Sabe-se que o uso de drogas em nossa sociedade atual é bastante grande, implicando problemas sociais, econômicos, culturais, familiares, de segurança pública e outros. Com o passar dos anos, estão surgindo cada vez mais novos tipos de drogas, o que causa uma grande curiosidade, isso associada à farta disponibilidade proporcionada pela fabricação industrial em massa, somadas à publicidade excessiva, à permissividade em casa e à falta de leis mais severas.
Pode-se dizer que algumas vezes o uso de drogas é um comportamento hiperaprendido dentro da própria família, pois o uso tem seu início dentro de casa, muitas vezes de forma socialmente bem aceita. Nota-se, por exemplo, a criança crescendo e observando a mãe tomando um remédio para qualquer mal-estar sentido e o pai tendo seu direito de tomar a sua dose diária de uísque ou a sua cervejinha depois da volta do trabalho, pois teve um dia um tanto estressante e é isto que o faz relaxar, ou seja, o efeito psicológico desejado é sempre o de um anestésico para a angústia.
De acordo com Sielski, o que está piorando é o modo como as drogas estão sendo usadas, pois parece que gradativamente está prevalecendo a ligação da química ruim da droga com a mente humana, ao invés de uma ligação mais branda, mais amena, que possa dar prazer e alegria, alívio e calma. Para Seibel e Toscano Jr., a sociedade consumista estimula de forma crescente o culto do efêmero. Cria-se a ilusão de que, se usarmos tal produto, se fumarmos aquele cigarro, atingiremos a almejada felicidade.
A partir de experiências pessoais com familiares envolvidos com drogas, direcionei meu trabalho clínico para o tratamento e recuperação de dependentes químicos, tendo sempre muito interesse nesta área, frustrante por um lado, quando muitas pessoas acabam recaindo, mas recompensador por um outro, quando a pessoa se recupera, principalmente quando conta com um grande apoio familiar e pode seguir alguma forma de tratamento.
Observo no meu trabalho que os pacientes que ali chegam – trazidos pela família ou encaminhados pela empresa – e que após uma consulta de avaliação necessitam de internação, são pacientes em sua maioria com uma dependência grave já instalada, algumas vezes vindos de recaídas de tratamentos anteriores. Estes pacientes, muitas vezes, chegam bastante debilitados, não só física como emocionalmente, com um descuido em sua aparência física. Não raro, as famílias sequer sabem como funciona um tratamento para este tipo de problema, muitas vezes, ingênuas, minimizando ou negando a dependência, mesmo quando dentro de casa estão acontecendo agressões físicas, com uma falta de limites bastante grande, assustadas, sem saber o que fazer ou como agir.
Na prática clínica percebo que há uma grande negação do problema por parte do dependente e também por parte de sua família, fazendo com que se levem anos para a busca de alguma ajuda especializada nesse sentido. Isso faz com que o problema se torne cada vez mais grave e que os prejuízos também aumentem consideravelmente, alem de elevar o desajustamento familiar e de dificultar a saída do paciente da dependência. Negar o problema que já estava sendo observado pela mudança de hábitos e comportamentos, a princípio parece ser omissão à necessidade de mudança, pois uma mudança pode ser bastante ameaçadora à medida que exige que sejam revistos papéis, regras e limites dentro do sistema.
Parece que o que faz com que uma família busque ajuda especializada em determinado momento são os problemas relacionados ao uso. Os problemas causados a nível social e familiar são tantos e de tão grande proporção, podendo causar violência, roubo, discriminação, acidentes de trânsito, crime e não raro o rompimento do vínculo com a família. Além disso, sabemos também que o dependente, na maior parte das vezes, não consegue perceber a necessidade, pois está distante da realidade.
A negação da realidade é tão grande que acaba sendo incapaz de perceber sua própria situação, criando um mundo à parte, a sua própria realidade. O que se percebe neste momento é que a família sabe do problema, ou porque viu, ou porque lhe contaram, ou principalmente pelo comportamento do dependente que está alterado, mas parece não querer acreditar ou achar que não é isto tudo que está acontecendo, parecendo que a família também se intoxica com a substância de seu familiar e acaba por minimizar e/ou negar o problema tanto quanto ele.
O que se percebe na prática é que a família que procura ajuda acha que apenas o dependente químico é que necessita de auxílio, ou porque é “ele” que usa substâncias psicoativas ou porque não tem muita clareza da importância da sua participação no processo de recuperação.
A busca de tratamento parece mais lenta, não imediata, devido ao processo de negação da dependência, tanto por parte do dependente, como por parte da família. Além disso, a família tem uma dificuldade enorme em estar procurando um tratamento sem que o dependente químico expresse essa vontade. Durante o período do uso da droga, o dependente está sem contato com a realidade como esta realmente é e não consegue perceber a necessidade e os danos causados a si e aos que o rodeiam. Assim, fica praticamente impossível que um pedido de ajuda vindo do dependente seja manifestado, pois, no início do uso acha-se que pode parar quando quiser e quando o uso da droga já se encontra num estado mais grave acaba por não perceber.
Penso que a Terapia Familiar é importante para a questão da dependência química, pois na prática, o que percebemos é que todo o sistema se envolve nesta questão, uma vez que esse tipo de problema não atinge apenas o indivíduo, mas todos com quem convive. Além disso, é importante a família toda participar do tratamento, já que uma pessoa não pode mudar sem mobilizar mudanças nas outras.
Franciane Veiga Cazella, é psicóloga especialista em terapia familiar e da equipe da Clínica Quinta do Sol.
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