias para mudar o projeto. Técnicos da pasta consideram que despesas com alimentação não podem ser consideradas gastos em saúde. O expediente retira dinheiro da área.
O destino de verba para o combate à fome ao ministério foi decisão de governo, em que a Saúde não teve participação. Ocorreu como preparação para a unificação dos programas sociais.
A Frente Parlamentar de Saúde, os conselhos nacionais de secretários municipais e estaduais da área e representantes de hospitais universitários e de entidades filantrópicas programam para o dia 1º de outubro um encontro em Brasília para debater o Orçamento. O assunto também é pauta da próxima reunião do Conselho Nacional de Saúde, na semana que vem em Brasília.
“Esse Orçamento não dá. Houve um aumento global, mas a maior parte foi para o Fome Zero”, afirma Amâncio de Carvalho, presidente da Abrahue (Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino).
“Um governo comprometido com o social quer tirar mais de 10% da Saúde e colocar em outra área”, reclama o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da frente.
Lei
A proposta global do governo é destinar R$ 29 bilhões para o Ministério da Saúde em 2004, um acréscimo de R$ 6 bilhões em relação aos valores programados para este ano (dados de agosto). Isso para cumprir a emenda constitucional número 29, que determinou em 2000 quanto a União, Estados e Municípios deveriam gastar em ações e serviços de saúde. O governo federal deve aplicar o mesmo do ano anterior mais o crescimento do PIB, considerada a inflação.
A polêmica em torno do Orçamento começou em julho, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o artigo 59 da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2004, que impedia o cômputo de despesas previdenciárias, serviços da dívida e despesas com o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza como gastos em ações e serviços públicos de saúde.
O artigo contemplava entendimento de setores do PT e do corpo técnico do Ministério da Saúde, que já criticou Estados que incluem gastos com Previdência e programas de alimentação como despesa em saúde.
A Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) considera que ações relativas a alimentação, por exemplo, não são ações típicas da saúde, como explica o sanitarista Gilson Carvalho, especialista em financiamento que divulgou um manifesto contra o veto.
Alimentação, saneamento, habitação e lazer são consideradas “áreas condicionantes e determinantes da saúde”.
Depois da polêmica, o governo fez ajustes no projeto de lei do Orçamento, enviado em agosto. “O governo retirou os inativos e o serviço da dívida. Mas manteve o fundo de pobreza”, diz o deputado. Guerra, que é relator da proposta orçamentária na Comissão Mista de Orçamento, redigiu voto contrário à proposta.
Na tarde de ontem, parlamentares da frente (que reúne representantes de diversos partidos, inclusive do PT) reuniram-se com o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para pedir mudanças no projeto. Parlamentares da comissão também já tiveram um encontro com o ministro do Planejamento, Guido Mantega, na semana passada, para falar sobre as verbas da Saúde.
O temor de militantes é que a inclusão de alimentação como despesa em saúde gere ainda um “efeito cascata”. Estados e municípios poderiam também adotar o expediente e reduzir verbas diretas para ações e serviços de saúde.
Procurada ontem, a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento não ligou de volta. O Ministério da Saúde informou que não se pronunciaria.
Hospitais universitários
Segundo Amâncio de Carvalho, da Abrahue, o orçamento para assistência hospitalar e ambulatorial aumentou pouco mais de 3%. “Mas a inflação prevista é de mais de 9%. O orçamento é menor em termos reais”, afirma. “A proposta é claramente insuficiente para permitir que nossos hospitais cumpram com dignidade as funções de ensino e assistência.” A associação quer um acréscimo de pelo menos R$ 900 milhões à área.
Servidores do HC protestam contra redução salarial
DA REPORTAGEM LOCAL
Funcionários do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo, realizaram protesto na manhã de ontem contra possível redução de jornada de trabalho, de salários e risco de demissões.
Segundo João Carlos Barbosa da Silva, assessor da direção da Associação dos Servidores do HC, a maioria dos mais de 13 mil trabalhadores têm contratos regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e recebem complementação de salário por meio de fundações de apoio ao hospital.
De acordo com Silva, a partir de outubro funcionários das áreas fim (os que não ficam no setor administrativo) passariam a cumprir sete horas de trabalho, com redução do salário. Hoje fazem oito horas diárias. Aqueles que são contratados direto da fundação reduziriam a metade as 60 horas semanais. “Tememos que demitam os que não aceitarem.”
A reportagem não conseguiu falar com a administração do hospital. Os funcionários devem realizar novo protesto hoje.