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Médicos ainda desvalorizados

A antiga e procedente fábula do homem das cavernas – bem utilizada em título literário pelo escritor José Saramago – torna-se extremamente pertinente ao contexto atual da luta pela valorização do profissional médico. Afinal, a descoberta da verdade é mais ou menos como olhar a luz do dia pela primeira vez: costuma cegar e levar à vacilação entre viver nas trevas ou na claridade. O benefício da dúvida é inerente ao ser humano, afinal é no seio das contradições sociais, dos problemas da realidade concreta e cotidiana de cada um de nós que se escondem as respostas, idéias ou julgamentos precipitados. O paradoxo não deixa de ser o berço do erro.

Ser um profissional individualista e, de certa forma, desconectado do papel coletivo não é precedente da classe médica. Outros profissionais – tão importantes quanto nós para a manutenção da base social organizada – também agem da mesma forma comodista. Ocorre que a dura verdade (atributo das coisas, não da fala) faz com que a passividade transforme o colega em alvo fácil para que o mercantilismo insensível de terceiros encontre terreno fértil na exploração do trabalho médico.

Um parlamentar médico recentemente admitiu, em tom de desabafo, que possui filhos médicos. Seus filhos possuem o triplo da carga horária média que o pai possuía quando tinha aproximadamente a mesma idade e recebem ao equivalente a 1/6 do salário mensal que o progenitor recebia em condições semelhantes!

É claro que a remuneração insatisfatória, sobretudo diante dos sucessivos e draconianos acordos com convênios de saúde, nos coloca diante da obrigatoriedade de dobrar ou triplicar o volume de trabalho. Perdemos, ou deixamos de ganhar, em qualidade de vida, em convívio social, em chances de nos mantermos melhor informados.

Há mais de cinco anos os médicos não recebiam reajustes nos honorários médicos de vários planos de saúde. A classe estava recebendo valores irrisórios por consultas destas operadoras. Sem desmerecer nenhuma outra categoria profissional, não é preciso ir muito longe para nos depararmos com atividades que não requerem tanto preparo, estudo e conhecimento, sendo muito melhor remuneradas. Qualquer corte de cabelo simples, com duração média de 20 minutos, custa mais do que vários planos pagavam aos médicos! Para uma visita de 15 minutos, um técnico em eletrônica cobra R$ 60 apenas para se deslocar, superando mais de duas vezes o que um médico recebia por uma consulta.

Após sete meses de negociação extenuante e exaustiva, a coordenação do movimento Alerta Médico fechou um acordo com a Sul América, o qual nos atende parcialmente. Ainda não é satisfatório, ainda existem aberrações. Entretanto, considerando a utilização da tabela AMB 92 e os reajustes, obtivemos conquistas importantes, sim. É possível computar um aumento médio de 40% para as consultas e 51% para os demais procedimentos médicos. Nem todos estão satisfeitos. E então penso que vale a pena incentivar a classe; mobilizando-a diante da relutância entre o desejo da conquista e o despojamento para integrar o pelotão da frente de batalha.

A pergunta é: estamos no mundo para nos adaptar a ele ou para tentar transformá-lo? Se o sentimento de revolta e indignação não florescer o suficiente a ponto de fazermos das ações instrumentos para a conquista dos ideais diante da adversa realidade, o médico será náufrago em sua vida laboriosa, sem ter jamais atingido valores da dignidade, reconhecimento social e justa remuneração.

Fortalecer as instituições médicas, não deixando que a passividade torne irrecuperável a reconquista desses valores, deve ser nosso maior objetivo, pois, do contrário, estaremos cada vez mais distantes dos dignos alicerces do nosso ofício diário.

A bandeira da valorização profissional, através do Alerta Médico, vem tremulando ao vento, enfrentando inimigos de toda a natureza, velados ou revelados. Se, no início, o gesto era leve, hoje, após trezentos dias de marcha firme, a bandeira passa a pesar bastante se carregada nas costas de poucos. É por isso que necessitamos de mais braços e ombros para erguerem a bandeira; símbolo de melhoria e valorização para todos os que exercem a medicina. Até o momento, somos vencedores da forma mais brilhante e honrosa; nossas conquistas foram pacíficas e civilizadas. Mas, infelizmente somos dezenas lutando por milhares, contingente que nos faz crer ser possível aumentar nossos cavalheiros para dividirem o peso da bandeira. Precisamos injetar crença e amor em todas as atividades. Apenas com ética e motivação é que encontraremos, sempre juntos, mais e melhores caminhos para o exercício da boa medicina; espinha dorsal de qualquer esfera social.

*Médico, vice-presidente da Associação de Médicos e Hospitais Privados do DF e coordenador geral do Movimento Alerta Médico