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Orçamento da Saúde foi maquiado, diz ministério

Auditoria feita pelo Ministério da Saúde apontou que o estado do Paraná utilizou indevidamente R$ 218 milhões (ou 34%) dos R$ 641 milhões declarados no orçamento da área em 2003. De acordo com o ministério, o governo estadual descumpriu a Emenda Constitucional 29 (EC 29), que estabelece os porcentuais mínimos de recursos próprios (dos estados) a serem aplicados no setor de saúde. O ministério considera que o dinheiro foi utilizado para fins alheios à área. Os 34% do orçamento foram usados, por exemplo, para cobrir despesas com ações judiciais, análise de sementes transgênicas, pavimentação, saneamento, construção de capelas mortuárias, pagamento de cursos de pós-graduação, entre outros. Em 2003, várias prefeituras se queixavam dos valores repassados pelo governo estadual para a saúde. De acordo com o Ministério Público Estadual (MPE), somente nos hospitais de Ponta Grossa, 53 pessoas teriam morrido enquanto esperavam uma vaga na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

A auditoria foi feita a pedido do MPE. O trabalho teve início em novembro de 2004 e terminou este ano. Com base no resultado, o MP está movendo uma ação pública contra o estado, solicitando o pagamento dos valores que teriam sido utilizados indevidamente ao Fundo Estadual de Saúde. A ação foi impetrada em julho deste ano na 1.ª Vara da Fazenda, em Curitiba. O processo ainda está na fase inicial. Para o MP, a administração estadual gerou prejuízos para a população ao deixar de aplicar os recursos orçamentários mínimos da receita própria. De acordo com a EC 29, em 2003 o Paraná deveria ter destinado 10,75% do seu orçamento total à saúde (o porcentual deveria chegar a 12% em 2004). No balanço apresentado pela Secretaria Estadual de Planejamento consta que o estado aplicou 11%. Mas, de acordo com a auditoria, descontados os gastos não relacionados à área, o valor real foi de 7,3%. “Pode-se dizer que o orçamento foi maquiado”, diz Mário Lobato, auditor do Ministério da Saúde que coordenou o trabalho.DestinosEntre o dinheiro aplicado irregularmente, segundo o ministério, estão R$ 83,6 milhões utilizados na ampliação do sistema integrado de abastecimento de água e esgoto sanitário na região metropolitana de Curitiba e litoral do Paraná. Outros R$ 825 mil foram destinados à manutenção dos cursos de Fisioterapia e Educação Física da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), em Jacarezinho (Norte). Já o pagamento de cursos de pós-graduação a professores das universidades estaduais consumiu R$ 1 milhão do orçamento da saúde. A auditoria concluiu ainda que foram gastos irregularmente R$ 6,1 milhão com limpeza e remoção do lixo nas praias do Paraná; construção de capelas mortuárias, obras de centros comunitários, pavimentação asfáltica, galerias pluviais (R$ 1,1 milhão) e construção de esterqueiras (local o­nde se junta esterco em criações, normalmente de porcos) e cercas de proteção de mananciais (R$ 678 mil).Todas as justificativas do empenho do dinheiro foram repassadas aos auditores pelas próprias secretarias, autarquias e empresas para o­nde o recurso foi destinado. Os gastos foram checados pelo ministério e as notas fiscais analisadas. “Tudo o que foi dito foi investigado e comprovado. Pegamos todo o orçamento e pedimos para cada departamento discorrer sobre os gastos”, diz Lobato.

 

DINHEIRO CURTOCrise foi grave em 2003, lembra Fehospar

Para o presidente da Federação dos Hospitais do Paraná, José Francisco Schiavon, os R$ 218 milhões que segundo o ministério da Saúde foram usados indevidamente fizeram falta para a saúde em 2003, quando o estado enfrentou uma de suas piores crises no setor. Naquele ano, ocorreram mortes em filas de UTI e, somente em Ponta Grossa, mais de 1,1 mil pessoas esperavam por uma cirurgia eletiva.“É inadmissível que recursos destinados à saúde se direcionarem para outras áreas, prejudicando a população”, afirma Schiavon. De acordo com ele, o dinheiro não aplicado nas normas da EC 29 daria para, por exemplo, pagar a assistência a saúde para a população de Curitiba por 11 meses. Em 2003, o Ministério da Saúde destinou a Curitiba R$ 242 milhões. “Foram quase dois milhões de pessoas que deixaram de ser atendidas”, afirma Schiavon.

Para secretaria, gastos estão dentro da lei

 

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) contesta a auditoria feita pelo Ministério da Saúde. A Sesa entende que os recursos foram aplicados corretamente, os gastos estão dentro da lei e foram aprovados pelo Tribunal de Contas. Segundo o diretor-geral da secretaria, Carlos Manoel dos Santos, a falta de regulamentação na Emenda Constitucional 29 dá margem para interpretações diferentes da lei.A EC 29 determinou que até 2004 estados e municípios deveriam aplicar respectivamente 12% e 15% do orçamento total em saúde. A lei entrou em vigor em setembro de 2000, mas ainda não foi normatizada. Desde 2003, um projeto de lei que propõe a regulamentação tramita Câmara Federal. Para a Sesa, justamente a ausência das definições é que causa divergências sobre o que pode ou não ser creditado como gasto em saúde. “São recomendações com bases técnicas que mudam de acordo com o entendimento de cada vertente da saúde pública”, diz Santos.O diretor-geral usa como exemplo os gastos com saneamento básico. Para o governo do estado, trata-se de uma ação preventiva de saúde, já que a falta de um sistema eficiente é um veículo para a transmissão de diversas doenças infecto-contagiosas. Do orçamento da saúde, constaram R$ 83,6 milhões para na ampliação do sistema integrado de abastecimento de água e esgoto sanitário na região metropolitana de Curitiba e litoral. O Ministério da Saúde entende que esses serviços contam com recursos provenientes de taxas, tarifas ou Fundo de Erradicação da Pobreza, portanto, não poderiam utilizar a verba da saúde. “É um absurdo saneamento não ser considerado como [gasto de] saúde”, afirma Santos.UniversalidadeOutro ponto de conflito de entendimentos é a definição do princípio da universalidade. A auditoria expurgou do orçamento da saúde gastos de aproximadamente R$ 10 milhões com manutenção e convênios do Hospital Militar e serviços de assistência a servidores públicos por entender que esses grupos pertencem a clientela fixa. Para Santos, falta uma melhor definição sobre isso. “Somente a regulamentação da emenda é que vai estabelecer o que é uma clientela fixa.” Sobre os gastos com construção de capelas mortuárias, centros comunitários, esterqueiras, cerca de proteção de mananciais, limpeza nas praias, entre outros, Santos afirmou que não poderia se manifestar a respeito. A reportagem da Gazeta do Povo também procurou a Secretaria Estadual de Planejamento, mas a instituição preferiu não se pronunciar sobre o assunto.