Nos primeiros seis meses, o governo Luiz Inácio Lula da Silva usou R$ 26,5 bilhões da seguridade social para fazer 95% do ajuste fiscal. São recursos de contribuições sociais federais cobradas de empresas e pessoas físicas que deveriam ter sido usados no saneamento básico, na prevenção de doenças, na vigilância sanitária e na modernização de hospitais universitários, mas ficarão guardados nos cofres do Tesouro Nacional para garantir o superávit primário (receitas menos despesas, fora pagamento de juros) de 4,25% do Produto Interno Bruto.
Segundo levantamento feito pelo assessor técnico da Câmara Flávio Tonelli com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do total dos recursos retidos, R$ 1 bilhão já deveria ter sido aplicado no Fundo de Combate à Pobreza, que alimenta os principais programas sociais do governo. Essa fatia retida também reduziu os repasses de recursos destinados ao Fome Zero. Devido à falta de agilidade do programa, o dinheiro, que inclui até doações, acabou engordando o superávit.
De janeiro a junho, segundo o técnico em orçamento, a arrecadação das contribuições federais para a Seguridade Social somou R$ 92,12 bilhões. Do total, foram gastos R$ 65,6 bilhões no social.
A CPMF, o chamado imposto do cheque, foi a única gasta quase que integralmente, não fosse o R$ 1 bilhão retido do Fundo da Pobreza. Pela Constituição, dos 0,38% cobrados pela CPMF, 0,20% são repassados ao Sistema Único de Saúde (SUS), 0,10% são gastos com seguridade social e 0,08% destinam-se ao fundo da pobreza.
A retenção da verba da seguridade social evitou que fossem engordados orçamentos de programas destinados a obras de saneamento básico, assistência farmacêutica e combate a doenças transmissíveis. Outras áreas que deixaram de ganhar recursos são ações de assistência social, hospitais de ensino e saúde militar.
— O problema é que o cobertor é curto e não dá para gastar dinheiro como se quer. Já que as despesas obrigatórias, como gastos com pessoal e com a Previdência Social, aumentam a cada dia, é preciso cortar mesmo que seja na própria carne — diz o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas.
“Ajuste ficará mais suave com reforma”
O economista, que já foi diretor do Banco Central, está entre os que acreditam que a política econômica do governo, embora exija sacrifícios até da área social, está correta. Esta política vai na contramão de setores do próprio governo, como o ministro do Planejamento, Guido Mantega, o presidente do BNDES, Carlos Lessa, e o ministro da Integração, Ciro Gomes, que acham que o ajuste do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é muito rigoroso.
Para poder reter o dinheiro da seguridade social, foi criado, ainda no governo Itamar Franco, o Fundo de Estabilidade Fiscal — o ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso. O fundo vem sendo prorrogado e foi batizado de Desvinculação das Receitas da União (DRU). Com isso, o governo pode usar o dinheiro para fazer ajuste fiscal ou em outras despesas.
O relator da reforma tributária na Câmara, Virgílio Guimarães (PT-MG), põe em dúvida os prejuízos para a área social decorrentes da retenção das contribuições.
— Quem diz que todos esses valores que estão vinculados são essenciais? Essas contribuições foram criadas justamente para possibilitar a desvinculação de receitas — diz.
Ele diz acreditar, no entanto, que a reforma tributária vai ajudar no crescimento econômico e, com isso, “o ajuste fiscal do governo ficará mais suave”. Segundo ele, os valores retidos são essenciais para o controle das contas públicas.