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Cássia Eller: Morte controversa

Cássia Eller não morreu: nem a artista, para os fãs da mais vigorosa cantora do rock brasileiro; nem as circunstâncias rumorosas em que partiu, em 29 de dezembro de 2001. Dois anos e dez meses depois de Cássia morrer na Casa de Saúde Santa Maria, em Laranjeiras, na zona Sul do Rio de Janeiro, o Ministério Público Estadual denunciou erro médico no seu tratamento. Um laudo pericial divulgado ontem, feito por uma equipe de médicos e farmacêuticos reunidos pelos promotores, afirma que o atendimento dado a Cássia foi contra-indicado para tratar qualquer paciente que pudesse ter feito eventual uso de álcool ou de outra droga. O MP pediu ao promotor Alexandre Themistocles, da 6ªPromotoria de Investigação Criminal, que indicie os médicos responsáveis por crime de homicídio culposo, com pena de até três anos de cadeia. O hospital já informou que vai pedir uma perícia independente.

”A não utilização da terapêutica adequada trouxe ao menos uma diminuição das chances de recuperação da paciente”, informa o laudo do MP, ”ficando demonstrada a falta do tratamento adequado devido à vítima por parte dos profissionais médicos que a atenderam quando da admissão no hospital onde faleceu.” O primeiro erro dos médicos, segundo o parecer, foi não terem feito uma lavagem gástrica imediata, ”apesar de haver relato de álcool e provável ingestão de cocaína (…) para impedir que as substâncias tóxicas continuassem a ser absorvidas pelo organismo”.

Além dos sintomas com que chegou ao hospital – náuseas, vertigens, desidratação, agitação psicomotora e confusão mental -, havia o relato das percussionistas Elaine Silva Moreira, a Lan Lan, e Thamyma Brasil, que a levaram ao hospital e disseram aos médicos que ela provavelmente havia bebido e cheirado cocaína desde a noite anterior. A lavagem só foi feita depois de seu encaminhamento ao CTI (Centro de Tratamento Intensivo), logo após a primeira parada cardiorrespiratória. A essa altura, diz o laudo, uma diálise poderia salvá-la, o que também não foi feito.

Como aconteceu

Segundo o laudo do MP, os médicos não apenas deixaram de usar os medicamentos adequados como, mais grave ainda, aplicaram os errados. O laudo afirma que não houve a utilização de sedativos que seriam indicados, como o Diazepam (benzodiazepínico), apesar de a paciente pedir por sedação. Em seu lugar, Cássia foi medicada com Plasil (metoclorpramida). Segundo o laudo, o medicamento, que foi injetado na veia, ”pode acelerar a absorção de qualquer droga presente no organismo.” Houve, então, a utilização de adrenalina e atropina, igualmente contra-indicadas nos casos de infarto com utilização de álcool ou cocaína. Meia hora depois da aplicação de Plasil, Cássia estava morta. Laudo do hospital: ”Infarto agudo do miocárdio.”

”Os médicos no Brasil trabalham às cegas nos hospitais e acabam chutando com o que é mais comum”, aponta a farmacêutica Eliani Spinelli, que fez parte da equipe que elaborou o laudo. ”Tudo isso é a verdade, houve claramente negligência por despreparo médico. Tinham que ter verificado na hora, pela urina, a presença de cocaína, e fazer uma lavagem gástrica. E depois entrar com uma medicação antídoto para cortar os efeitos, e não para piorar seu estado. Ela morreu em sofrimento”, lamenta o diretor do Centro de Toxicologia de Brasília, o toxicologista Otávio Brasil.

A reviravolta no caso ocorre um ano depois de o próprio Ministério Público ter pedido o arquivamento do inquérito. Na época, o juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto, da 29ªVara Criminal, negou o arquivamento e determinou uma investigação mais profunda. O novo parecer do MP, assinado pelos promotores Fernando Chaves e Flávia Ferrer, da assessoria criminal do MP, com o aval do procurador-geral em exercício, Celso Fernando de Barros, muda os rumos do processo e abre caminho para a família de Cássia Eller entrar com uma ação civil pedindo à Casa de Saúde Santa Maria indenização pelos danos causados.

