Comemorou-se o 20º aniversário do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi concebido pela Constituição de 1988 com a responsabilidade de assegurar aos brasileiros os princípios de universalidade, igualdade e integralidade. Nestes 20 anos, o SUS avançou, mas ainda não é o modelo para aqueles que dependem exclusivamente da saúde pública. Os atuais rumos da estruturação da saúde, definidos pelo sanitarista Nelson Rodrigues dos Santos, mostram um sistema público deficiente para 75% dos cidadãos. Os 25% que têm condições de pagar pela saúde suplementar buscam no SUS a complementação da assistência, medicamentos e próteses mais caras. Os recursos necessários ao funcionamento do SUS não são aplicados em sua plenitude. Nestes 20 anos, a disposição transitória da Constituição que previa a destinação de 30% do orçamento da seguridade social à saúde não teve efeito. Hoje, equivale a mais de R$ 100 bilhões, e não os R$ 48,5 bilhões aprovados no Orçamento federal.
O problema do financiamento continuou. Em 1997, mais da metade da arrecadação da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi desviada. Já em
Ao falar dos 20 anos do SUS, é imprescindível citar o Programa Saúde da Família (PSF), primeira iniciativa visando à construção de um projeto de atenção básica nacional. Mas o que vemos em todo o país são prefeituras ávidas por receber a verba dedicada à saúde da família, instituindo programas com relações de trabalho precárias, muitas vezes, submetidas a interesses políticos que deixam os profissionais à mercê de interesses menores. Isso fragiliza a atenção básica e sobrecarrega outros níveis do sistema, principalmente as urgências de cidades-pólo e regiões metropolitanas.
A força de trabalho é o principal recurso do SUS. Construímos um projeto com qualidades, mas deixamos de lado a valorização de quem o faz funcionar. Não teremos um sistema decente se não garantirmos condições básicas como acesso ao serviço público por concurso, plano de carreira e vantagens pessoais que permitam vislumbrar melhorias ao longo dos anos. Na ausência dessas premissas, sem tocar na questão salarial, teremos sempre as dificuldades que hoje se apresentam nas equipes incompletas, rotatividade e dificuldade de fixar o profissional. Não existe mais a figura do médico que com estetoscópio, aparelho de pressão, e conhecimento resolvem muitos dos problemas da população. O mundo e a medicina mudaram e precisamos de condições adequadas para realização do trabalho. Sem exames complementares, referência e contra referência, educação continuada e acesso à internação e consultas especializadas, instala-se a frustração profissional e não existe salário que fixe médicos em determinados locais. No Brasil, cerca de 1 mil municípios estão sem médico, mas certamente nessas cidades não faltam juízes, promotores e delegados, porque eles têm perspectiva de carreira e salário digno.
A municipalização da saúde foi um ganho, mas acredito que temos de definir uma carreira de Estado nacional. Estados e União não podem se furtar a regulamentar as condições em que os profissionais vão se relacionar com seus gestores diretos. O médico só vai ficar no serviço público de algumas cidades se tiver perspectiva de transferência para centros maiores ao longo da carreira, sendo substituído por outro profissional que passará pelo mesmo processo. Afinal, a obrigação constitucional de prover justiça é mais importante que o dever de prover saúde? Os salários influenciam, mas a carreira é o que fixa o profissional. A meu ver, esse é o grande desafio do SUS.
Cristiano Gonzaga da Matta Machado, Presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e da Federação Nacional dos Médicos/Regional Sudeste .