Pedro Araújo, de 49 anos, diz que ouve vozes e já ficou internado seis vezes. Desde que sua mãe morreu, há dois anos, ele mora sob o viaduto Minhocão, no Centro de São Paulo. Quer ser internado, porque as vozes têm se repetido, mas não consegue. Na última tentativa, recebeu cartelas de medicamentos
– Os médicos dizem que a gente fica melhor na rua, porque tem liberdade. Não é verdade. A verdade é que o governo não quer saber de quem ouve vozes e vê bichos. Estou vendo gente como eu morrer à míngua.
Ele conta que, até cinco anos atrás, sofria de depressão. Como tinha sua mãe, ele passava por internações em hospitais de Itapira, Guarulhos e Itaquaquecetuba e voltava para casa. Com a morte dela, tudo mudou: – Minha cabeça foi ficando mais fraca e a voz aumentou. Parece um rádio, porque você não vê quem está falando. Noite e dia a voz, e você não vê ninguém.
Ela diz que vão te matar, te bater, muitas coisas. Tem gente que segue o que a voz fala e morre, põe fogo nos outros moradores de rua, já vi isso. Aprendi a pensar em Deus quando ouço a voz e ela acaba sumindo.
Pedro e Joaquim Vircio Pereira, de 56 anos, contam que têm visto morrer muitos companheiros que como eles, moram nas ruas.
– Tem muita gente vendo bicho também, como eu – contou Joaquim.
Ao mesmo tempo, outros pacientes que poderiam deixar os hospitais não conseguem. Eles poderiam ser tratados em casa, com internações intermitentes.
É o caso de Ruth Stein: – Na verdade, meu nome é Fama Fatieco. Só muito antigamente eu era Ruth. Sofri de "fracoetil" e deixei meus filhinhos.
Ruth Stein só voltou a existir neste ano – graças ao trabalho de resgate do Hospital Pinel,
Um dia sentiu o que os psiquiatras chamam "gatilho", que dispara a manifestação de psicoses.
Deixou os filhos em uma praça de outra cidade e desapareceu.
Em uma sessão com um psiquiatra, lembrou-se do nome verdadeiro e contou que já tinha estudado
– Os dois se reencontraram, levamos Ruth até Araraquara.
Foi bonito, mas triste. Ele nos explicou que a amava, que ficou desesperado com o sumiço dela e dos filhos, mas com o tempo, estruturou outra família – conta o diretor do Pinel, Eduardo Augusto Guidolin.
Hoje, a esperança dos funcionários do Pinel é de que os filhos de Ruth, que hoje devem estar com 40 e 42 anos, se animem a resgatar a mãe: – Ela conseguiu o benefício do governo e mora numa das nossas residências terapêuticas.
Não há motivo para ficar no hospital – disse Guidolin.
Já os gêmeos Ruy César e Hermes César, de 72 anos, mudaram suas vidas graças à desospitalização.
Eles têm psicose, mas recebem ajuda financeira do governo e vivem em sua casa, na Barra Funda,
O projeto de desospitalização incluiu, até agosto de 2007, 2.741 pacientes no programa de Volta Para Casa, que dá benefícios de, em média, um salário mínimo aos pacientes. Ruy passou 47 anos no manicômio do Juquery, hoje em processo de desativação. Ambos se tratam no CAPS de Perdizes. Ruy e Hermes vivem em seu próprio mundo, mas sem riscos, segundo a coordenadora, a psiquiatra Maria Alice Paes. Segundo ela, o tratamento do CAPS consegue prevenir surtos: – Muitos pacientes jamais melhorariam
Eletrochoque ainda é usado
No Instituto de Psiquiatria da USP, mantido pelo governo de São Paulo, os especialistas têm conseguido implantar um atendimento diferente tanto dos manicômios como dos hospitais gerais do SUS. Pacientes graves contam com um dos recursos mais estigmatizados pela luta antimanicomial: o eletrochoque, chamado eletroconvulsoterapia, ou apenas ECT. Hoje, é aplicado com anestesia e tem como efeito colateral eventuais lapsos de memória. No Hospital das Clínicas, são 22 aplicações por dia. É o único serviço público de ECT
– O ECT só é aplicado no último caso, quando há alto risco de suicídio e os medicamentos não fazem efeito. Mas é muito necessário – explica o psiquiatra Sérgio Paulo Rigonatti.
– Minha mãe estava em estágio final de depressão. Perdeu 35 quilos, não se alimentava, cuspia a comida e, para não andar, se jogava no chão.
O ECT foi a opção. Hoje ela tem vida social – diz a nutricionista Eliane Lopes, filha de Aurora Lopes Benedito, tratada há três anos.
Psiquiatras reclamam que o ECT não é adotado na rede pública por causa do custo, de R$