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Corrupção: agora são 283 parlamentares

            Os parlamentares que investigam a fraude de superfaturamento de ambulâncias se depararam ontem com um número espantoso. O esquema de desvio de recursos da Saúde tentou negociar com mais de 55% da Câmara. A ex-funcionária do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino contou ontem aos integrantes da comissão de sindicância da Corregedoria que a Planam, empresa que vendia os veículos, contatou 283 deputados. Esses foram os congressistas que destinaram recursos para a compra de ambulâncias e que constam de documentos pessoais de Penha entregues por seus advogados ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

            A planilha com os nomes dos deputados estava no computador da ex-servidora no ministério. O arquivo contém o número da emenda (recurso destinado por parlamentar), o valor inscrito para pagamento (empenhado) e o nome do parlamentar que indicou o recurso. O acompanhamento de Penha era a forma de apontar à quadrilha quais os deputados que poderiam ser procurados para participar do esquema, embora alguns dos parlamentares tenha sido procurados pela Planam antes mesmo de propor as emendas. "Todos os deputados que estão no relatório devem ter tido algum contato com a empresa", contou o advogado da ex-funcionária, Eduardo Mahon.

 

            O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) anunciou ontem à noite que conseguiu assinaturas suficientes para a instalação de uma CPI mista para investigar parlamentares. "Temos de separar os sanguessugas dos inocentes", destacou, ao informar que hoje às 11h levará à Mesa da Câmara as 190 assinaturas de deputados e as 29 dos senadores – eram necessárias 171 na Câmara e 27 no Senado. Ele espera mais adesões à comissão de inquérito.

 

Emendas

 

            A quadrilha pagava propina aos congressistas para que eles utilizassem o prestígio político com o objetivo de pressionar o Ministério da Saúde a liberar os recursos, aponta a investigação da Polícia Federal. No depoimento de ontem, de uma hora e meia, Penha negou que tivesse negociado diretamente com os parlamentares a participação no negócio. Mas sugeriu aos investigadores checar quais emendas foram efetivamente liberadas. Para ela, o parlamentar que teve recursos repassados devem ter recebido propina da Planam. "Ela diz que a liberação da emenda só ocorria mediante negociação. Nenhum parlamentar que liberasse emenda poderia estar livre de investigação", revelou o advogado.

 

            Os integrantes da comissão da sindicância, porém, desconfiaram dos dados informados por Penha. Ela já chegou a dizer que um terço da Câmara (170 deputados) estava envolvida no esquema, mas só conseguiu apontar 80 nomes, além de um senador. Para os deputados, ela tenta convencer a polícia e a Justiça de que tem informações relevantes que justifiquem a delação premiada, pela qual poderia ter a pena reduzida. "Neste primeiro momento, não dou crédito a este número de 283. Mas vamos pedir ao Supremo a relação e investigar", avisa o deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), um dos participantes da sindicância. Para o advogado, os parlamentares querem desmoralizar sua cliente, com a intenção de proteger os colegas. "Há uma tentativa de desacreditar as informações de minha cliente", acusa.

 

            Além de Penha, os deputados ouviram ontem outras sete testemunhas, que frustraram a expectativa da comissão. Eles esperavam que os sócios da Planam confirmassem o pagamento de propina a uma lista de 13 deputados que aparecem no livro-caixa da empresa, entregue pelo delegado da PF, Tardelli Boaventura. O dono da Planam, Darci Vedoin, porém, escapou do interrogatório. Disse que o filho Luiz Antônio Trevisan Vedoin é que cuidava das finanças da empresa.

 

Quebra de sigilo

 

            Ao depor, Luiz Antonio, porém, teve amnésia seletiva. Confirmou todos pagamentos feitos a fornecedores da empresa. Mas disse não se lembrar do repasse de dinheiro a parlamentares, que constavam dos documentos em mãos da sindicância. A única afirmação que fez é a de que o dinheiro pode ter sido ajuda de campanha aos deputados, para a compra de camisetas. "Não houve a colaboração como esperávamos. Espero que até o final das investigações, as testemunhas mudem de comportamento", analisou o corregedor Ciro Nogueira (PP-PI). Para driblar a mudez das testemunhas, a sindicância vai requisitar o sigilo bancário e fiscal da Planam para checar se os pagamentos foram realmente feitos e nos valores que aparecem nos documentos.

