Filho de uma doméstica e órfão de pai aos 6 anos, o empresário Edson Bueno desde cedo teve de superar desafios. Foi com esforço que, aos 21 anos, saiu do interior de São Paulo para estudar medicina no Rio de Janeiro. Em 1972, comprou um pequeno hospital na Baixada Fluminense que serviria de base para a criação do que hoje é a Amil – uma das maiores empresas de medicina de grupo do Brasil, com mais de 1,8 milhão de clientes e quase 3 bilhões de reais de faturamento por ano. Sob sua gestão, a empresa cresceu velozmente nos anos 90, com a ambição de se tornar uma multinacional brasileira da área de saúde. Chegou a ter unidades na Argentina e nos Estados Unidos. Há cinco anos, porém, Bueno vem fazendo uma trajetória no sentido inverso.
A Amil é um exemplo claro de como as mudanças na regulamentação de um setor podem pegar de surpresa os executivos e fazer encolher uma empresa que parecia estar numa rota inexorável de expansão. Nos últimos sete anos, os reajustes nos preços dos planos de saúde permitidos por lei têm ficado aquém da evolução dos custos das empresas. Ou seja, o Estado se meteu no negócio para controlar os aumentos nas mensalidades dos associados, mas não cuidou de controlar também o que os fornecedores cobram dos planos. Resultado: o desequilíbrio inevitável das contas. No ano passado, a rentabilidade do setor de seguros de saúde foi de 7,46% negativos – ante uma margem positiva de 8,15% dez anos atrás. Mais de 1 000 operadoras fecharam as portas. Na lista de óbitos estão companhias tradicionais, como a Interclínicas, de São Paulo. Até mesmo grandes seguradoras, como Bradesco e SulAmérica, entraram no vermelho.
No caso da Amil, em 2000 as receitas caíram 10% em relação a 1998. A rentabilidade quase zerou. Depois de uma reestruturação, a Amil se desfez de dez das 12 franquias que abrira principalmente no Norte e no Nordeste do país. Também se retirou completamente do exterior. A última operação nos Estados Unidos, na cidade de Nevada, foi vendida para a seguradora Blue Cross no final do ano passado. "A prioridade agora é concentrar as operações em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro", diz Bueno. De acordo com os especialistas, esses mercados movimentam quase 80% dos 27 bilhões de reais gerados anualmente pelo setor. "Em alguns momentos, a melhor estratégia é recolher as tropas", afirma o empresário.
De todos os sonhos de expansão de Bueno, o mais difícil foi abdicar da internacionalização, justamente num momento em que tantas empresas brasileiras estão descobrindo como crescer lá fora. A Amil entrou nos Estados Unidos em 1995, com a abertura de uma filial em Austin, no Texas, de olho nos altos ganhos do mercado local. O gasto com saúde do americano médio é de 6 400 dólares por ano, enquanto o do brasileiro não chega a 300 dólares. Em meados dos anos 90, o setor começou a sofrer um agressivo processo de concentração em grandes grupos. A WellPoint, maior operadora de planos de saúde de capital aberto americana, nasceu da fusão de oito empresas e hoje tem 33 milhões de clientes. Para se manter no páreo, a Amil precisaria fazer grandes investimentos por lá. Mas os problemas no Brasil tornaram isso inviável.
Bueno foi obrigado a reconhecer a necessidade de rever a estratégia expansionista em 2000, quando as operações da Amil em São Paulo e Brasília deram prejuízo. Para tentar reverter a situação, ele seguiu uma receita já experimentada por outros planos de saúde em seus momentos de apuros: fortalecer a rede própria. "Com centros clínicos, médicos, laboratórios e hospitais bem gerenciados de perto, é possível controlar as despesas com mais eficiência", afirma Bueno. Os especialistas acreditam que o executivo está no caminho certo. "Concentrar as atividades faz todo o sentido neste momento difícil", afirma Paulo Hirai, diretor da Milliman, consultoria do setor. Desde 2000, a Amil adquiriu dez hospitais em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para ganhar escala, em 2003 comprou a Amico, outra operadora vítima da crise do setor. A Amico perdera cerca de 60 milhões de reais no ano anterior, e seu controlador, a americana Cigna, aceitou vender a empresa sem ganhar um centavo, assim que a Amil se comprometeu a assumir as dívidas de quase 200 milhões de reais. A Amil fundiu a Amico com a carioca Dix e criou a Dix-Amico no eixo RioSão Paulo.
Bueno monitora pessoalmente a nova fase da empresa. Há quatro anos alugou um apartamento na capital paulista e passou a dividir o trabalho na sede da Amil, no Rio, com visitas constantes às novas unidades em São Paulo. O resultado da concentração começou a aparecer no ano passado. Segundo Bueno, pela primeira vez em cinco anos a operação paulista deu lucro. Parte desse resultado foi conseguida com uma estrutura cada vez mais vertical. Como conseqüência, a Amil entrou num terreno novo, o de serviços de diagnósticos e análises clínicas. Atualmente, a tecnologia põe à disposição dos médicos um número crescente de exames, por isso as despesas com diagnósticos se tornaram críticas — segundo analistas, os exames representam cerca de 30% dos custos das operadoras de planos de saúde. Ser bem-sucedido na negociação com os laboratórios pode fazer a diferença entre o azul e o vermelho. Mas isso está cada vez mais difícil, pois o setor de diagnósticos vem se concentrando nos últimos anos. "O número de prestadores de serviços diminuiu e o poder de barganha das operadoras também", diz Bueno.
Em 2000, depois de comprar a divisão de análises da Golden Cross, a Amil assumiu o controle do laboratório Sérgio Franco, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a empresa implantou a Rede Foccus, que reúne num mesmo local centros médicos e de diagnósticos. Para alcançar escala, a rede de análises clínicas da Amil presta serviços a outros convênios. Agora, também está nos planos de Bueno abrir o capital do Sérgio Franco.