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Crise da saúde une médicos e pacientes

Dona de casa, Terezinha Ferreira de Araújo, de 49 anos, há mais de cinco luta em peregrinações por hospitais da rede pública por uma solução para seu problema de visão. Médica, Zenilde Fernandes Mendes trabalha no Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá. Às 17h de ontem, Terezinha interrompeu a sessão do Conselho Municipal de Saúde para relatar sua via-crúcis, numa tentativa desesperada de conseguir atendimento. Mais cedo, às 11h, foi a vez de Zenilde não conseguiu conter o choro durante outra reunião, realizada entre o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Jorge Solla, e representantes de entidades médicas, para debater a crise na saúde.

– A reunião foi ridícula, não resolveu nada. No Cardoso Fontes, temos 300 pacientes à espera de cirurgia e todos os aparelhos do hospital estão quebrados. Não podemos mais esperar, não há o que negociar, pois as pessoas estão morrendo. A vida humana não é brincadeira. O que não pode é continuar essa politicagem – desabafou Zenilde, sendo apoiada por outros representantes dos médicos.

Seguindo o que tem sido regra na crise da saúde, o dia ontem foi de muitas palavras e pouca ação, tanto para Zenilde quanto para Terezinha. Depois de fazer o protesto no conselho, a dona-de-casa foi procurada por representantes da Secretaria municipal de Saúde que lhe prometeram auxílio. Uma última esperança depois de passar por diversos hospitais – estaduais, municipais e federais – sem sucesso.

– Comecei a sentir os primeiros problemas em 2000. Em 2002, foi constatado que eu estava com deslocamento de retina por um médico do PAM (Posto de Atendimento Médico) Matoso. Mas lá não havia tratamento. Aí, passei pelo Hospital dos Servidores, pelo Hospital de Ipanema… Consegui ser atendida no Hospital da Lagoa para o médico me dizer que não tinha o que fazer. Hoje estou com só 30% da visão. Estou perdida. Estou jogando minha última esperança – afirmou Zenilde.

Conselho é contra prefeitura gerir SUS

Na sessão do conselho, que reúne representantes de usuários, médicos e gestores do sistema municipal de saúde, foi dado mais um recado da indignação da população com a crise: por 18 votos a quatro, foi recomendada a desabilitação da prefeitura para a gestão dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão, que ainda precisa passar por três instâncias estaduais e federais para entrar em vigor, significaria o repasse da administração dos recursos para o governo estadual. Na reunião, o presidente do conselho, o secretário de Saúde Ronaldo Cézar Coelho, foi representado por seu subsecretário, Mauro Marzochi.

– O que houve aqui no conselho foi o exercício do direito de democracia, de a sociedade representada manifestar a sua opinião. Mas não é intenção do Ministério da Saúde e da prefeitura que isso realmente aconteça – afirmou Marzochi.

Mais cedo, o secretário Jorge Solla havia afirmado o respeito às decisões do conselho, ressaltando que outra entidades deverão ser ouvidas. E o capítulo diário da polêmica:

– Infelizmente, as soluções não acontecem no tempo em que gostaríamos. O que o Ministério da Saúde tinha de fazer já fez: apresentou proposta de aumento de repasse financeiro para o custeio e planos de investimento. O município ainda não assumiu nenhuma de suas responsabilidades: ampliar a atenção básica, implantar o Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a central de internações. Só vamos liberar o dinheiro se o município assinar judicialmente este cronograma.

Marzochi deu a sua versão, ressaltando que não há impasse, apenas uma “crise de opiniões”:

– As condições exigidas já estão em implantação. Tudo já está em andamento. Até dezembro o Samu já estará em pleno funcionamento.

A promotora Glaucia Santana, do Ministério Público estadual, disse que existem atualmente 30 ações civis públicas exigindo o cumprimento imediato de medidas como transferência de pacientes para unidades da rede conveniada do SUS e compra de medicamentos, além de mais de 200 inquéritos em andamento.

Depois da reunião, Solla foi ao Tribunal de Justiça, onde deu entrada em notificação judicial para que o prefeito Cesar Maia confirme ou se desculpe pelas declarações sobre o ministro Humberto Costa, a quem chamou de mentiroso.

Saiba mais sobre a crise na saúde

A crise na saúde do Rio começou no segundo semestre de 2004, quando o prefeito Cesar Maia anunciou que pretendia devolver ao governo federal os 28 hospitais, postos e maternidades que foram municipalizados em 1999. Cesar alega que os recursos repassados pela União – até R$ 768 milhões – por ano são insuficientes para manter a rede pública.

Logo depois, fornecedores e empresas responsáveis pela manutenção de equipamentos ão tiveram os contratos renovados. Em conseqüência, a qualidade do atendimento caiu, não apenas na rede municipalizada como nos hospitais que já eram da prefeitura. Auditorias do Tribunal de Contas do Município constataram que a prefeitura fechou 2004 com dívida de R$ 240 milhões com fornecedores.

Devido à crise, três hospitais que eram federais – Cardoso Fontes, Jacarepaguá e Jurandir Manfre – já fecharam a emergência, limitando-se a atender aos casos mais graves. O Ministério da Saúde propôs à prefeitura repassar mais R$ 46 milhões por ano para o pagamento de funcionários de seis dos 28 hospitais. Além disso, acenou com mais R$ 55 milhões para obras, mas ainda não houve acordo. A prefeitura quer mais recursos para a rede e as negociações chegaram a um impasse depois que o prefeito Cesar Maia chamou o ministro da Saúde, Humberto Costa, de mentiroso, acusando-o de ser o responsável pelo caos no Rio.