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Dia Mundial de Alzheimer: O tempo cobra seu preço

Este ano, o Dia Mundial de Alzheimer, 21 de setembro, coincide com a celebração, em novembro, dos cem anos da primeira descrição da doença pelo médico alemão Alois Alzheimer. Desde então, conseguiram-se avanços importantes na compreensão dos mecanismos de deposição, no cérebro, das proteínas anormais, um dos fatores que levam à perda de neurônios e provocam a ocorrência da doença, hoje reconhecida como a primeira entre todas as causas de demência. Esse progresso permite vislumbrar medicamentos mais eficientes para estabilizar os sintomas da moléstia, além dos que já existem, mas tudo ainda está em fase teórica ou experimental, diz o médico Paulo Henrique Bertolucci, professor de neurologia clínica da Escola Paulista de Medicina e diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer.

 

            Reprodução No cérebro afetado por Alzheimer, a deposição de proteínas anormais (nas áreas vermelhas e amarelas) já não tem tantos mistérios para os cientistas

 

            A cura continua sendo um objetivo ainda mais distante. Bertolucci recomenda que se pense no assunto com "otimismo cauteloso". O que há hoje, enfim, são medicamentos que lidam com o entorno do que se poderia chamar de núcleo duro da doença – onde se alojam segredos a desvendar para a cura -, e que tornam a vida do paciente menos sofrida. Assim, também ajudam a minorar as agruras que inevitavelmente acabam tomando conta da existência de seus familiares, enquanto dele cuidam.

 

            A indústria farmacêutica não se move, porém, por razões de compaixão. Persegue acréscimos de faturamento e lucratividade. Por isso, investe pesado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) naquelas áreas em que as perspectivas de demanda sejam mais facilmente reconhecíveis. É o caso, justamente, das doenças neurológicas e neurodegenerativas – como Alzheimer – típicas de vastas porções do mundo em que, como contrapartida de mudanças nos indicadores de desenvolvimento econômico e social, as doenças infecciosas deixaram de prevalecer. "O investimento em P&D relacionada a doenças neurodegenerativas é gigantesco", afirma Sérgio Queiroz, professor do departamento de políticas científicas e tecnológicas da Unicamp. Passa por aí a dimensão da internacionalidade da P&D geral da indústria farmacêutica, que compartilha com a eletrônica a liderança em investimento, nessa área, para além das fronteiras das empresas-matrizes, lembra Queiroz. É a globalização em seu melhor estilo.            Em recente relatório sobre as condições de comercialização das doenças neurodegenerativas, a IMS Health, empresa americana de consultoria e marketing para as áreas farmacêutica e de serviços médicos, mostra que o mercado mundial para Parkinson se encontra praticamente estabelecido, enquanto para Alzheimer ganhou forma apenas em anos recentes. "Seu potencial, no entanto, é claro: depois de chegar a pouco mais da metade das vendas de medicamentos para Parkinson em 2000, os tratamentos de Alzheimer (não a cura, nem a prevenção) ultrapassaram aqueles em vários milhões de dólares em 2004".

 

            O potencial de que fala a IMS é um ramo da mesma conjuntura em que se dá o aumento da expectativa de vida de populações em vários países – no Brasil, inclusive. Mais anos de vida em mais pessoas trazem maior incidência de doenças neurodegenerativas. Em 2005, o crescimento da indústria farmacêutica, no mundo (de 7%, para receitas globais que chegaram a US$ 602 bilhões) foi determinado, mais uma vez, pela maior longevidade das populações, e também pelo aumento da renda, novos produtos inovadores e novas aplicações para produtos existentes. Nos últimos oito anos, a expansão média do faturamento da indústria, de quase 10%, se encaixa na mesma linha de explicação.

