Administrar a Unimed Curitiba corresponde a ter gerência do orçamento de uma cidade quase do tamanho de Maringá, a terceira maior do Paraná. A acirrada disputa pela diretoria atesta que há muito dinheiro e interesses envolvidos, o que gera, sob o reflexo dos escândalos em instituições públicas, a desconfiança entre médicos cooperados, demais prestadores de serviços e, sobretudo, o grande contingente de usuários
Em 30 de março, será realizada a eleição que vai indicar a diretoria da Unimed Curitiba para os próximos quatro anos. A disputa começou acirradíssima, com cinco postulantes à presidência da cooperativa, dois deles situacionistas, integrantes do atual grupo diretor. Como as inscrições das chapas podem ser feitas até 16 de março, é de se prever composições e o respingar de sujeira muito além dos jalecos brancos.
Nos 34 anos de existência da singular, esta eleição se apresenta como a mais concorrida e terá até mesmo as urnas eletrônicas das votações políticas, cedidas pelo TRE. Entre os que se habilitam na disputa, o discurso prevalecente é o da busca da unidade, a garantia dos direitos dos 3,6 mil médicos cooperados e da excelência em qualidade, que deve ser traduzida como ampliação da rede de usuários, satisfação e eficiência dos serviços e equilíbrio econômico-financeiro.
Desconfiança
Respeitado o processo democrático e as manifestações de zelo aos princípios que norteiam a cooperativa médica, já obrigada a descaracterizar-se sob a administração de operadora de saúde, é de se reconhecer a existência de uma corrente de desconfiança. Médicos, cooperados ou não, mostram-se apreensivos com o futuro da Unimed Curitiba, a exemplo dos demais profissionais e estrutura de serviços conveniados e, também, os usuários dos planos. O raciocínio é simples: por que tanto interesse e disputa?
O orçamento da cooperativa é proporcional ao de algumas das maiores municipalidades paranaenses. O volume de dinheiro é tamanho que a atual diretoria diz ter fechado o balanço de 2005 com R$ 628 milhões em caixa e com perspectiva de, pela primeira vez, fazer distribuição de R$ 5 milhões em lucros aos cotistas. Além disso, somente os recursos gerados em Impostos Sobre Serviços seriam equivalentes a 5% do que a Prefeitura de Curitiba arrecada com o tributo.
Poder e privilégios
A vultosidade financeira é multiplicada com os privilégios e interesses associados, que vão de serviços terceirizados, como a da venda de planos, ao da fidelidade bancária com todos os seus componentes, incluindo a taxação de boletos e investimentos. Também passa pelas “parcerias” com a indústria farmacêutica e a de outros fornecedores, de produtos como órteses e próteses, sem contar a cortejada conta milionária em publicidade e propaganda.
Para os que aceitam o desafio de dirigir uma das maiores cooperativas médicas do País, com seus 380 mil usuários, é preciso uma compensação capaz de levar à renúncia de uma clientela formada ou de algum cargo diretivo em instituição de saúde, status talvez jamais recuperado. Óbvio que o polpudo salário em tempos bicudos (há dados controversos sobre o real valor, mas a certeza de que supera a remuneração oficial do prefeito de Curitiba, do governador e, quem sabe até o do Presidente Lula), que se soma à relevância política da função e a possibilidade de cargos em entidade nacional, é um componente importante nesse conjunto de fatores que tornam a ideologia e espírito associativo ainda mais estimuladores.
Cooperativa paga mal associados
Nascida cooperativa médica, a Unimed Curitiba é, hoje, um dos planos que pior remunera o profissional e também os estabelecimentos de saúde conveniados. Embora a maior entre todas as 22 singulares que formam o Sistema Unimed no Paraná, a de Curitiba somente implantou em novembro o valor da consulta previsto na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, ainda assim no patamar mais baixo, com banda de 20% para menos, o que representa R$ 33,60. Outras singulares há tempo vêm pagando mais ou pelo menos os R$ 42,00 vistos como média mínima.
A origem do problema não é somente a ampliação da cobertura assistencial, advinda com a Lei dos Planos de Saúde e a maior vigilância da Agência Nacional de Saúde Suplementar os órgãos de defesa do consumidor. Reside também na falta de conscientização de empresas e profissionais numa racionalização de custos.
Quando se onera com avalanche de exames uma operadora, seja ela cooperativa, autogestão, medicina de grupo ou seguro-saúde, o profissional está auferindo uma rentabilidade imediata, mas, ao mesmo tempo incrementando a chance de secar a fonte de recursos.
Nos últimos anos, mais de 6 milhões de usuários deixaram o sistema suplementar. De 2005 para cá, quase 400 operadoras se viram insolventes, sob intervenção ou decretadas à morte. Com dificuldades para crescer, ou pelo menos sobreviver, as operadoras de planos de saúde têm proposto a flexibilização das coberturas de planos de saúde, enxergando na redução de custos uma importante forma de gerar a inclusão de mais usuários.