 

            A comissão vai agora fazer o cruzamento de informações para tentar descobrir quais os deputados que estão realmente envolvidos com a quadrilha. Ciro acredita que a lista de 16 atuais investigados vai crescer com a inclusão de novos nomes e pelo menos um deles poderá ser retirado. A sindicância deve começar a ouvir os deputados na próxima quarta.

 

            Logo após o depoimento, Maria da Penha também fez questão de dar recados. Avisou que não citou a deputada Denise Frossard (PPS-RJ) como integrante da máfia e acusou o delegado Boaventura de quebrar um compromisso e divulgar seu depoimento. Algemada, ainda deu lição de moral: "Este país tem de ser passado a limpo", pregou.

 

 

 

            “Não houve a colaboração como esperávamos”, Deputado Ciro Nogueira (PP-PI), corregedor.

 

“Este país tem de ser passado a limpo”, Maria da Penha Lino, ex-assessora da pasta da Saúde.

 

 

 

A dança dos números

 

            62 deputados federais,

 

            1 suplente de deputado,

 

            1 ex-deputado e 1 senador

 

           

 

A primeira lista de parlamentares supostamente envolvidos na máfia dos sanguessugas surgiu a partir de conversas telefônicas gravadas pela PF com autorização judicial. Entraram nela deputados e um senador que tiveram os nomes mencionados por integrantes da quadrilha.

 

            170 deputados

 

            O segundo número de parlamentares supostamente envolvidos surgiu a partir do depoimento da ex-assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino à Polícia Federal, em Cuiabá. De acordo com seu advogado, Eduardo Mahon, Penha disse que um terço da Câmara – 170 deputados – estaria envolvido no escândalo, que nos últimos quatro anos movimentou mais de R$ 110 milhões.

 

            78 deputados federais,

 

            2 suplentes de deputado,

 

            2 ex-deputados e 1 senador

 

            Dos 170 parlamentares supostamente envolvidos, Maria da Penha Lino conseguiu, no entanto, colocar no papel os nomes de apenas 81, além de dois ex-deputados. Ela identificou todos eles a partir de uma lista dos parlamentares da atual legislatura na Câmara.

 

 

 

            283 deputados federais

 

            É quantidade de parlamentares cujos nomes estão em arquivos do computador de Maria da Penha Lino – material que está em poder do ministro Gilmar Mendes, do STF. São autores de emendas para liberação de verbas para compra de ambulâncias. Não significa que todos estejam envolvidos com a máfia dos sanguessugas, mas, pelo menos, foram contatados pelos acusados.

 

 

 

Suassuna e sua turma

 

            Cinco asssessores do senador foram presos pela PF ou demitidos sob suspeita de corrupção nos últimos 10 anos

 

           

 

            Fugindo das denúncias

 

            O cargo de assessor parlamentar do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) se transformou nos últimos 10 anos em profissão de risco. Malabarista nato, Suassuna, apoiado em acordos políticos e na imunidade parlamentar, sempre consegue um jeito de se livrar dos amontoados de denúncias, processos e inquéritos da Polícia Federal e do Ministério Público que envolvem seu nome.

 

            A mesma sorte, no entanto, não têm tido seus principais assessores. Além de perderem o emprego, subalternos do senador foram em várias ocasiões parar atrás das grades. Segundo levantamento do Correio, cincos servidores do senador foram demitidos ou presos ao serem pegos de calça curta em esquemas de corrupção nos últimos cinco anos. E o senador, que afirma ter dificuldades para controlar os funcionários, acaba sempre fica surpreendido com as travessuras dos subordinados.

 

            "Estou surpreso. Não sabia da relação dele com o esquema", declarou Suassuna após demitir o servidor Marcelo Cardoso Carvalho, preso pela Polícia Federal na Operação Sanguessuga sob a acusação de pertencer a quadrilha que comandava um esquema para a aquisição fraudulenta de ambulâncias a partir de emendas apresentadas por parlamentares. Também detida pela PF na mesma operação, a ex-funcionária do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino contou, no entanto, uma história diferente. "O Suassuna recebia dinheiro do esquema", disse.

