Correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física é um tema recorrente. Como certas aves, volta ao horizonte todo verão. Não poderia ser diferente nesta temporada, marcada por discussões em torno do aumento da temperatura do planeta, distúrbios climáticos, tragédias no trânsito, operações tapa-buraco nas estradas, respingos das CPIs do Congresso, insinuações eleitorais, preparativos para a Copa do Mundo na Alemanha, violências inomináveis contra bebês…
Diferentemente de anos anteriores, porém, a questão foi conduzida sem muita polêmica. É ano eleitoral. O governo fez que se opôs à própria Receita Federal, contrária a toda e qualquer correção do IRPF, mas terminou batendo o martelo em 8%. Deixou a Receita reclamando uma perda entre R$ 2 e R$ 2,5 bilhões. Pura encenação. A correção da tabela não é uma concessão, um gesto de liberalidade do governo, mas um direito dos trabalhadores que têm os seus salários corroídos pela inflação.
Comparações com o governo Fernando Henrique Cardoso são inevitáveis, até pela configuração do embate eleitoral que se aproxima. A tabela do IRPF foi congelada em 1996, voltando a ser corrigida em 2002, em apenas 17,5%. Neste governo, recuperou 10% no ano passado, à força: proposto como “bondade”, o índice foi usado como artifício no bojo da Medida Provisória 232, um pacote que acarretava aumentos absurdos de impostos sob o argumento de compensação pelas perdas da correção. Com muito esforço, a armadilha foi derrubada pela Frente Nacional contra a MP 232. Agora, a tabela recupera mais 8%, somando um total de 18% nos últimos três anos. Empate técnico por enquanto. Se quiser zerar a correção em seu governo, Lula terá que corrigir a tabela em mais cerca de 10%, considerando um residual de 4,63% e, estimando uma inflação de 4,5% neste ano. Por outro lado, descontando as três correções feitas desde 1996, período em que a inflação ficou em 103,77%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda restam a corrigir 45,86%.
O argumento oficial de que a correção da tabela acarreta queda na arrecadação cai por terra quando se leva em conta os números. No ano passado, a Receita Federal arrecadou R$ 36,592 bilhões com o IR sobre os rendimentos do trabalho, embora a tabela tenha sido reajustada em 10%. Esta arrecadação representou 6,4% na comparação com 2004, quando o IRPF somou R$ 34,924 bilhões. É verdade que houve expansão do trabalho formal, mas é o esperado.
Ao afirmar que um índice de 8% não faz diferença nenhuma para uma pessoa, “mas custa uma fortuna para as contas públicas”, o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, abraça o ponto de vista de um Estado que tem se revelado insaciável na sua fome de arrecadar, emplacando uma carga tributária das mais altas do mundo, desmotivando o trabalhador que entrega aos cofres públicos quase cinco meses dos seus ganhos, considerando também os impostos que paga ao consumir mercadorias, produtos e serviços.
A correção da tabela do IR remete, pois, a questões mais amplas, a começar pela redução da carga tributária, redefinição do sistema tributário e transparência na aplicação dos montantes arrecadados. Pouco ligaríamos para essas contradições se tivéssemos serviços públicos compatíveis com as arrecadações fabulosas de impostos. É bom frisar que os trabalhadores têm direito a mais 45,86% de ajuste.