De um lado, há a grita dos que entendem ser um retrocesso e que os direitos dos consumidores não podem ser desrespeitados, com oferta de um plano mais barato. Do outro, as operadoras sustentam que sua sobrevivência depende de um equilíbrio financeiro e que, se recebe pelo valor da prestação de “Fusca”, não pode ser obrigada a entregar uma BMW, numa alusão à desproporção entre o que se paga na origem do contrato e a multiplicação de benefícios que vêm sendo agregados.
Opinião
Do ponto de vista teórico e lógico, a posição defendida pelas operadoras faz sentido. Porém, na sociedade brasileira, esta opção estaria longe de ser factível. Adriano Londres, vice-presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados, justifica que “é crescente o número de liminares que vêm sendo concedidas pelo Judiciário, desconsiderando-se as letras dos contratos, garantindo direitos não previstos a usuários de planos de saúde adquiridos anteriormente à lei que regulamenta o segmento. Equivocadamente, a nosso ver, o Judiciário julga com base no indivíduo e de forma emocional, esquecendo-se que tal decisão, quanto fere o contrato entre as partes, desestabiliza e prejudica o coletivo”.
Ele conclui o seu raciocínio: “A proporção e tendência desta prática é tão preocupante que levou a ANS a realizar um levantamento sobre estes custos incorridos, mas não previstos contratualmente. Conforme escutei uma vez de Joelmir Betting, em país que não se respeita contrato, até o passado é imprevisível. Esta tem sido a nossa realidade no segmento de planos de saúde e, tudo indica, poderia piorar com a proposta agora colocada. Ou seja, uma vez criado um enorme hiato entre os serviços prestados e os direitos efetivamente contratados, passaríamos a um quadro de acirramento do desequilíbrio econômico do setor.
Em suma, a idéia é boa, mas, infelizmente, esta longe de ser factível na medida em que ainda temos muito o que amadurecer como sociedade. E, neste sentido, entendemos que, até que estejamos preparados para exigir do SUS a integralidade a que temos direito, a reconhecer que os planos de saúde se traduzem em uma opção adicional que fazemos a este direito já adquirido, e, principalmente, a respeitar as letras dos contratos, devemos buscar caminhos mais viáveis que não esbarrem em nossos entraves culturais.”
Candidatos iniciam debates
Grupo de jovens médicos cooperados promoveu, na noite de 16 de fevereiro, o primeiro debate entre os cinco candidatos à presidência da Unimed Curitiba. O encontro ocorreu no auditório da Sociedade Paranaense de Pediatria, em Curitiba, e serviu de oportunidade para que profissionais que entraram mais recentemente na cooperativa sabatinassem os postulantes à presidência e, também, conhecessem suas propostas.
Foram duas horas e meia de debates, ao término do qual cada um dos pretendentes fez um balanço positivo de seu desempenho. Para os que acompanharam as manifestações, mesclou-se otimismo e desconfiança.
Dois dos concorrentes, Rached Traya e Sérgio Ioshii, são componentes da atual diretoria. O primeiro é vice-presidente e o segundo o secretário-geral. Eles oferecem como trunfo o fato da Unimed estar “saneada financeirmente” e de promover pela primeira vez o rateio de lucros. Mas são questionados por abusos administrativos, que incluem cobrança de percentuais sobre serviços prestados pelos cooperados, e pela atitude vista como de resistência à implantação da CBHPM.
Os três demais candidatos são de oposição. Um deles é Manoel de Almeida Neto, que já dirigiu a Unimed Curitiba por longo período e sofre questionamentos por sua “liberalidade administrativa e em parcerias”. Além de ter obtido a adesão de médicos de renome e ascendência na atividade para composição da chapa, prega como compromisso de campanha a implantação absoluta na Classificação. Júlio Lopes é outro concorrente forte e que participou da eleição anterior. Defende a valorização do médico cooperado e maior transparência administrativa, princípios pregados também pelo candidato independente Paulo Fontinelli.
Pitaki na chapa de Manoel de Almeida
A idéia de que o bom atendimento aos pacientes vai fazer o médico cooperado sentir-se dono e responsável pela Unimed Curitiba, levou o médico Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki a aceitar o convite para participar das eleições de março na cooperativa. Ele é candidato ao cargo de Coordenador do Conselho Técnico e concorre pela chapa de oposição Gestão Competente, encabeçada pelo médico Manoel Almeida Neto e que tem na vice-presidência o médico Hélcio Bertolozzi Soares, presidente licenciado do CRM-PR. “Optei por uma idéia”, disse Sérgio Pitaki ao falar do convite feito por Manoel Almeida Neto.
E explicou: “É uma idéia estudada, que está sendo apresentada de maneira clara; é o resultado de um trabalho de muito tempo, de dedicação e de experiências de duas décadas em termos de cooperativismo, que motiva um esforço coletivo de melhoria das metas a serem alcançadas na nossa cooperativa”.