Desde que, em 1975, a Organização das Nações Unidas reconheceu, por intermédio da Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente, a necessidade de proteger os direitos e assegurar o bem-estar e a reabilitação daqueles que estão em desvantagem física ou mental, esse tema foi incluído na legislação dos países signatários, entre eles, o Brasil. A Constituição Federal, a Lei n° 7.853, que estabeleceu a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, e a Lei Orgânica de Assistência Social determinam a articulação entre entidades governamentais e não governamentais para o atendimento ao portador de deficiência.
A exclusão e falta de assistência aos deficientes não acontecem, portanto, pela ausência de leis. Segundo a publicação Pessoas portadoras de deficiência, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, existem para o deficiente físico cerca de 58 leis, decretos e resoluções federais e, no Estado e no município do Rio de Janeiro, outros 195 leis, decretos e resoluções.
Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei, do senador Paulo Paim (PT-RS), que cria o Estatuto do Portador de Necessidades Especiais, com o objetivo de assegurar a inclusão das pessoas portadoras de deficiência. Mas o estatuto não deve conter apenas regras: é necessário que preveja recursos orçamentários às instituições que participam dessa ação social, e que determine com rigor ao poder público que cumpra sua parte na parceria com a sociedade civil.
Vale contar aqui o que vem ocorrendo com a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), uma referência no tratamento de portadores de deficiência, que está completando 50 anos. A instituição presta assistência médica, fisioterápica, educacional e psicológica, e a vasta gama dos seus serviços multidisciplinares visa à recuperação e integração social dos seus pacientes. O atendimento médico na ABBR é prestado através dos convênios médicos, e ao Sistema Único de Saúde (SUS) são destinados, atualmente, 74% dos seus serviços.
Ao longo dos seus 50 anos de existência, a entidade já atendeu aproximadamente 300 mil pessoas. Encontram-se em tratamento, hoje, na ABBR, 2.994 pacientes. Por uma consulta médica, a ABBR recebe do SUS R$ 7,55; pela avaliação de um paciente, R$ 2,55; por um tratamento de reabilitação de alta complexidade, R$ 17,30; e por uma internação (diária), R$ 41. A instituição, que, por ser filantrópica, não almeja lucro, gasta com esse paciente do SUS R$ 25 na consulta e R$ 140 na internação. O custo mínimo da ABBR, comparado com a remuneração da tabela SUS, gera prejuízos acumulados que, em 2002, chegaram a R$ 3.380.929,38, e em 2003, a R$ 2.521.188,63.
A instituição foi afetada quando, a partir de 1995, foi excluída dos preços pagos por serviços prestados em nome do SUS a remuneração adicional por serviços complexos. A entidade não recebe recursos dos governos federal, estadual ou municipal. As dívidas acumuladas nos últimos nove anos já totalizam R$ 11 milhões. Para o saneamento financeiro da entidade, a ABBR elaborou um projeto visando à reestruturação da instituição e o apresentou às autoridades, em todas as instâncias governamentais.
Ainda assim, mesmo com os valores irrisórios recebidos do convênio com o SUS, vem sendo mantida uma estrutura de atendimento inigualável no Rio de Janeiro. Para isso, tem sido importante a participação dos 3 mil contribuintes mantenedores, que doam, cada um, mensalmente, o valor médio de R$ 30.
É irônico a ABBR ter recebido diplomas oficiais como instituição de Utilidade Pública federal, estadual e municipal. Essa ”utilidade” só é reconhecida, na prática, pela população. O poder público, que não vem cumprindo seu papel na assistência social, também não tem honrado a ABBR com esse reconhecimento. Em seu aniversário de 50 anos de exercício de responsabilidade social, a ABBR, um dos símbolos representativos do ”Brasil: Um País de Todos”, espera pela participação efetiva dos órgãos governamentais no verdadeiro processo de parceria determinado pela legislação do país.
* Aquiles Ferraz Nunes é superintendente executivo da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação