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A Psiquiatria Francesa vai de mal a pior

Como um bumerangue, o fato revela todas as chagas da psiquiatria. A morte de um jovem em plena rua, na quarta feira, 12 de novembro, por um paciente esquizofrênico fugido de um hospital psiquiátrico de Grenoble, sacudiu as equipes cuidadoras em saúde mental. Como após o fato da dupla morte em Pau em 2004 cometido por um antigo paciente do hospital psiquiátrico da cidade, médicos e cuidadores testemunham a crise profunda de sua disciplina(profissão).” Não se fala de psiquiatria quando há fatos diversos, se alarma, Severine Morio, enfermeira do hospital parisenseMaison-Blanche. Mas é durante todo o ano que estamos em dificuldade. Organizam-se as rupturas de cuidado, fazendo sair mais cedo os pacientes, e em seguida se surpeendem quando há passagens para o ato…”

 

Diretor suspenso, paciente submetido a exame em Saint-Egrève

 

 

Sete sindicatos denunciaram, na quarta feira 19 de novembro, a suspensão do diretor do hospital psiquiátrico de Saint-Egrève(Isére) decidida pelo ministro da saúde em seguida a morte, em 12 de novembro, de um estudante por um paciente em fuga. “ A busca precipitada por um bode expiatório tornaria-se uma nova forma de governar?” Se perguntam, evocando uma decisão tomada sem qualquer procedimento formal para imputação de responsabilidade”. Quinta feira, o paciente assassino, devia ser submetido a exame por “homicídio voluntário” após um perito ter julgado seu estado de saúde compatível com uma audiência judicial. O Ministério Público de Grenoble devia requerer sua colocação em detenção provisória.

O drama de Grenoble surge em um contexto de crise latente, os apelos para a greve se multiplicam nos serviços de psiquiatria. No Hospital de la Conception em Marselha , uma equipe parou de trabalhar durante o mês de outubro, para recusar um paciente tido como muito violento; em 6 de novembro uma centena de assalariados do Hospital Saint-Jean-de- Dieu, em Lyon fizeram uma passeata para protestar contra a agressão de uma enfermeira por um paciente que não queria sair do hospital; terça-feira, 18 de novembro, cuidadores dos hospitais parisenses de Sainte-Anne, Esquirol e Maison-Blanche fizeram igualmente uma greve para “lançar umn alerta sobre a degradação da psiquiatria na França”.

De fato, malgrado o esforço feito pelo Estado com o plano de saúde mental 2005-2008(mais de um milhão de euros previstos sobretudo para as reformas de estabelecimentos), os hospitais psiquiátricos estão submetidos a uma forte contração financeira.

Em vinte anos, 50.000 leitos de hospitalização foram fechados, sem que as estruturas alternativas de cuidados (apartamentos e centros de acolhimento terapêuticos) tenham sido abertos em compensação. Como os hospitais gerais, os hospitais psiquiátricos devem responder aos imperativos de gestão médico-econômica, que impõem rentabilizar ao máximo os leitos disponíveis: “Resultado, pratica-se cada vez mais uma psiquiatria de “portas giratórias”, se insurge , Nadya Missaoui, sybdicaliste CGT na Maison-Blanche.

Os cuidadores  sofrem em não poder mais se ocupar suficientemente de seus pacientes. “A palavra de ordem é hospitalizações cada vez mais curtas, de alguns dias somente, então os tratamentos em três semanas para funcionar, explica Severine Morio. De repente coloca-se na rua pacientes ainda não estabilizados e que nem sabem aonde ir.” Não é raro, os cuidadores reencontrarem seus pacientes sobre as calçadas, alcoolizados e delirantes… antes que eles não descompensem de novo e sejam reenviados ao hospital.”Pela manhã  somos forçados em nossos horários para saber qual paciente se vai poder fazer sair porque há três esperando no corredor, denuncia Agnés Cluzel, do Hospital Bichat. E quando eles saem, nem sempre têm à mão o número do SAMU”.

Diante disto, as famílias têm sempre um sentimento de abandono.”Muitas da doenças mentais estão sem qualquer cuidado, se surpreende Anne Poiré, escritora, autora de História de uma esquizofrenia, Jérèmy, sua família, a sociedade( éd.Frison-Roche). Os pacientes vem eles mesmos ao hospital e não recebem cuidados. Estão em uma situação de negação de cuidados e de não-assistência à pessoa em perigo”. Anne Poiré relata o caso de uma jovem que tinha um surto delirante. Em alta do hospital contra a sua vontade, ela se apresenta em uma clínica particular que se  recusa a recebê-la  e a reenvia ao hospital de onde ela havia saído. Durante o percurso ela se suicida.

Neste contexto, o anúncio de Nicolas Sarkozy, no dia seguinte ao drama de Grenoble, de um endurecimento da lei de 1990 sobre hospitalização sem consentimento, é vista com inquietude pelos cuidadores. O Presidente da República quer criar um arquivo de pessoas hospitalizadas de ofício e endurecer suas condições de alta.” Nós somos todos favoráveis  a uma reforma, mas nós recusamos a exploração desavergonhada de um fato para servir a causa securitária, se insurge Norbert Skurnik, presidente do Sindicato dos Psiquiatras do setor.”Que uma população também inofensiva como os esquizofrênicos seja estigmatizada é inadmissível: são os nossos pacientes que estão em perigo por falta de cuidados, não o inverso!”

Portanto, a psiquiatria está longe de ficar surda às injunções de segurança. Confrontadas com pacientes agressivos por falta de cuidados, as equipes recorrem cada vez mais a contenção e aos quartos de isolamento. Ao lado de cinco unidades para doenças difíceis, reservadas para estadias de seis a doze meses, criam-se hoje unidades de cuidados intensivos psiquiátricos para estadias mais curtas: o hospital recria em seu seio os muros que tentou abolir no início dos anos 80.

Tem-se um paradoxo permanente, explica Serge Klopp, do quadro de enfermagem. Em nome da uma desinstitucionalização fecharam-se leitos, e nos dizem hoje que é preciso encarcerar os mais perigosos. Então se multiplicam os lugares em quartos de isolamento, porque não se tem o tempo para cuidá-los quando estão em crise. Como não se pode mais conter a angústia do psicótico por uma presença tranqüilizadora, eles passam ao ato quase sempre. Resultado. tem-se na relação da força e a gestão da violência”. Entre sua missão de cuidado e o imperativo de segurança que se impõe à ela, a psiquiatria se debate cada vez mais em injunções contraditórias.