 

            Compreende-se, então, porque nos EUA, onde se realiza quase metade do faturamento da indústria farmacêutica mundial, 42 medicamentos para Alzheimer e demência estão em desenvolvimento (em testes clínicos com humanos ou esperando aprovação da Federal Drug Administration), de um total de 241 ítens para tratamento de males neurológicos, de acordo com dados da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America. Parece auspicioso, além disso – ainda que se cultive a cautela que Paulo Henrique Bertolucci recomenda – o fato de que a Pfizer, primeira entre as farmacêuticas americanas, adquiriu recentemente a Rinat Neuroscience Corp., empresa de biotecnologia bastante focada em pesquisa de Alzheimer (o Aricept, até hoje líder inconteste entre os medicamentos para doenças neurodegerativas, é um resultado da cooperação em P&D da Pfizer e da Eisai, outra empresa de biotecnologia). E, há um ano, a suiça Roche juntou-se à GE Healthcare num acordo operacional para pesquisa diagnóstica e tratamento de Alzheimer. São iniciativas, dentre outras tantas, que assinalam progressos no desenvolvimento de medicamentos e que assim, de alguma forma, pavimentam o caminho em direção à cura da doença – por longo que seja o trajeto a percorrer.

 

            AP Presidente Ronald Reagan, vítima de Alzheimer: um na multidão de milhões que a demência, trazida pela doença de Alzheimer, toma para prisioneiros em todo o mundo

 

            Quais horizontes a indústria farmacêutica tem em mira?

 

            A doença de Alzheimer pode ocorrer em qualquer idade, mesmo em pessoas com não mais de 40 anos, mas a probabilidade aumenta exponencialmente com o envelhecimento. É raro, então, que apareça no período entre 40 e 50 anos, torna-se mais freqüente entre 60 e 65 anos e é muito comum depois dos 80. Está aí definido o mercado que instiga o interesse das empresas, farmacêuticas e de biotecnologia, pelo desenvolvimento de medicamentos.

 

            Atualmente, 24,3 milhões de pessoas sofrem de demência, no mundo (entre 4 e 5 milhões nos EUA e 1 milhão no Brasil, calcula-se). Sendo Alzheimer, de longe, a principal entre perto de cem causas de demência, o universo de sua incidência fica assim também caracterizado, por extensão.

 

            A cada ano, contabilizam-se 4,6 milhões de novos casos de demência, o que significa um novo caso a cada sete segundos, mostra estudo, divulgado no ano passado, da Alzheimer´s Disease International, uma federação das 75 associações de Alzheimer existentes em vários países, que trabalham por políticas públicas voltadas para o combate à doença. O número de pessoas afetadas por diferentes formas de demência vai dobrar, então, a cada 20 anos, e haverá 42,3 milhões de doentes em 2020. Em 2040, serão 81,1 milhões. A maior parte das pessoas com demência vive em países em desenvolvimento: eram 60% em 2001, serão 71% em 2040. O aumento da incidência na América Latina será de 393% entre 2001 e 2040. Nos países desenvolvidos ficará em 100%, na média (172% na América do Norte e 102% na Europa ocidental).

 

            Encaixa-se nesse contexto estatístico a previsão da Organização Mundial de Saúde de que, em 2040, como resultado do crescente envelhecimento da população mundial, as doenças neurodegenerativas terão superado o câncer como a segunda principal causa de morte, depois dos males cardiovasculares. Diferentemente do que acontece com doenças cardiovasculares e câncer, porém, tanto governos, por meio de políticas públicas, como a indústria de fármacos e medicamentos ainda têm muito que fazer no segmento de doenças neurodegenerativas.

 

            As associações de Alzheimer, como a brasileira, existem para mobilizar vontades políticas, sobretudo. O que também é do interesse da indústria, evidentemente. Nos EUA, a expansão do mercado para medicamentos de Alzheimer tem sido empurrada também pela considerável proporção de prescrições reembolsadas por intermédio do Medicare, o serviço social de saúde para idosos e deficientes. No Brasil, a Associação Brasileira de Alzheimer está na luta para que os doentes de Alzheimer tenham acesso regular a medicação distribuída pelo Sistema Unificado de Saúde. O programa hoje existente é absolutamente inoperante.

