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Câmara decide sobre células de embrião

Deputados podem votar hoje lei que libera plantio comercial de transgênicos e estudos com células-tronco

O governo federal pretende votar hoje na Câmara dos Deputados o projeto da Lei de Biossegurança, que regulamenta o plantio e a comercialização de alimentos transgênicos e a pesquisa com células-tronco embrionárias.

O projeto -parado desde o final de 2004, quando foi alterado no Senado- está na pauta da Câmara desde ontem, mas não foi votado para dar mais prazo aos intensos lobbies a favor e contra os pontos polêmicos, principalmente a pesquisa com células-tronco, que sofre forte resistência de grupos religiosos.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), recebe hoje líderes do lobby pró-aprovação da lei. Ele tem audiência marcada, pela manhã, com o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, e à tarde com o da Agricultura, Roberto Rodrigues. No meio, um almoço com os integrantes da bancada ruralista, favorável aos transgênicos.

Ontem já foi um dia de intensas movimentações no gabinete do presidente. Ele recebeu representantes da Associação Cultural Montfort, formada por leigos católicos, que classifica a pesquisa com células embrionárias como “atentado à vida”. Em seguida, foi a vez de integrantes do Movimento Pró-Vida, que representa deficientes físicos que poderiam ser beneficiados pelas pesquisas.

Desde anteontem, cientistas e organizações não-governamentais vêm realizando atos na Câmara a favor da liberação das células-tronco embrionárias. Lembram que o desenvolvimento de pesquisas na área traz a possibilidade de cura para portadores de doenças genéticas, que atingem 3% das crianças nascidas no país, ou seja, cerca de 5 milhões de pessoas.

Em carta distribuída aos parlamentares, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) critica a inclusão do artigo referente às células-tronco na lei e pede que ele seja derrubado.

“Confiamos que os senhores não se deixarão dobrar pela pressão de grupos que investem na biotecnologia para auferir lucros”, diz a carta de duas páginas.

Assinam o documento o presidente da entidade, cardeal Geraldo Majella Agnelo, o vice-presidente d. Antônio Celso de Queirós e o secretário-geral d. Odilo Pedro Scherer. Na carta, a CNBB diz ainda haver “pessoas e grupos que mais parecem vendedores de ilusão de vida fácil do que preocupados com a saúde e a vida”.

O Ministério da Saúde divulgou ontem uma nota em que diz esperar “que os parlamentares se mostrem sintonizados com os interesses dos brasileiros e aprovem o projeto”. O ministério usa, principalmente, dois argumentos na defesa das células-tronco: maior qualidade de vida dos pacientes e economia e eficiência para o SUS (Sistema Único de Saúde), diminuindo os custos do tratamento.

Já em relação aos alimentos transgênicos, a Saúde defende que volte o texto original da Câmara, que confere à pasta participação no processo regulatório por meio da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

“Estamos à disposição dos parlamentares para prestar os esclarecimentos técnicos necessários para que possam votar rapidamente a matéria”, disse o ministro Humberto Costa (Saúde).

A discussão da Lei de Biossegurança se arrasta desde o início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Uma primeira versão foi aprovada pela Câmara no ano passado, mas foi modificada no Senado e por isso teve de retornar à Casa.

A versão do Senado, que é mais específica a respeito das células-tronco e mais favorável à liberação dos transgênicos, foi aprovada por uma comissão especial da Câmara e agora segue a plenário.

Líderes da bancada evangélica, de 58 deputados, já avisaram que vão votar contra o projeto inteiro se a parte referente às células-tronco não for retirada. As chances de que o artigo caia, no entanto, são reduzidas.

Resultados esperados vão além da terapia

REINALDO JOSÉ LOPES

DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo que o Congresso aprove o uso de embriões descartados por clínicas de fertilização para obter células-tronco, isso não significará que tratamentos contra males como Parkinson ou distrofia muscular estarão disponíveis imediatamente. Os pesquisadores ainda precisam desvendar boa parte dos mecanismos que conduzem a transformação das células embrionárias em substitutos viáveis para órgãos danificados.