”Sempre soubemos que a alegação da clínica, de que Cássia teria tido uma overdose, não era verdadeira. Agora o laudo comprova que houve erro médico”, diz Marcos André Campuzano, advogado de Maria Eugênia Martins, companheira da cantora. ”O mau atendimento na clínica ceifou a vida de uma artista que estava no auge e que ainda teria muito sucesso.” A eterna garotinha Cássia morreu aos 39 anos deixando seus fãs saudosos e, agora, indignados.

CHICÃO É DO ROCK

O filho de Cássia Eller, Francisco Ribeiro Eller, a quem ela chamava de Chicão, continua vivendo com a companheira da cantora, Maria Eugênia Vieira Martins. O garoto, que está com 11 anos, continua freqüentando a mesma escola, o Centro Educacional Anísio Teixeira, em Santa Teresa, e toca bateria numa banda de rock formada com amigos.

CRONOLOGIA

Trajetória de sucesso

1962

Filha de mãe musicista e pai militar, Cássia Rejane Eller nasceu em 10 de dezembro no Rio de Janeiro. O nome foi uma sugestão da avó, devota de Santa Rita de Cássia. A convivência com músicos durante a infância fez nascer o gosto pela música. Cássia ganhou o primeiro violão aos 14 anos. Era nele que ensaiava canções dos Beatles. Durante as décadas de 70 e 80, a cantora morou em várias cidades do Brasil. Passou por Belo Horizonte, Santarém (Pará) e Rio de Janeiro.

1980

Cássia chega a Brasília. Tinha 18 anos e nessa época trabalhou como garçonete e cozinheira. Também ingressou sério na música. Cantou como corista em duas óperas e participou de show de Oswaldo Montenegro. Sete anos depois, ela passaria a viver com Eugênia Vieira Martins, com quem morava há 14 anos.

1989

Neste ano, Cássia gravou a primeira fita demo, em São Paulo, com a ajuda de um tio chamado Anderson. Na fita, a cantora dava voz à canção Por Enquanto, de Renato Russo. Foi o tio quem levou o material à gravadora Polygram, que acabou contratando Cássia, então com 28 anos, e lançando o primeiro disco, Cássia Eller, em 1990.

1993

Nasce Francisco, filho de Cássia com Otávio Fialho, guitarrista da banda de Arrigo Barnabé e de Caetano Veloso. O músico morreu cinco dias antes do nascimento da criança. Em 1994, a cantora gravou Malandragem, hit que fez emplacar o disco Cássia Eller.

2001

Neste ano, a cantora ultrapassaria mais de 100 mil discos, marca nunca atingida até então. Cássia Eller Acústico MTV bateu o recorde com 400 mil cópias vendidas. Cássia se apresentou pela última vez em Brasília em agosto deste ano.

Entenda o caso

Na época da morte, o laudo foi inconclusivo sobre causa de parada cardíaca

No dia 29 de dezembro de 2001, a cantora Cássia Eller morre na clínica Santa Maria, em Laranjeiras (zona sul do Rio), após sofrer quatro paradas cardíacas. Ela tinha 39 anos e havia sido internada horas antes. Amigas dizem que a artista tinha bebido cerveja e poderia ter usado cocaína. A polícia registra o caso como morte suspeita

O corpo da cantora é necropsiado. O exame revela que Eller não tinha doença aparente nem lesão externa que pudessem ter provocado as paradas cardíacas

A polícia passa a investigar a possibilidade de a morte ter sido provocada pelo medicamento Plasil, que Cássia recebeu na clínica. O fabricante do Plasil afirma que não havia registro de parada cardíaca provocada pelo remédio. A clínica nega que tenha havido erro médico

Os exames toxicológicos feitos pelo Instituto Médico Legal não encontraram drogas nem álcool no sangue, vísceras ou urina da cantora

O laudo final do IML indica que Eller morreu em conseqüência de um infarto seguido de quatro paradas cardiorrespiratórias. Os peritos afirmam não ter elementos técnicos suficientes para determinar o que provocou a primeira parada cardiorrespiratória

No dia 1º de fevereiro de 2002, a Polícia Civil encerra as investigações

O Ministério Público arquiva o caso, mas a Justiça recusa e o devolve aos promotores

Uma nova perícia feita pelo Ministério Público Estadual provoca uma reviravolta no caso. O laudo do Ministério Público, revelado ontem, indica que a morte de Cássia foi provocada pelo medicamento Plasil, que seria contra-indicado para usuários de álcool ou outro tipo de drogas

A assessoria criminal do Ministério Público recomenda que os médicos que atenderam a cantora sejam denunciados por homicídio culposo.