 

            De um lado, razões econômicas. De outro, necessidades sociais. No meio, uma pergunta antiga: até que ponto uma certa lentidão na chegada de novos produtos ao mercado não seria decorrência de um modelo de negócios típico da indústria farmacêutica, que insiste em buscar os chamados "blockbusters" (o Aricept, da Pfizer/Eisai, é um deles), aqueles medicamentos que lhe dão receitas bilionárias, e gasta somas enormes com políticas de vendas e marketing, em vez de se dedicar ao desenvolvimento de remédios de que as pessoas de fato precisam, querem e podem pagar?

 

            Nos EUA, 42 medicamentos para a doença de Alzheimer e demência estão em desenvolvimento, entre 241 ítens para males neurológicos

 

            O modelo de negócios que efetivamente é aplicado, porém, na definição de simpatizantes da indústria, se orientaria pela interação de alto risco, longos cronogramas para desenvolvimento de produtos e a busca de retorno, para o investimento, suficiente para motivar todas as partes interessadas – cientistas, médicos, acionistas, executivos e universidades – e "envolvê-las no plano de negócios", como explica Jon Northrup em capítulo que escreveu para o livro "The Business of Healthcare Innovation", editado por Lawton Robert Burns, professor da escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, nos EUA (Cambridge University Press, 2005). Em raciocínios que correm por essa linha sempre se mencionam fantásticos US$ 800 milhões, em média (o que significa que podem ir além disso) de investimento em P&D necessários para se trazer um medicamento ao mercado – dos quais dois terços devem ser atribuídos a esforços mal-sucedidos, financiados pelos poucos que serão bem-sucedidos, diz Northrup.

 

            A alegada vagareza com que se apresentam novos medicamentos ao mercado – pela prevalência de um modelo de negócios que, como se tornou comum ouvir de analistas criticamente adversos e consumidores em geral, teria seu vetor dominante no binômio altos preços/grandes faturamentos concentrados em produtos bilionários. A questão foi colocada, semanas atrás, para Roy Vagelos, ex-CEO da Merck, uma das maiores farmacêuticas do mundo, em entrevista à "Knowledge@Wharton", revista da escola de Negócios da Universidade da Pensilvânia. Afinal, de quem seria a "culpa" pelo alegado descompasso entre objetivos da indústria e expectativas dos consumidores? Que peso teriam, em particular, os longos e dispendiosos encadeamentos de testes clínicos?

 

            Vagelos admite que "todas as coisas mencionadas como limitadoras da produtividade da indústria farmacêutica estão corretas, em certa medida". Entretanto, ele recomenda que se amplie o ângulo de visão, para se verificar que ocorrem "ondas de descoberta de novos produtos" associadas à introdução de novas tecnologias.

 

            Foi o que aconteceu quando a bioquímica permitiu que se criassem medicamentos para alta pressão sangüínea, glaucoma e antibióticos, por exemplo, e também possibilitou aperfeiçoamentos em vários outros novos medicamentos introduzidos ao longo dos 15-20 anos anteriores. A informação que fez surgir esses medicamentos está agora perdendo relevância e novas fontes de conhecimento, ligadas ao estudo de genomas e proteomas, começam a ser utilizadas, diz Vagelos. É assim que se tem conseguido compreender a atividade de proteínas e moléculas relacionadas à ocorrência de câncer, para desenvolver novos medicamentos.

 

            Virão pelo mesmo caminho futuros medicamentos contra Alzheimer e outras doenças, prevê Vagelos. "Estou bastante otimista em termos de longo prazo e acredito que mudanças ocorridas nos últimos 50 anos serão eclipsadas por mudanças que veremos nos próximos 50 anos."

 

            Entre tantas coisas que poderão acontecer, ou não, no decorrer desse tempo todo, uma é líquida e certa: patentes perderão validade e medicamentos genéricos continuarão a ocupar espaço no mercado – dois movimentos de primeira importância em qualquer avaliação de perspectivas que se faça para a indústria.