Do ponto de vista da pesquisa básica, no entanto, isso não diminui sua importância. Em princípio, as células-tronco embrionárias seriam ideais para investigar como se dá o desenvolvimento de cada tecido do organismo, a partir dos vários passos de divisão e diferenciação (ou seja, especialização) das células. Também permitiriam que medicamentos específicos para determinado tecido (muscular ou nervoso, por exemplo) tivessem sua ação testada antes em laboratório.

No estudo das células-tronco adultas, pesquisadores brasileiros têm conseguido avanços importantes, embora incertezas também existam. A fonte dessas células mais utilizada por aqui é a medula óssea, embora alguns grupos também estudem as provenientes do cordão umbilical.

Com a ajuda dessas células, a equipe liderada por Radovan Borojevic, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Hans Dohmann, do Hospital Pró-Cardíaco, recuperaram o coração de pacientes com insuficiência cardíaca grave, bem como melhoraram o estado geral de saúde de uma mulher que havia sofrido um AVC (acidente vascular cerebral).

Já Ricardo Ribeiro dos Santos e seus colegas da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia obtiveram sucesso parecido com pacientes do mal de Chagas, que apresentam lesões e crescimento anormal do coração. Ainda resta saber se as células adultas realmente viram tecido do coração ou apenas promovem o crescimento de novos vasos sangüíneos no órgão.

O mesmo tipo de célula está sendo usado pelo ortopedista Tarcisio Barros, da USP, em pacientes tetraplégicos ou paraplégicos. Sua aplicação na área lesada da coluna os ajudou a recuperar parte da sensibilidade, embora não os movimentos.

Não há mais o que debater”, diz cientista

SALVADOR NOGUEIRA

DA REPORTAGEM LOCAL

A geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, saiu animada da reunião que teve ontem com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. Ela está otimista com a perspectiva de que o projeto da Lei de Biossegurança seja votado ainda hoje. Os dois ainda voltarão a se encontrar hoje, no gabinete do presidente da Câmara.

A animação de Zatz vem de declarações dadas a ela pelo próprio Cavalcanti. “Independentemente da posição dele, ele disse que vai deixar a maioria decidir”, afirmou a cientista. “E fiquei muito contente ao falar com a filha dele, que é a favor. Estou otimista.”

O projeto proíbe a clonagem terapêutica, ou seja, a produção por clonagem de embriões para a obtenção de células-tronco, e a clonagem reprodutiva.

Para ser aprovado, o texto da Lei de Biossegurança precisa de dois terços dos votos na Câmara. Caso consiga, dependerá apenas da assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para virar lei.

Zatz tem sido a principal articuladora da defesa da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias em Brasília. Participou de vários encontros com parlamentares nos últimos meses, defendendo a liberação dos estudos.

A mobilização teve sucesso no Senado, modificando o texto do projeto para que ele permitisse o estudo de embriões com mais de três anos, inutilizados e armazenados em clínicas de fertilidade, com autorização dos genitores.

A versão anterior, primeiro votada na Câmara, não permitia uso de material extraído de embriões, mas deixava brechas em relação à clonagem terapêutica. “Havia uma contradição”, diz Lygia da Veiga Pereira, da USP.

Alterado pelo Senado, o projeto voltou à Câmara, comandada agora por Cavalcanti, que já se disse contrário às pesquisas com embriões. Alguns cientistas até temiam que a decisão de levar o texto à votação resultasse em veto e queriam retomar as palestras e comunicações com deputados, para evitar a decisão contrária.

Zatz, no entanto, não vê essa necessidade. “Acho que tudo que tinha de ser discutido já foi discutido. Na minha opinião, não há mais o que debater”, diz. “Agora é só levar à votação.”