 

            Os ex-servidores do senador não tiveram o mesmo comportamento de Maria da Penha ao serem interrogados pela PF e pelo Ministério Público. Fiéis escudeiros, agüentaram firme sem comprometer o ex-chefe. Mas, até agora, não tiveram o reconhecimento do senador. Orientado por seus advogados, Suassuna procura minimizar as relações com os ex-funcionários envolvidos em escândalos. Foi esse, por exemplo, o tratamento que recebeu o ex-servidor Henry Hoyer de Carvalho. Ele foi demitido em setembro de 2005 depois de ser denunciado pelo Ministério Público sob a acusação de participar, junto com Suassuna, de um suposto esquema de corrupção para favorecer a Empresa Brasileira de Assessoria e Consultoria. Sediada no Porto de Santos, a consultoria engorda suas contas bancárias ao prestar serviço de "saneamento fiscal" a empresas. A denúncia foi feita ao Ministério Público Federal pela ex-diretora da empresa Norma Boffa Santos, que disse ter pago propina para Suassuna em troca de contrato firmado com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio (Cedae), em janeiro de 2000.

 

Sociedade

 

            "Ele (Henry) trabalhou alguns meses em meu gabinete. Não há como fazer relação entre um negócio fechado em 2000 e uma contratação realizada em 2005", disse Suassuna, na semana passada, à Folha de S.Paulo. Mas um conjunto de documentos obtido pelo Correio mostra que as ligações entre Suassuna e Carvalho são antigas. Segundo a Junta Comercial do Rio, Carvalho é sócio de Suassuna desde 1998 na empresa Rivertec Informática, com sede no município de Três Rios (RJ).

 

            A Rivertec tem ainda outra sócia: Sandra Katz, irmã e testa-de-ferro do doleiro Benjamin Katz, acusado no relatório da CPI do Banestado de lavar US$ 108 milhões e de ter relações com a máfia do tráfico da Colômbia. Até 2002, a empresa tinha ainda como sócio Bruno Messer, sobrinho de Dario Messer, responsável pelo envio de US$ 30 milhões que a quadrilha de fiscais, comandada por Rodrigo Silverinha, desviou dos cofres públicos – escândalo conhecido como propinoduto. Embora Suassuna negue, as relações do senador com José Elísio Ferreira Jr., outro ex-servidor acusado pelo MP de participar do esquema de cobrança de propina da empresa de Norma Santos, também estão documentadas. De acordo com a papelada, os dois foram sócios na Are Corretora de Seguros com sede no Rio.

 

 

 

Mala de R$ 100 mil

 

 

 

            Vale lembrar que que Elísio Ferreira foi quem derrubou o senador do cargo de ministro da Integração Nacional, em 2002. Naquele ano, Ferreira foi preso em flagrante pela PF, em Brasília, quando recebia uma mala com R$ 100 mil. Segundo as escutas telefônicas da PF, em que Suassuna é citado como "o anão", o dinheiro se referia ao pagamento de propinas de empreiteiras de Belo Horizonte e Goiânia.

 

            Documentos mostram ainda as relações com seu ex-assessor John Kirchofer Cabral, demitido após ter sido citado no relatório da CPI da Assembléia Legislativa do Rio que apurou fraudes na Previdência. Os registros da Junta Comercial do estado revelam que Suassuna foi sócio do irmão do servidor, Luiz Marques Cabral, na empresa de vigilância Vig Lex Serviços. "Ficou muito claro a participação de Kirchofer no esquema e de que havia um dedo de Suassuna em todo aquele esquema", afirma a relatora da CPI, deputada estadual Cidinha Campos (PDT).

 

            Proprietário do Colégio Anglo-Americano, que conta com filiais no Paraguai e Miami, Suassuna nos últimos anos tem tido também uma inclinação para a área de saúde. Por intermédio de seu filho e sócio Robson Suassuna , o senador tornou-se sócio em 2004 na empresa SLS Produtos Médicos e Odontológicos e do laboratório Asher Alib Medical do Brasil. A inclinação do senador por essa área médica acabou lhe obrigando a afastar, em 2001, a servidora Sissi Santos, acusada de usar material do Senado para realizar serviços de sua empresa, a Logos Consultoria, para a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais. Inocentada pela corregedoria do Senado, Santos foi reconduzida ao cargo.