 

            Northrup prevê que as empresas farmacêuticas provavelmente perderão impulso de crescimento, em termos agregados, daqui para 2010, por causa da expiração de várias patentes importantes. Somente em 2006, seis "blockbusters" perderão suas patentes, informa a IMS. Mas a máquina dos medicamentos bilionários não pára (Pfizer e Eisai já trabalham para encontrar um substituto para o Aricept, que ficará sem patente em 2010): "O lançamento de novos produtos e o contínuo crescimento daqueles já no mercado resultarão em número crescente de ‘blockbusters’ nos próximos cinco anos", prevê a IMS.

 

            À medida que patentes expiram e novos produtos chegam ao mercado, haverá mudanças na escala de importância das principais áreas terapêuticas, inclusive por influência da ampliação do espaço ocupado pelos genéricos. Na área de neurologia, também, vários novos medicamentos genéricos estarão chegando ao mercado (antidepressivos, antinauseantes etc.), "que mais do que compensarão [em sentido adverso] os avanços obtidos na terapia de Alzheimer" [com novos medicamentos], diz Northrup.

 

            Queiroz, da Unicamp, observa que a procura de produtividade pelas grandes farmacêuticas está hoje definitivamente atada à atividade das empresas de biotecnologia. "As empresas de biotecnologia desenvolvem competências específicas que freqüentemente não estão nas grandes farmacêuticas. Quando essas competências se revelam promissoras, as farmacêuticas as adquirem."

 

            Nos últimos 30 anos, a indústria de biotecnologia veio se desenvolvendo em várias frentes. E desde 1982, quando uma substância análoga da insulina humana, obtida por recombinação genética, tornou-se o primeiro produto medicamentoso da indústria aprovado para comercialização, empresas de vários países trouxeram centenas de novos medicamentos para o mercado. Criaram novas tecnologias e abriram caminho, pioneiramente, para a renovação dos modos de se compreender e tratar doenças.

 

            É uma indústria em franca consolidação, como se vê em vários pontos do relatório da Ernst & Young sobre as atividades do setor no ano passado. Em 2005, as receitas de 671 empresas com ações em bolsa, norte-americanas, européias e asiáticas, chegaram a US$ 63,1 bilhões (75,7% nos EUA, 15,5% na Europa, 4,1% no Canadá e 4,7% na Ásia-Pacífico), ou mais 18% do que em 2004, quando já haviam avançado 17%. Essas empresas investiram quase US$ 20,4 bilhões em pesquisa e desenvolvimento (78,3% nos EUA). Outro sinal de fortalecimento foi a extraordinária redução de 30% nas perdas líquidas da indústria. Pela primeira vez na história do setor de biotecnologia, o prejuízo líquido das empresas americanas de capital aberto, comparado às receitas, caiu abaixo de 5%. Nos EUA, o setor aproximou-se da lucratividade mais do que em qualquer outra época, graças, principalmente, à seqüência contínua de novos produtos aprovados e trazidos a mercado.

 

            O Brasil teria alguma chance de se tornar um pólo importante de P&D aplicada a fármacos e medicamentos?

 

            A internacionalização de P&D pela indústria farmacêutica vai além dos países centrais, diz Queiroz. "Basta ver os investimentos em P&D das multinacionais na China, Índia, Cingapura, Europa do Leste." A motivação está na racionalização dos custos de P&D e também no aproveitamento de competências específicas detidas pelos países hospedeiros: a internacionalização da P&D na indústria farmacêutica é ‘technology-driven’ e não ‘market-driven’. "O Brasil poderá participar desse processo, sim. Capital humano, o país tem. Mas falta a segurança de um marco regulatório que garante respeito aos direitos de propriedade intelectual, particularmente." Hoje, o Brasil "não oferece condições para investimentos muito expressivos em P&D, restritos a pesquisa clínica nas fases finais". Contudo, "se fizermos a coisa certa, podemos atrair investimentos de fase 1 e 2 e até pesquisa pré-clínica", afirma Queiroz. Quem sabe, até para integrar o esforço de procura da cura para Alzheimer.