contato@sindipar.com.br (41) 3254-1772 seg a sex - 8h - 12h e 14h as 18h

Procurador quer revogar permissão à ortotanásia

 

            O Ministério Público Federal de Brasília ameaça pedir a revogação da resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que permite aos médicos suspender tratamentos e procedimentos usados para prolongar a vida de pacientes terminais e sem chances de cura.

 

            O primeiro passo ocorreu na última terça, quando a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal instaurou um processo administrativo por meio do qual estudará medidas para contestar a resolução na Justiça.

 

            Aprovada há uma semana por unanimidade pela plenária do CFM, a resolução trata da ortotanásia, o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida quando não há mais chances de recuperação. A decisão só vale se o paciente ou o seu responsável concordar com a medida.

 

            Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão Wellington Marques de Oliveira, a resolução do CFM é um "atentado ao direito à vida". Ele afirma que a ortotanásia, assim como a eutanásia, é considerada homicídio pelo Código Penal. "É inadmissível que se deixe à livre vontade de médicos e parentes atenuar o sofrimento de qualquer ser humano", diz.

 

            A resolução não isenta o profissional de ser responsabilizado criminalmente. A menos que o anteprojeto do Código Penal, que está na CCJ (Comisão de Constituição e Justiça), regulamente o assunto.

 

            Na avaliação do corregedor do CFM, Roberto D’Ávila, a interpretação do procurador é um "equívoco". "Em vez de adotarmos tratamentos fúteis, estamos priorizando o paciente. Em hipótese alguma ele será abandonado ou prejudicado."

 

            Segundo ele, o médico poderá propor duas opções de tratamento ao doente terminal: continuar com as terapias inúteis que causam sofrimento ou adotar os cuidados paliativos que trazem mais conforto.

 

            "Não podemos nos prender a formalismos legais. Não somos donos do doente. Ele tem o direito de optar entre prolongar a vida de forma inútil ou continuar tendo todo apoio e cuidado até o seu fim, porque a morte é inevitável", diz D’Àvila.

 

            O médico José Maria Orlando, presidente da Amib (associação de medicina intensiva), tem a mesma opinião. "Não é possível que em pleno século 21 continuemos com um Código Penal de 1947, quando nem se sonhava com os equipamentos de suporte à vida aos doentes graves. Da mesma forma que eles salvam vidas, eles também as prolongam inutilmente.

 

            Para Orlando, chegou o momento de a sociedade brasileira debater sobre a terminalidade da vida e defender a descriminalização da ortotanásia. "A ortotanásia não deve ser confundida com eutanásia. Estamos falando de uma situação em que a morte é irreversível e iminente e em que todos os recursos já foram esgotados."

 

            Em nota, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se colocou favoravelmente à ortotanásia. Citando uma encíclica do papa João Paulo 2º, afirma que a prática, feita com "sério discernimento", representa "a aceitação da condição humana diante da morte".

 

 

Com câncer, pedagoga não quer ficar na UTI

 

            Há três anos, a historiadora e pedagoga Haydee Barone, 60, tomou uma decisão radical: com diagnóstico de câncer do endométrio (camada que reveste o útero), ela se recusa a fazer cirurgia, quimio ou radioterapia. Aceita apenas analgésicos e a hormonoterapia.

 

            Católica, Haydee se ampara na história familiar e nos prognósticos da doença para embasar sua atitude. Em 1983, sua mãe morreu vítima do mesmo tipo de câncer, após quatro de anos de luta com cirurgias, radioterapia e quimioterapia.

 

            Há dez anos, um câncer da mama levou sua única irmã, Maria de Fátima, aos 44 anos.

 

            "Fa", como era chamada, fez mastectomia e quimio, mas morreu quatro anos após ter a doença diagnosticada. Ainda nesse período, a historiadora perdeu a tia, uma pianista, vítima de tumor no cérebro.

 

            Ávida pesquisadora sobre o assunto, Haydee já expressou seu pedido em uma carta aos médicos, parentes e amigos que a assistem: "quando eu entrar em estado terminal, não me levem para o hospital, não me internem em UTI. Quero ser assistida em casa, receber anestésicos e todos os cuidados paliativos necessários".

 

            Na carta, ela também cita uma lei sancionada pelo governador Mário Covas, que estabelece que o doente terminal tem o direito de recusar o prolongamento de sua agonia e de optar pelo local de sua morte. Covas, que morreu há cinco anos em decorrência de um câncer na bexiga, beneficiou-se dessa lei.

 

            Solteira e filha de médico, Haydee é uma entusiasta da recente resolução aprovada pelo CFM, que permite ao médico suspender ou limitar tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de um doente terminal e sem chances de cura. "A resolução é maravilhosa. Deveria virar lei no país." Leia a seguir, trechos da entrevista dela à Folha. (CC)

 

            FOLHA – Qual o motivo que a levou a recusar o tratamento?

 

            BARONE – Eu me recuso terminantemente a três coisas: cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Tenho convicção sobre isso desde a infância e, ao longo da vida, tive traumas terríveis dentro de casa que só corroboraram isso. Minha mãe, que teve o mesmo câncer que eu tenho, fez de tudo, radio, quimio, cirurgia e, ainda assim, se foi após muito sofrimento. Dez anos depois, em 1993, minha irmã descobriu um câncer da mama. Ela fez cirurgia, tirou uma mama, fez duas quimio, fez de tudo. No fim, não tinha mais veia para fazer quimio e colocou um portocat [implante de cateter na veia jugular por meio do qual se faz a quimioterapia]. Foi uma coisa horrorosa, ela não conseguia respirar ou comer direito.

 

            FOLHA – Mas nos últimos anos há avanços na oncologia, com aumento das chances de cura. Por que desistir disso?

 

            BARONE – Eu pesquisei tudo sobre essa doença e tudo o que descobri, em termos médicos, não convenceram a mudar de opinião. Essa doença não tem cura. As pessoas que sobrevivem são exceções. Tenho uma doença incurável e não quero me submeter a tratamentos paliativos e, ainda por cima, dolorosos. Sou muito criticada e rotulada de egoísta e até de covarde por ter tomado essa decisão. Eu não desisti de viver.

 

            FOLHA – Como você vê a morte?

 

            BARONE – Eu não penso na morte em si. Só peço a Deus e à Nossa Senhora da Boa Morte que me dê uma morte serena e tranqüila. E à Nossa Senhora da Cabeça que me dê lucidez até o último momento.

 

 

Frase

 

 

“Eu pesquisei tudo sobre essa doença e tudo o que descobri, em termos médicos, não convenceram a mudar de opinião. Essa doença não tem cura. As pessoas que sobrevivem são exceções. Tenho uma doença incurável e não quero me submeter a tratamentos paliativos e, ainda por cima, dolorosos. Sou muito criticada e rotulada de egoísta e até de covarde por ter tomado essa decisão. Eu não desisti de viver” – HAYDEE BARONE, 60

 

 a