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Relação médico-paciente não combina com Código de Defesa do Consumidor

Os advogados, entidades e autoridades da área médica reclamam da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre médicos e pacientes. A premissa é de que a relação precisa ser regulamentada e o paciente protegido; porém não sob os preceitos das relações de consumo. Assim, os especialistas do setor defendem a criação de um “Código da Saúde”. Eles defendem o uso do Código Civil para basear os julgamentos de casos de erro médico, o que implicaria uma mudança na Constituição. O tema será uma das principais discussões do 1º Congresso Médico-Jurídico Brasileiro, que acontece nessas quarta e quinta-feiras.

Assim como problemas com cartões de créditos e empresas prestadoras dos mais diferentes tipos de serviços, as ações do Judiciário brasileiro envolvendo a relação médico-pacientes estão amparadas pelo CDC. “O médico não é um vendedor, seu trabalho não é um produto, e o paciente não é um cliente optando por uma mercadoria. Trata-se de saúde, de vida. É uma relação muito pessoal onde nem sempre os envolvidos na relação optam por um ‘serviço’ ou por quem irá lhe prestar o serviço”, comenta o advogado Antônio Couto Filho, do escritório A. Couto Advogados & Associados.

Peculiaridades

Há diversas peculiaridades nessa relação. Tanto que existe no Brasil uma agência reguladora especialmente para tratar de assuntos de saúde (ANS), tanto que os preços dos planos de saúde são controlados (diferente de outros segmentos do mercado onde há livre concorrência), tanto que os laboratórios e farmácias reclamam do excessivo controle (alguns dizem que “quando se trata de remédio, não é permitido obter lucros”), tanto que a fiscalização e as infrações são tratadas com muito mais severidade. E as razões são um tanto óbvias: afinal, são vidas que estão em jogo. E por isso mesmo, os profissionais da área médico-hospitalar apontam como errônea a visão legal da relação de consumo.

Os advogados Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza, do Escritório A. Couto Advogados & Associados estão entre os que defendem a criação de um “Código da Saúde”. Antônio Couto ressalta ainda que é uma relação baseada na necessidade e que, algumas vezes, o paciente não tem como optar e o médico também não tem a opção de negar o atendimento – o que gera problemas.

Culpa

No Brasil, a estimativa é de que existam cerca de 10 milhões de ações contra médicos em andamento na Justiça. O dado é da Associação Nacional dos Hospitais (Anahp). A maioria são processos contra médicos e hospitais requerendo indenização por parte de pacientes que alegam erro ou negligência médica. Os especialistas alegam, porém, que há um pouco de desinformação no que diz respeito à responsabilidade civil dos médicos e casas de saúde. Isso, somado a algumas facilidades proporcionadas pelo CDC, é que gera boa parte das ações, segundo advogados. Antônio Couto traz ainda dados retirados do livro do juiz Miguel Kfouri (“Culpa Médica e Ônus da Prova”, editora Revista dos Tribunais) onde o magistrado afirma que 80% dos médicos processados são inocentados.
“Há, no entanto, o desgaste emocional, o desgaste moral, e as despesas com advogados e taxas que restam a esses médicos”, comenta Antônio Couto. O advogado Sérgio Coelho, do escritório Sérgio Coelho Advogados, acrescenta que a proliferação de ações judiciais não é “privilégio” da medicina, que é uma tendência entre os consumidores. “É exatamente onde reside o problema”, acredita Antônio Couto.

Gratuidade

O advogado ressalta que o CDC oferece gratuidade de Justiça. “A gratuidade de Justiça foi introduzida em 1950. No entanto, a lei, naqueles tempos, condicionava o benefício a um atestado de pobreza. Era preciso comprovar a necessidade de gratuidade. Com o CDC, porém, os juízes passaram a conceder a gratuidade independentemente de comprovação. O problema com esse novo conceito é o de que a pessoa, as vezes, entra na Justiça contra alguém apenas para ‘tentar a sorte’, por assim dizer. Muitas vezes nenhum dano foi causado, mas como não se perde nada por entrar com uma ação na Justiça, a pessoa só tem a ganhar. Se sofrer derrota, a pessoa não perde nada. Se houver vitória, leva um dinheiro. Só que o médico acionado sai perdendo de qualquer forma, mesmo ganhando”, diz Antônio Couto. O advogado ressalta ainda que o médico não pode propor uma ação de dano moral contra o paciente, porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou no sentido de não caber ação contra aquele que busca a proteção judiciária para um pretenso direito.

Ônus da prova
A possibilidade de inversão do ônus da prova, em qualquer situação, seria outra das dificuldades oferecidas pelo CDC. “O serviço do médico é prestado no corpo de uma pessoa – e não existem dois corpos iguais, cada organismo reage de uma forma diferente a determinados medicamentos, princípios ativos ou ao se recuperar de uma doença ou cirurgia. E a perícia é baseada em fatos passados e irreconstituíveis. Assim, é complicado provar que foram realizados todos os procedimentos de forma correta. A inversão do ônus da prova e a responsabilidade objetiva, muitas vezes, podem significar uma impossibilidade de defesa por parte dos profissionais de saúde”, comenta Sérgio Coelho.

Outro problema é o dever de informar. “Os médicos respondem por insuficiência de informações. Isso porque o artigo 14 do CDC gera a obrigação de o médico informar e obter consentimento. Porém, essa é uma rigidez legal complicada de ser cumprida pelos profissionais da área médica. Em situações de emergência, por exemplo, nem sempre é possível consultar o paciente ou um de seus parentes antes de realizar um procedimento. E se o médico já estiver sendo processado por acontecimento semelhante, e não quiser passar pela mesma situação, ele não pode simplesmente se negar a fazer, porque então será processado por negligência”, comenta Antônio Couto.

De acordo com o advogado, desde a entrada em vigor da Constituição Brasileira, chamada de “Constituição Cidadã”, foram proclamados sistemas protetores e defensivos para os clientes em relação aos médicos, clínicas, hospitais e planos de saúde. “O Brasil vive em tempos de conquistas sociais. Mas, passados 13 anos, o que se viu foi o estabelecimento da indústria de indenizações e os exageros em pedidos de supostos danos morais e concessão de gratuidade de Justiça não comprovada, contrariando o próprio texto constitucional. A relação médico-paciente foi atacada pela febre do casuísmo e do paternalismo, onde gerou-se uma verdadeira epidemia de proteção e defesa de uns contra outros”, pondera.
Couto acredita que o Brasil está tomando o mesmo rumo legal que os Estados Unidos, que não seria um bom exemplo. “Nos EUA, a estatística é de que todo médico é processado pelo menos três vezes durante sua carreira. As despesas com ações judiciais são tantas que alguns hospitais optaram por suspender determinados atendimentos e até fecharam algumas alas médicas. A segunda maior seguradora de erro médico daquele país quebrou, no ano de 2001, após US$ 1,2 bilhões pagos à vítimas ou supostas vítimas”, conclui o especialista.