 

            Mais uma vez Suassuna saiu ileso da denúncia. Esse talento para escapar de confusões talvez explique como o peemedebista, que na década de 70 tinha como único patrimônio um Chevette usado, tenha conseguido em duas décadas amealhar uma fortuna estimada em R$ 5 milhões, segundo ele mesmo declarou em 2002 ao abrir uma conta Delta Miami Bank, na Flórida, em conjunto com o filho Robson. Por meio da Rigler, empresa aberta pela família Messer no Uruguai, o senador enviou, por exemplo, de uma só vez, US$ 367 mil para a sua conta no Delta Miami Bank. A transação, não comunicada à Receita Federal, pode lhe custar um processo na Justiça por lavagem de dinheiro.

 

            No momento, a sorte de Suassuna descansa na mesa do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Um relatório dos procuradores José Alfredo de Paula e Silva Raquel Branquinho pede abertura de uma ação penal sobre o caso da cobrança de propina da empresa de Norma Santos e do envio de dólares para o exterior. Devido ao foro privilegiado de Suassuna, caberá também a Fernando de Souza decidir se abre ou não uma ação para investigar a participação do senador no escândalo das ambulâncias.

 

 

 

Assessores e sócios da pesada

 

            Assessor de Suassuna preso durante a Operação Sanguessuga sob a acusação de pertencer à quadrilha que fraudava licitações de ambulâncias a partir de emendas apresentadas por parlamentares.

 

            HENRY HOYER

 

            Ex-assessor e sócio de Suassuna da empresa Rivertec Informática. Demitido depois de ser acusado pelo MP de um esquema de corrupção para favorecer a Empresa Brasileira de Assessoria e Consultoria.

 

            JOSÉ ELÍSIO

 

            Assessor de Suassuna no Ministério da Integração Nacional quando o senador era ministro do governo FHC. Sócio do senador na Are Corretora de Seguros, foi preso em flagrante em 2002 quando recebia uma mala com R$ 100 mil de Giovanni Ricardi, assessor do deputado José Wellington Roberto, aliado de Suassuna. Segundo o MP, o dinheiro seria referente a propina de empreiteiras.

 

            JOHN KIRCHOFER

 

            Ex-assessor de Suassuna, foi investigado pela CPI da Assembléia do Rio que apurou fraudes na Previdência.

 

            SISSI SANTOS

 

            Funcionária do Senado, foi demitida em 2001 depois da revelação de que era proprietária de uma empresa que recebia dinheiro da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac). Foi inocentada por falta de provas.

 

            SANDRA KATZ

 

            Sócia de Suassuna na empresa Rivertec Informática – é irmã e testa- de-ferro do doleiro Benjamn Katz, acusado no relatório da CPI do Banestado de lavar US$ 108 milhões.

 

            BRUNO MESSER

 

            Foi sócio de Suassuna na Rivertec Informática. A família Messer foi responsável pelo envio para o exterior de US$ 30 milhões que a quadrilha de fiscais, comandada por Rodrigo Silveirinha, desviou dos cofres públicos.

 

 

 

Ataques ao Planalto

 

            O senador Ney Suassuna (PMDB-PB) insinuou ontem que a Polícia Federal está utilizando as grandes operações policiais para desviar o foco da crise política do Executivo. "A PF diz que faz um trabalho republicano. Mas sempre que surge uma denúncia contra o governo, aparece uma operação da PF que pega o Congresso", disse. O principal assessor de Suassuna, Marcelo Cardoso foi preso pela PF como um dos principais membros da máfia das ambulâncias. O próprio parlamentar foi citado em conversas telefônicas como autor de emendas ao Orçamento para a compra de "unidades móveis de saúde" pelas prefeituras que usava o dinheiro muitas vezes para comprar ambulâncias velhas como novas e com documentação irregular.

 

            O senador explicou o que ele acredita estar sendo feito pela PF a mando do Palácio do Planalto. "A lógica é: se o presidente (da República) está melado, todos estão e ninguém poderá criticá-lo", observou. Para se justificar, o senador acusou o delegado-chefe das investigações, Tardelli Boaventura, de má-fé. "Ele só divulgou as partes das gravações que me incriminam e em pílulas, mas não divulgou as defesas", disse. Ele admitiu que "muita gente na Câmara" será punida neste episódio. "As ambulâncias para as prefeituras da Paraíba custavam menos de R$ 80 mil. Mas muitos deputados apresentaram emendas para comprar ambulâncias de R$ 120 ou R$ 140 mil", comparou.